Quando vivemos sentimentos aparentemente incompreensíveis de atracção ou de rejeição em relação ao rosto de determinada pessoa, costumamos dizer que é «a química» a funcionar. Essa «química», ou lá o que seja essa coisa que chamamos de «química», actua em profundidade na nossa consciência, dando-nos instruções imperativas como «ama agora!» ou «odeia já!». Concentramo-nos então num rosto, num olhar, numa voz, por vezes associados a um odor, a um gesto ou a uma forma de andar, que nos perturbam ao ponto de não lhes ficarmos indiferentes. Mesmo quando a maioria dos outros não vê o que nós vemos e não acha nada daquilo que nós achamos.
Posso dizer que, desde que vi Jules et Jim, rejeitei o rosto provocador, e sobretudo o sorriso que me pareceu então demasiado largo e um pouco obsceno (comissuras dos lábios vincadas, dentes grandes e expostos), de Jeanne Moreau. E não foi por, na minha adolescência de pacato rapaz da província, ser um tanto impenetrável aquela história louca, contada por Truffaut, de um ménage à trois em início de século. Terá sido qualquer outra coisa, mais profunda. E tão profunda quanto impossível de descrever, provavelmente, sem uma aproximação a alguns dos meus fantasmas mais antigos. Talvez sejam eles também que possam explicar porque razão o actual rosto da Moreau, agora com quase oitenta anos, mais velho, mais pacificado embora não menos revolto, que entrevi ontem num documentário, me seja finalmente simpático. Ou então será dos ácidos e dos sais alterados dessa inexprimível «química».