Independentemente da cantiga de Paulo de Carvalho e das delicadas questões de género que a frase evoca, durante algum tempo achei mesmo que «natal é quando um homem quiser». Em criança porque todos os dias eram um dia bom para receber uma prenda e olhar o céu, fazendo muita força para que acontecesse qualquer coisa de extraordinário. Anos depois, decepcionado já por nada acontecer e cometa algum cruzar o firmamento a anunciar o nascimento de um bebé chorão, a frase serviu de álibi para cumprir rapidamente os deveres familiares e partir a passar a noite com gente que queria transformar a festa cristã numa big party da fraternidade universal, com os trabalhadores do mundo inteiro unidos em torno de um imenso peru.
A partir de dada altura a data transformou-se, porém, num fardo, num tempo de deveres, e, sobretudo, numa fase do ano, acompanhada de chocalhos e campainhas, na qual se tornou socialmente difícil, sob pena de ser notado como excêntrico, exibir no rosto um sinal de contrariedade. O Natal, agora maiúsculo, deveria ser tempo de alegria obrigatória, no qual todos deveríamos esquecer a luta entre as forças do bem e as forças do mal, e embarcar eufóricos, cantando um Jingle Bells em todas as línguas, no trenó do senhor das barbas.
Compreendi finalmente que o Natal é quando os outros querem que seja, e não quando cada um de nós o deseja. E foi então que me começaram a pesar os cartões institucionais, empresarias ou pessoais – hoje quase sempre mensagens de e-mail ou ésse-éme-ésses remetidos a um undisclosed recipient – desejando uma «Feliz Natividade», uma «Óptima consoada», um «Santo», «Próspero», «Bom Natal». Claro que comemoro a data, troco prendas, desejo aos outros (e espero para mim, e agradeço aos amigos que me recordam nesta altura) festas muito felizes. Mas não é por ser o 25 de Dezembro. É porque calha todos termos esta noite um pouco mais livre que as outras.