Após aquela fase da vida associada à adolescência e à juventude, em que, como quase todos nós, salvo os naturalmente fracos ou medrosos, produzi verdades e absolutos sobre certas pessoas e a propósito de determinadas ideias, rapidamente me habituei a aceitar e a conviver com a complexidade de todos e de tudo. Logo deixei de dividir o mundo entre bons e maus, entre o preto e o branco, e talvez por isso, tendo toda a vida sido politicamente de esquerda, cedo também passei a rejeitar formas de sectarismo e a generalizações que neste campo por vezes divide os vivos entre «os nossos» e «os outros». Uma escolha que tem até gerado incompreensões da parte de gente de quem me sinto politicamente próximo, mas a quem perturba toda a tendência para a relativização e a rejeição do dogma. Ainda que esta escolha jamais tenha, acredito, questionado a defesa das convicções mais fortes e profundas que fui construindo.
É precisamente a partir do reconhecimento dessa diversidade dinâmica que também rejeito a fixação de apreciações sobre alguém apenas fundadas em modelos que do seu comportamento conheci num dado momento do passado, tudo tentando fazer para incorporar elementos novos ou menos lineares que me foram chegando. Conheço quem, por esse motivo, porque de fulano ou de beltrana, deste princípio ou daquela doutrina, retém uma imagem parcial, apenas colhida no passado, recusando-se a questionar escolhas que esta foi tomando ou variantes que foram emergindo ao longo dos anos. Como consequência, daí que tanta gente, quando alguém que conhece desaparece, tenda a descrevê-la apenas a partir desse modelo inicial, quase sempre apresentado como perfeito e imutável. O mesmo fazendo quanto à fixidez das crenças. Todavia, não me parece que excluir de alguém ou de algo as dimensões de imperfeição seja boa coisa, pois são a complexidade e a contradição que nos tornam realmente humanos.