O abuso do conceito de aventura afirma-se sobre os escombros de vidas passadas, de episódios contados em crónicas antigas, de cadernos de viagem com nódoas e páginas amachucadas, de romances feitos de movimento e distância. Perde a sua dimensão como acto ilícito, subversor do corrente, construído como viático de liberdade e risco, procura de um alhures inatingível do qual jamais se regressará a salvo. No último número, temático, a revista Déserts ensaia a história idílica e o presente encantador das caravanas concebidas para turistas. Procura mesmo perturbar a narrativa paradisíaca do oásis, enunciando o sabor benévolo de um percurso ao sol, sobre as dunas, providos os seus viandantes de roupa e sapatos confortáveis, tendas climatizadas, bebidas frescas, navegação GPS e guias-hospedeiros disfarçados de tuaregues. No caravanserai dos mortos legendários, T. E. Shaw, Lawrence da Arábia, sentir-se-á perdido na sombra de um outro mundo, de um outro tempo.