Não há país como o meu

Mercedes-Benz

Hoje não fui «para Tábua», mas parei à beira da estrada para almoçar num daqueles restaurantes onde é sempre possível encontrar um certo e determinado padrão de português: aquele para quem os prazeres da vida não mudaram muito desde os tempos do Doutor Oliveira do Vimieiro. O bacalhau com todos continua a ser o bacalhau com todos, a Água das Pedras a Água das Pedras, o Benfica o Benfica, e o leitão da Bairrada o leitão da Bairrada. Parei pois a pileca num daqueles comedouros nos quais, logo à entrada, percebemos não estar na Finlândia ou em Singapura: homens morenos, de bigode farto e fato domingueiro, em idade de pré-reforma, as esposas com aspecto de esposas a quem o caro-metade apresenta sempre como «a minha senhora» (para não a confundirem com «a outra»), nem um único jovem à vista e meia dúzia de crianças com ar de quem espera desesperadamente por crescer para se livrarem daquela chatice domingueira.

Claro que eu ia também à procura do meu pleonástico lacãozinho, mais a sua pele crocante, mas tive um mau pressentimento quando vi à entrada um grande pano anunciar o «Convívio de Natal dos Amigos dos Mercedes». E mal entrei no estacionamento reparei no contraste entre a minha viatura utilitária amolgada do lado direito e a enorme quantidade de automóveis orgulhosamente reluzentes – prateados, brancos, pretos, grenás – da mesma marca da qual a Janis Joplin pedia ao Senhor um só para si («Oh Lord, won’t you buy me a Mercedes Benz? / My friends all drive Porsches, I must make amends»). Mas sou um bocado distraído e não liguei. Lá dentro, contudo, percebi logo que a fauna era outra que não a costumeira: homens morenos, de bigode farto e fato domingueiro, em idade de pré-reforma, mas todos com os sapatos convenientemente limpos e reluzentes, as esposas com aspecto de esposas a quem o caro-metade apresenta sempre como «a minha senhora» (para não a confundirem com «a outra») ostentando vistosos colares de pérolas, nem um único jovem à vista e meia dúzia de crianças com ar de quem espera desesperadamente por crescer para se livrarem daquela chatice domingueira. O ruído era enorme, o cheiro a perfume era intenso, a única mesa livre ficava junto aos lavabos, e não tive outro remédio senão dar meia volta e partir à procura de outro poiso. Trauteando mentalmente: «Worked hard all my lifetime, no help from my friends, / So Lord, won’t you buy me a Mercedes Benz?». Não há nada como um domingo de chuva na estrada. E não há país como o meu.

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