O movimento pelo direito à habitação tem do seu lado uma das preocupações que mais aflige a maioria dos cidadãos e das famílias. Ela é transversal à história portuguesa recente e cinquenta anos de democracia não chegaram para a solucionar. Para quem não possui casa própria, ou tem e está a pagá-la ao longo da vida, ou precisa recorrer ao arrendamento, a situação permanece dramática, levando a que muitos não tenham casa condigna, ou a que os seus custos determinem uma vida de baixa qualidade e enormes sacrifícios. Além disso, é um facto que a generalidade dos governos pós-Abril jamais se esforçou a sério para solucionar o problema, combinando os interesses em jogo e apoiando quem mais precisa.
Nestas condições, é muito importante o lançamento de um movimento que exija escolhas justas e eficazes, impondo uma agenda sempre adiada. O que não faz sentido, todavia, é que este movimento surja após o governo ter avançado com um pacote de medidas neste domínio – por certo insuficiente, mas o primeiro em décadas – e que muitos dos que o integram, na linha populista favorável à direita que tem percorrido outros combates por causas justas, tenha erguido como «culpado» da situação precisamente o primeiro-ministro que pela primeira vez olhou para ela de forma sistemática. Se isto não é usar reivindicações justas para denegrir e tentar fazer cair um governo democraticamente eleito há pouco mais de um ano, não sei o que o seja.
O combate público deve reivindicar justiça na habitação, exigindo medidas eficazes, não pode ter por objetivo denegrir o governo e vir com a lengalenga «a culpa é do Costa». Que a direita o faça, entende-se, mas que a esquerda alinhe, sem dela se distinguir nas palavras de ordem, numa campanha em que se junta na rua, como se fosse uma festa coletiva, aos inimigos da democracia, não é de todo aceitável. Todavia, para quem «a luta» é cega e vale por si, sugerir este exercício de racionalidade e justiça, que seria até mais eficaz, talvez seja pedir muito. É claro que gostaria de estar enganado.