Publicado originalmente na revista LER de Março
Celso Cruzeiro é reconhecido principalmente pela sua actividade como advogado e por ter sido um dos rostos principais da «crise estudantil» coimbrã de 1969. Conhece-se-lhe o activismo constante em alguns dos combates da esquerda geralmente não-alinhada, bem como o interesse por uma leitura interpretativa dos episódios de militância pelos quais passou, mas era-lhe até agora ignorado o gosto persistente e actualizado por uma reflexão teórica aprofundada sobre as circunstâncias, as coisas e as causas da esquerda. Este A Nova Esquerda retoma no título a designação utilizada para definir politicamente alguns dos movimentos radicais das décadas de 1960-1970, mas nem por isso se ocupa em excesso com uma busca retrospectiva das referências que naquele tempo moldaram o percurso do autor. Ao invés, a actualização das leituras e dos debates aos quais este se reporta conferem ao livro uma dimensão exemplar, rara entre nós, de adequação do reconhecimento da mudança do mundo ao pulsar mais contemporâneo do pensamento crítico e da intervenção política.
Esta é, no entanto, uma daquelas obras das quais é habitual dizer-se que valem pelo todo. Não é possível lê-la de forma fragmentada, pois resultaria quase indecifrável um discurso erudito que não se compraz com sublinhados ocasionais. Trata-se de facto de um texto denso, consistente, resultante de um trabalho aturado de cerca de treze anos, através do qual Celso Cruzeiro conduz o leitor por quatro inquietações com correspondência noutros tantos capítulos. A primeira delas diz respeito à busca de um sentido, no domínio da epistemologia das ciências e da reflexão filosófica, para um mundo que hoje, mais que nunca, se revela instável e desconforme os grandes sistemas explicativos da modernidade colapsados a partir do segundo pós-guerra. A segunda ensaia um trabalho de compreensão da realidade actual do capitalismo, da renovação das suas vias e métodos, das consequências da ordem injusta que materializa para a vida das pessoas comuns. A terceira inquietação prende-se com a busca de indícios que permitam entrever a construção de uma teoria revolucionária capaz de fazer frente às novas realidades, à desesperança e às carências impostas pelo actual processo de mudança histórica. E, por fim, o quarto problema conduz o autor ao vasculhar das consequências mais nefastas da presente ordem económica mundial e do aparecimento de algumas das vozes e das tendências capazes de lhe fazerem frente no terreno.
Quando, a dado momento, recorre à voz do economista e filósofo neoliberal Friedrich von Hayek onde este declara não existir actualmente «critério algum através do qual nós possamos descobrir o que é socialmente injusto», Cruzeiro aponta justamente para o inverso: para a necessidade de perceber as causas da injustiça de modo a que se torne possível combatê-la e aniquilá-la. Uma obra marcada, por isso, mais pela esperança que pelo desencanto.
Celso Cruzeiro (2008). A Nova Esquerda. Raízes teóricas e horizonte político. Porto: Campo das Letras – Âncora Editora. 250 págs.