Ao ver na AppleTV uma excelente série que percorre oitenta anos da história da Coreia, e ao procurar aferir da veracidade das inúmeras referências históricas, dou de caras com um facto poderoso que ignorava e com uma mentira que tomava por verdade, ainda que manchada por algum exagero do qual já suspeitava. Em Pachinko, de Soo Hugh, estreada em 2022 e falada em coreano, japonês e inglês, uma saga familiar baseada no romance homónimo da escritora coreana-americana Min Jin Lee, encontra-se um cenário que reporta a relação complexa e traumática da Coreia com o Japão ao longo do século XX. O facto que ignorava tem a ver com a dimensão do domínio japonês sobre a península, exercido entre 1910 e 1945, ter sido traduzida na redução à escravatura, ou pelo menos à servidão, da quase totalidade da população local, com, níveis de repressão e de crueldade sem comparação à escala europeia.
Já a mentira liga-se à tomada do poder pelos comunistas, ainda hoje cantada na Coreia do Norte como um feito heróico e colossal devido ao semi-deus Kim Il-sung. Na verdade, o que aconteceu foi a invasão do território coreano, logo após a derrota do Japão de 1945, a norte pelos soviéticos e a sul pelos americanos, tendo a União Soviética instalado um governo provisório que depois cedeu a um partido local que controlava completamente, tal como aconteceu também em diversos Estados do Leste europeu. A gesta heróica de Kim, matando «milhões de japoneses» é uma pura invenção das autoridades de Pyongyang. Uma invenção que, associada à presença norte-americana a sul e à guerra de 1950-1953 que separou definitivamente o norte do sul, serve desde então para justificar o autoritarismo do regime e legitimar um dos maiores orçamentos militares mundiais num dos países com mais baixo rendimento ‘per capita’.