«Acho a guerra detestável, mas ainda são mais detestáveis aqueles que a elogiam sem nela haverem participado», escreveu Romain Rolland em 1914. Só defende as virtudes da guerra sem hipocrisia quem não conhece os seus horrores. Quem a observa à distância, sem razões para sentir medo, como numa brincadeira com soldadinhos de chumbo. Pela televisão, pela Internet, num daqueles livros de História sem alma que excitam os militaristas ou num álbum de fotografias cuidadosamente editadas para poisar sobre a mesa do chá. E mesmo aí deparamos com uma escolha, ocultando-se invariavelmente aquilo que existe de mais sórdido sob o fogo do combate: os berros atrozes, as tripas espalhadas pelo chão, o tremor dos corpos sobreviventes, o cheiro horrível do ferro em brasa misturado com vísceras queimadas.
Existe depois a selecção do cenário. Susan Sontag lembrou, em Olhando o sofrimento dos outros, que «quanto mais remoto ou exótico for o local, mais provável será que nos seja dado ver imagens frontais de mortos ou agonizantes». Ainda há pouco tempo pudemos perceber como as piores imagens da guerra da ex-Jugoslávia somente em sessões fechadas ao público e à comunicação foram apresentadas no Tribunal Penal Internacional de Haia. O mesmo acontecera já em Nuremberga. Pode falar-se da guerra com entusiasmo no ambiente asséptico das instalações de um Alto-Comando ou confortavelmente protegido pelo distanciamento temporal dos factos mencionados. Ou então observando-a como cenário ou mesmo como parte da obra de arte («Ah, Deus, como é bela a guerra!», escrevia Apollinaire em 1918, o ano da sua morte). Mas jamais em directo, sob fogo cerrado, debaixo do efeito de sopro das explosões, escutando o fragor dos passos rápidos, em fuga.