Escrevi este post há perto de um ano, quando Claude Lévi-Strauss fez os 100. Hoje que soube do seu desaparecimento, fui buscá-lo ao arquivo, limpei-o do pó e trouxe-o de novo para a parte mais visível do blogue.
Quero recordar os 100 anos que o antropólogo, professor e filósofo Claude Lévi-Strauss completa neste 28 de Novembro. Mas começo pelo fim: pelo esquecimento. Hoje, quando menciono numa aula de licenciatura o nome de Lévi-Strauss, para tornar mais clara a identificação preciso dizer que não me estou a referir àquele senhor de origem alemã que em 1853 fundou em São Francisco a primeira fábrica de blue jeans. E preciso começar por recomendar, para evitar grandes choques, a leitura mais facilmente sedutora desses apontamentos de trabalho de campo na terra amazónica, aparecidos em 1955 e por vezes apresentados como um mero exemplo de literatura de viagens, que são os Tristes Trópicos. Lévi-Strauss, como o estruturalismo, está fora de moda.
No entanto, quando reentrei na universidade logo após a revolução de Abril, a primeira obra cuja leitura me foi recomendada, e que tenho agora aqui mesmo à minha frente na edição velhinha da Presença, foi o Raça e História, um livro publicado pela primeira vez em 1952 que naqueles anos setenta sublinhei conscienciosamente. Retenho dele – numa altura em que volto a ouvir na televisão os apresentadores falarem de povos «mais» ou «menos» civilizados – fragmentos da sua reapreciação das culturas ditas «arcaicas» ou «primitivas». E sobretudo da sua crítica radical e refundadora do etnocentrismo: «Preso entre a dupla tentação de condenar experiências que o chocam afectivamente e de negar as diferenças que ele não compreende intelectualmente, o homem moderno entregou-se a toda a espécie de especulações filosóficas e sociológicas para estabelecer vãos compromissos entre estes pólos contraditórios, e para aperceber a diversidade das culturas procurando suprimir nesta o que ela contém, para ele, de escandaloso e de chocante.»
O ponto final na hipótese da existência de uma «mentalidade primitiva», posto definitivamente em causa, no ano de 1962, em O Pensamento Selvagem – numa defesa dos «saberes indígenas» que ainda hoje desagrada a muitos porque queima um certo sentido da história construído ao longo de séculos – já se encontra ali, seguindo um método de observação do social e uma filosofia para a vida que procuro praticar e que tento ainda partilhar com quem me vai ouvindo: «A tolerância não é uma posição contemplativa dispensando indulgências ao que foi e ao que é. É uma atitude dinâmica, que consiste em prever, em compreender e em promover o que quer ser. A diversidade das culturas humanas está atrás de nós, à nossa volta e à nossa frente. A única exigência que podemos fazer valer a seu respeito – exigência que cria para cada indivíduo valores correspondentes – é que ela se realize sob formas em que cada uma seja uma contribuição para a maior generosidade das outras.» Muito obrigado, Professor Claude.