Como adenda ao post Outubro (7), um fragmento de Anna Akhmatova, essa «mulherzinha fanática», «meia prostituta, meia freira», «representante típica de uma poesia vazia e desprovida de ideias, estranha ao nosso povo», de acordo com as palavras públicas de A. Jdanov. Akhmatova seria excluída da União dos Escritores e proibida de publicar durante décadas. Muitos poemas seus circularam, todavia, em versões samizdat.
Fiquei a saber como murcham os rostos
como das pálpebras o medo assoma,
como o sofrimento escreve nas faces
rijas páginas de escrita cuneiforme,
como se tornam súbito prateadas
as madeixas ruças, madeixas pretas,
murcha o sorriso nos lábios subjugados
e no risinho seco tremem medos.
E estou a rezar não só por mim, mas
por todas que estiveram ali comigo
no calor de Julho e no frio cruel
junto ao muro vermelho e cego.
(…)
Porque receio esquecer, na morte calma,
o ribombar dos carros negros, o estalido
da porta odiosa, e como uivava
uma velha, tal um animal ferido.
Que das pálpebras imóveis de bronze
corra, como lágrimas, derretida neve
e a pomba da prisão arrulhe ao longe
e naveguem lentas as naves pelo Neva.De Só o Sangue Cheira a Sangue (Assírio & Alvim)
Trad. de Nina Guerra e Filipe Guerra