Na arte, como na política e na vida em geral, o novo requer sempre impulso, ousadia, experimentação, por vezes a árdua capacidade de provocar, de remar contra a corrente ou de saltar sobre ela. Durante duas décadas e meia organizei todos os semestres na minha faculdade, em aulas de disciplinas de história cultural contemporânea, três horas de exposição e debate sobre o nascimento e o papel das vanguardas ocidentais sensivelmente entre 1910 e 1970. As estéticas, as filosóficas, as políticas e as vivenciais. Costumava alertar os alunos, todavia, sobre como sempre foi fácil – e mais ainda no tempo mais próximo – elas serem recuperadas pelo sistema de mercado e pelo pensamento dominante. Ou então transformadas, geralmente por ignorância, em formas de repetição do que se fez há já algumas décadas atrás.
Na viragem para os anos 70, eu próprio pertenci, durante algum tempo, a um grupo de jovens poetas que, convencidos de estarem a laborar na completa novidade, reciclavam os processos do Dada e dos surrealistas quando já tinham desaparecido até os netos dos seus primeiros cultores. Recordo de que forma, muito mais tarde, um grupo de alunos me mostrou entusiasmado, como se tivesse acabado de descobrir um novo mundo, o Ceci n’est pas une pipe, produzido em 1929 por René Magritte, e como ficaram um pouco desiludidos quando lhes disse que o escândalo público provocado pela obra eclodira… 80 anos antes. É claro que isto não invalida o interesse de formas de arte que reciclem processos antigos, mas já penso ser discutível, além de injusto para quem os criou, que elas sejam apresentadas e apreendidas como novidade.
Rui Bebiano