Não, em política os extremos não se equivalem

Integra a argumentação de pessoas pouco conhecedoras da história contemporânea, ou de setores moderados, em especial os mais conservadores, a noção de que os grupos e movimentos radicalizados, situem-se estes à esquerda ou à direita, se equivalem na rejeição da democracia e na defesa da força e do conflitos como instrumentos decisivos da vivência coletiva. Esta ideia tem provocado, em diferentes momentos e lugares, equívocos muito grandes a propósito da forma, apontada como «análoga», que esses setores, apesar de situados em campos diametralmente opostos, exibem dentro de sociedades plurais e democráticas onde procuram afirmar-se. Trata-se de um juízo errado e perigoso.

O que se designa extrema-direita, ou direita radical, detém desde a sua formação caraterísticas que são comuns às suas variantes. Originada na iniciativa dos setores que, na Assembleia Nacional Constituinte saída da Revolução Francesa de 1789, ainda que em minoria se mostraram mais irredutíveis na defesa do Antigo Regime e da monarquia, manteve, por mais de século e meio, um percurso no qual as estratégias do nacionalismo lhe foram dando um perfil cada vez mais agressivo. A par de uma recusa visceral dos princípios da igualdade, da liberdade, da fraternidade e da democracia, manteve-se sempre pautada por um patriotismo belicista associado a ideias e formas de poder que defendiam a incontestável supremacia de elites sociais ou de determinadas «raças». 

Na origem, a defesa da maldade humana como natural, proposta desde Maquiavel e Hobbes, requerendo sempre, para ser contida, uma ordem fundada na violência e na coação impostas por quem detinha o controlo da força. Após a Segunda Guerra Mundial, com a derrota do nazismo e dos fascismos, que haviam levado ao extremo essa orientação, a estas caraterísticas foram-se juntando outras, associadas, sobretudo na Europa, a problemas levantados perante uma diversidade, encarada como negativa, trazida pela imigração e pelo multiculturismo. O que faz hoje a extrema-direita é juntar a essa orientação inicial um discurso, de natureza populista, que parasita a democracia, instalando o medo em nome de uma «insegurança» associada à diferença, e crescendo com recurso aos meios de comunicação, em particular as redes sociais. 

Já a esquerda mais extrema, ou revolucionária, assenta, na sua enorme diversidade, em princípios de natureza totalmente diversa. Em oposição ao princípio da maldade congénita, Rousseau julgava a natureza humana basicamente bondosa, determinando uma tradição política na qual cidadania, educação e colaboração fomentavam o seu desenvolvimento. Nesta direção, a esquerda, toda ela, coloca a ênfase no contrário dos seus adversários políticos: na convicção de que a sociedade deve perseguir a via da solidariedade e da igualdade, vinculada a uma dimensão do humano traduzida num ideal otimista de felicidade, justiça e paz. É certo que alguns setores da muito ampla casa da esquerda acreditaram e acreditam que esse caminho passa, rumo ao derrube do capitalismo. por um poder centralizado e por formas de pensamento único – as cruéis experiências estalinista e maoista são os seus exemplos mais conhecidos –, mas essas foram perversões na forma, não ruturas com o modelo progressista original.

São, pois, lados diametralmente opostos das barricadas do combate político e social, não podendo comparar-se a tentativa de afirmar formas de supremacia e de desigualdade impostas pela força e pela «banalização do mal» – seguindo o conceito proposto por Hannah Arendt – com o esforço, tantas vezes associado à generosidade e até ao sacrifício pessoal de quem o faz, que, pela solidariedade e a emancipação, se desenvolve do lado oposto da barricada. O mito de Prometeu, o titã sublevado que Marx invocou para referir a quebra dos grilhões pelo oprimido, não pode equiparar-se ao de Sísifo, condenado à eterna escravidão pelo trabalho. De facto, em política os extremos não se equivalem.

Rui Bebiano

Fotografia: Markus Spiske / Splash
Publicado no Diário As Beiras de 30/11/2024
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