Salvo para o jornalismo sensacionalista e para os profissionais da pequena política, já ninguém aguenta o episódio que envolveu o ministro Galamba e um seu ex-assessor. Independentemente dos detalhes do caso, e de poderem existir alguns de facto complexos, o menor esforço de racionalidade deveria ser suficiente para se perceber que na estrutura de funcionamento de um qualquer ministério existem deveres de confiança política e de reserva. No que está em causa, como na gestão de qualquer organismo de governo, que se saiba existe uma cadeia de autoridade e de responsabilidade, não fazendo cada um aquilo que bem entende.
Apesar do enorme enjoo que esta novela já provoca – e dando graças aos céus por já de há muito ter decidido deixar de passar pelos telejornais portugueses -, lá abri uma exceção e ontem dispus-me a ver e a escutar o essencial das alegações feitas na Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a esclarecer o caso. Com o que depararam então os meus dois olhos e o par de ouvidos que me coube? Pois, de um lado, uma narrativa do ministro, que me pareceu coerente e é comprovada por quase uma vintena de testemunhas presenciais. Do outro, a voz do tal assessor, sempre a autovitimizar-se, dizendo o oposto, embora sem uma única prova do que diz ter acontecido.
Depois, durante as perguntas, vejo os deputados de direita elaborarem um arrazoado que tende a contrariar tudo o que diz Galamba, fazendo alusões retiradas de contexto e partindo sempre do pressuposto segundo o qual um ministro que oferece factos comprováveis está a mentir, enquanto um assessor que nada prova conta a verdade. Hoje, um jornal diário, fala mesmo das duas versões como rigorosamente equivalentes, num exercício que questiona os critérios essenciais de autenticidade. Trata-se, afinal, de mais um episódio da prática de condenação em praça pública, patrocinada pela comunicação social e não sujeita a provas, que está a crescer em diversos domínios e a tornar-se assustador.
O espetáculo irá continuar, muito naturalmente, pois o objetivo último daquela gente de modo algum é a obtenção da verdade. Como logo percebe qualquer pessoa avisada, é fazer cair o governo e dar lugar a novas eleições. Agora e sempre que se lhe afigurar a mera hipótese, ainda que remota, de regressar ao poder.
[originalmente no Facebook]