Dois apontamentos mais sobre a revelação, agora em Portugal, de um número bastante elevado – ainda assim, sem dúvida, muito inferior aos dos casos não testemunhados ou que foram e são recorrentemente silenciados, que jamais verão a luz do dia – de vítimas de abusos sexuais praticados nas últimas sete décadas com a completa impunidade da generalidade dos seus perpetradores e da instituição eclesiástica que os enquadrou e lhes conferiu o poder para poderem abusar. Uma instituição, forçada pelo ar do tempo e pelo próprio papa a enfrentar o tema, e que agora vem lamentar o ocorrido sem todavia abordar com clareza formas de punir os criminosos ainda vivos e de compensar minimamente as suas inúmeras vítimas. Não serão, por certo, apenas desculpas e piedosas orações a resolver o seu terrível lastro.
O segundo apontamento, que tenho visto completamente omitido nos debates sobre o tema, refere-se ao facto de estas revelações não serem ainda acompanhadas de uma reflexão aberta e da sugestão de medidas relacionadas com a realidade de uma sexualidade profundamente reprimida pelas instituições do cristianismo, em particular pela Igreja Católica Apostólica Romana. Uma situação que, se não justifica os abusos, criou ao longo de séculos condições para que quem os praticou não fosse apenas uma ocasional aberração, mas gente aparentemente normal que daquela forma doentia conviveu com os seus fantasmas. Isto não desculpabiliza os criminosos, mas se doravante for encarado de frente reduzirá por certo o número de casos desta natureza, dando crédito a uma Igreja bastante abalada por estas revelações.