Entre comunismo e nacionalismo

Pensar o comunismo

Adaptação do original publicado na revista LER de Fevereiro

Vencedor do Prémio de História Contemporânea Victor de Sá de 2008, eis um estudo, resultante da dissertação de doutoramento do autor, que propõe uma releitura crítica da história do PCP entre o Segundo Pós-Guerra e o 25 de Abril e lança ao mesmo tempo um olhar renovado sobre o trajecto da resistência política e cultural ao Estado Novo. A tese central de Comunismo e Nacionalismo em Portugal define a temática nacionalista como uma das preocupações políticas fulcrais da direcção do PCP a partir do final da Segunda Guerra Mundial, distribuindo-se pelas quatro partes da obra. As duas primeiras seguem mais de perto os documentos políticos partidários ou aqueles que com eles confluem, ocupando-se da construção do «comunismo nacionalista» na sua relação com o processo de reorganização dos comunistas portugueses encetado em 1941, e do discurso político do PCP na sua ligação à realidade do país e às grandes linhas teóricas sobre a «questão nacional» que resultaram da experiência histórica da União Soviética e do movimento comunista internacional. As outras duas partes, com um carácter mais abertamente prospectivo, acompanham os processos de nacionalização da cultura enunciados por diversos intelectuais comunistas ou simpatizantes, e discutem as experiências de nacionalização e de reescrita da história pátria tomadas em mãos por alguns deles. Nos últimos capítulos o autor aproxima-se, de uma forma particularmente estimulante, dos instrumentos de configuração do «ideal comunista» na sua ligação com a actividade militante internacionalista de muitos intelectuais.

O valor deste livro, escrito sempre de uma forma atractiva, marcada por uma grande frescura da linguagem deslocada do previsível jargão que tem sido o principal responsável pelo divórcio entre o leitor comum e a generalidade da produção historiográfica portuguesa, não pode deixar de estar vinculado a uma peculiaridade do seu autor. José Neves é um historiador ainda jovem, consagrado a uma investigação intensa já sem incorporar na experiência pessoal as marcas de muitas de algumas das duras polémicas que envolveram as gerações anteriores – as quais naturalmente conhece, mas sem com elas conservar um vínculo de dependência inevitável em quem as acompanhou mais de perto -, o que desde logo confere ao seu trabalho um benéfico distanciamento crítico. A metodologia adoptada, jogando constantemente e sem aviso prévio na abordagem sincrónica do movimento e na leitura diacrónica dos seus episódios, define também uma marca de originalidade, destacando o carácter frequentemente lento das mudanças operadas no domínio da convicção, mas também os instantes de viragem nos quais algo de novo e de dinâmico claramente emerge.

Olhando o trajecto histórico do qual se ocupa, o historiador reconhece principalmente os momentos e as vias de «fragilização do modo proletário», pontuado por preocupações de uma natureza vincadamente internacionalista, mas também o simultâneo «revigoramento de um modo nacional», associado uma estratégia nacionalista aplicada à actividade dos comunistas e à daqueles que com as suas causas e a sua percepção do mundo foram confluindo. É pena que o próprio PCP não se esteja a servir deste livro e do trabalho do seu autor – como o deveria fazer também em relação à biografia de Álvaro Cunhal escrita por José Pacheco Pereira, bem diversa tanto na metodologia adoptada quanto nos objectivos propostos neste livro de José Neves – para reflectir interna e externamente, isto é, ao nível da formação dos militantes e na exposição pública do seu trajecto histórico e das suas propostas menos imediatistas, sobre o seu próprio destino. Talvez um dia.

José Neves, Comunismo e Nacionalismo em Portugal. Política, Cultura e História no Século XX. Tinta da China, 504 págs.

    História.