Tendo passado pouco mais de um quarto da legislatura, todos os dias deparamos com o esforço comum da direita, apoiada em boa parte da comunicação social e na manipulação das redes sociais, para desacreditar o atual governo e dar da sua orientação uma perspetiva que pretende mostrá-lo como gestor do caos, do empobrecimento e até de algum autoritarismo. Dissemina-se, desta forma, uma imagem extremamente negativa que nem os partidos situados à esquerda do PS estão a partilhar. Projetam-se até supostas informações que vão contra dados oficiais existentes a nível europeu – onde, apesar dos fatores de crise relacionados com a guerra de invasão da Ucrânia, Portugal se encontra comparativamente bem situado -, presumido que, tendo a maioria das pessoas memória curta, já poucas recordarão os anos terríveis do governo Passos-Portas, em que vivemos empobrecidos, deprimidos e sem perspetiva, como jamais tinha ocorrido após o 25 de Abril.
A direita, apoiada nas estratégias simples e diretas do populismo, assume-se assim como «salvadora da Pátria», desenvolvendo, muitas vezes com o apoio de pessoas legitimamente descontentes que nem percebem que estão a ser manipuladas, uma lógica de protesto que chega a ser mais sonora do que aquela associada aos partidos à esquerda daquele que governa. Para ela, não se trata de exigir mais, ou de criticar o que está mal, ou de requerer outras formas de gerir o público, mas antes de projetar a ideia de que é necessária uma política de «salvação» que possa protagonizar. E, pelas sondagens mais recentes, parece que está a levar água ao seu moinho: todas apontam, ainda que por pequena margem, para uma maioria eleitoral de direita e, dentro desta, para um crescimento exponencial do Chega, apostado em exibir-se junto dos eleitores como partido «anti-sistema» que interpreta os sentimentos de descontentamento transformando-os em fatores de ódio.
É verdade que, se não for suscitada por ações de rua ou campanhas de descrédito a crise institucional que tanto deseja, ainda faltará bastante tempo para as próximas legislativas, mas a tendência parece estar projetada, e nada garante que, para toda a esquerda a situação não venha a piorar. Nestas condições, duas exigências devem ser já consideradas pelos partidos que a integram. A primeira é não aderirem à lógica populista sem dela se distinguirem, participando em ações que, partindo de reivindicações justas, apenas favorecem a campanha de descrédito do governo e se destinam a projetar a crise política. A segunda é tomarem consciência de que, para impedir o regresso ao passado, novas estratégias de colaboração, agora e na próxima legislatura, têm de ser preparadas, não acentuando divisões para além das que distinguem no plano identitário os partidos que a integram, e começando a pensar no que pode aproximá-los. A direita tem vindo a fazê-lo diariamente por palavras e obras.
Rui Bebiano