Quatro notas sobre as eleições em França

1. A melhor notícia da noite eleitoral de ontem foi, sem sombra de dúvida, a derrota da extrema-direita francesa, dada desde há meses, pela generalidade dos média e uma maioria de comentadores, como inevitável vencedora com uma maioria absoluta. A segunda melhor foi a clara vitória da recém-formada Nova Frente Popular, que ultrapassou todas as expectativas com um programa essencialmente reivindicativo, de resistência e de defesa de direitos, apoiada em boa medida num eleitorado urbano e jovem que se mobilizou. 

2. Já a terceira melhor notícia, que o não será para muitas pessoas, por cá também, foi estes resultados terem sido possíveis através de um «levantamento republicano» que levou a desistências mútuas entre candidatos da esquerda, do partido de Macron e dos republicanos, mostrando que é possível obter alguns consensos essenciais para resistir ao inimigo comum, adversário também do próprio regime democrático, de uma sociedade plural e da ideia de Europa, que é o extremismo de direita.

3. Todavia, o cenário que se vislumbra não vai ser fácil de gerir, do que foi primeiro e bem triste sinal o surgimento, 4 minutos após a divulgação das primeiras projeções, de J.-L. Mélanchon – sem obviamente ter falado com os parceiros da NFP, de cuja direção fora até afastado pela própria França Insubmissa, de modo a apresentar uma solução concertada – a exigir aos berros ser imediatamente nomeado primeiro-ministro. Sujeito, como será óbvio, a uma rápida derrota na própria Assembleia Nacional.

4. Na realidade, a nova Assembleia será uma manta de retalhos, com a possibilidade até de o partido de Le Pen ser aquele que isoladamente terá mais deputados, e com Macron pronto a manobrar em seu proveito. Além de nenhum partido ou coligação responsável poder esquecer-se de que, com uma dívida pública e um défice bem acima dos limites das regras europeias, nenhum futuro governo francês poderá deixar de ter o maior cuidado com as despesas do Estado. Com a extrema-direita sempre à espreita e sempre à espera para capitalizar os descontentamentos.

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