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Cartola «coimbrinha»

A cartola foi um chapéu masculino de aba estreita e copa alta, usado durante décadas, na segunda metade do século XIX e inícios do seguinte, como um sinal de estatuto social e económico. Porém, cedo começou também a ser bastante caricaturada, seja pela propaganda anticapitalista, que nela via um símbolo da opressão, quer pelas formas de sátira social, que a chamavam de «chaminé» e nela viam, crescentemente, um sinal de estúpida sobranceria e uma marca de desigualdade tantas vezes de todo inadequada ao figurão, ou à figurinha, que a utilizava no parecer.

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    Direito à diferença e dever de partilha

    Tomo como princípio jamais comentar de forma pública declarações desta ou daquela personagem sem primeiramente as escutar/ler e as situar em contexto. Livro-me assim de cair em apriorismos, determinados pela simpatia ou pela desconfiança, e sobretudo de ser injusto, contribuindo ao mesmo tempo para a vaga, hoje crescente e avassaladora, de desinformação. Vem isto a propósito das declarações de Pedro Nuno Santos ao semanário Expresso, logo usadas, inclusivamente por militantes socialistas, para o acusar de «cedências ao Chega» na questão da imigração. Lido agora, finalmente, aquilo que o secretário-geral do PS disse, no meio de muitas outras coisas, nada tenho a questionar neste particular. Afirmar «Quem procura Portugal para viver e trabalhar tem de perceber que há uma partilha de um modo de vida, uma cultura que deve ser respeitada», no contexto, não exclui o respeito pela diversidade, apenas colocando esse respeito de ambos os lados do binómio no qual ela se põe. Só não vê isto quem por cegueira não quer, quem fala sem saber de quê ou quem considera que a diferença é um valor «em si», respeitável mesmo que contraria direitos básicos que são necessariamente partilha de todos.

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      A nova oligarquia e o imperativo de lhe resistir 

      A propósito da tomada de posse de Donald Trump, escreveu a jornalista Teresa de Sousa a dado passo: «O mais significativo foi, sem dúvida, a presença em lugar de destaque dos três homens mais ricos do mundo, que são também os donos de gigantes tecnológicas – Egon Musk, Mark Zuckerberg e Jeff Bezos. A nova “oligarquia tecnológica” de que falava Joe Biden no seu discurso de despedida. Também é justo lembrar que representam empresas extraordinariamente inovadoras que, por alguma razão, nasceram todas nos Estados Unidos. Na Europa os mais ricos ainda estão na anterior revolução tecnológica, dos automóveis ou dos aviões.» Uma aproximação, inevitavelmente simplificada, a uma nova dimensão da realidade mundial com a qual temos de conviver.

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        Não, não é «tudo igual»

        Bastou um dia de presidência Trump para começarem a ser revolvidos na América, de alto a baixo, os fundamentos do Estado de direito e das relações com o resto do mundo. Não é preciso mostrar aqui o rol das medidas, chegando uma consulta aos títulos sonantes dos jornais. Uma situação calamitosa que, ao mesmo tempo e infelizmente, desmascara quem, associado a uma franja estreita e bem identificada do nosso sistema político, dita «progressista», considera que por ali «é tudo igual», tudo fazendo para não distinguir as duas Américas, e os dois mundos, que estão abertamente em confronto. Mais, considera até, na sua cegueira sectária, que a atual situação «engana menos». Visível em certos blogues e em algumas páginas de redes sociais, é gente que dificilmente se encontra em condições de integrar a imprescindível frente mundial anti-Trump e anti-Musk, ou, na sua interpretação arcaica e rígida da história e do mundo atual, o decide fazer sem aliados fortes e do lado errado. Amarrados a uma verdade revelada ou à sua caricatura, não aprendem e não querem aprender.

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          O mal é o mal

          Conto-me entre os muitos que, reconhecendo a solução pacífica dos dois Estados independentes e democráticos como a única justa e com a possibilidade de, a longo prazo, se tornar duradoura, solucionando o interminável e sangrento conflito israelo-palestiniano. Por isso mesmo, sou totalmente contrários à iniciativa no terreno dos violentos setores extremistas, sejam estes a extrema-direita ortodoxa de Israel, associada a Netanyahu e agora, previsivelmente, com um ainda maior respaldo da administração Trump, ou o Hamas palestiniano, apoiado pelo Irão e pelo Hezbollah. Pelo mesmo motivo, também não considero aceitável a existência de um mal menor, tomando os extremistas de ambos os lados como igualmente insensíveis ao sofrimento de ambos os povos, seja o outro ou mesmo o seu.

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            Sobre a complexidade de tudo e de todos

            Após aquela fase da vida associada à adolescência e à juventude, em que, como quase todos nós, salvo os naturalmente fracos ou medrosos, produzi verdades e absolutos sobre certas pessoas e a propósito de determinadas ideias, rapidamente me habituei a aceitar e a conviver com a complexidade de todos e de tudo. Logo deixei de dividir o mundo entre bons e maus, entre o preto e o branco, e talvez por isso, tendo toda a vida sido politicamente de esquerda, cedo também passei a rejeitar formas de sectarismo e a generalizações que neste campo por vezes divide os vivos entre «os nossos» e «os outros». Uma escolha que tem até gerado incompreensões da parte de gente de quem me sinto politicamente próximo, mas a quem perturba toda a tendência para a relativização e a rejeição do dogma. Ainda que esta escolha jamais tenha, acredito, questionado a defesa das convicções mais fortes e profundas que fui construindo.

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              Apontamentos, Etc., Olhares, Opinião

              Maldição e necessidade de opinar de forma pública

              Este artigo contém uma vertente autobiográfica. Tem como tema a experiência da crónica como género literário, com o qual, na páginas deste jornal e em outros espaços públicos, regularmente evoco determinados temas ou discuto problemas da atualidade. Como forma necessariamente abreviada e efémera de comunicação, a crónica é geralmente uma narração curta, com um objetivo pré-determinado da parte de quem a escreve, ligando-se sempre à realidade do quotidiano e apresentando uma visão tão informada quanto pessoal e subjetiva dos assuntos que aborda. Atravessou séculos como simples relato de acontecimentos dispostos em ordem cronológica, mas no século XIX, com o progresso das ideias democráticas e a expansão da imprensa, evoluiu no registo, que passou do meramente descritivo e informativo para o opinativo e crítico, entre nós já usado n’As Farpas de Eça e de Ramalho.

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                A mais bela idade e a lição de Nizan

                Em murais do Facebook, como lugares onde tantas vezes se exprimem de uma forma bastante livre, e muitas vezes sincera, gostos próprios, sentimentos pessoais ou notas de teor autobiográfico, encontro muitas referências ao caráter «maravilhoso» e único da época que correspondeu essencialmente aos anos de juventude de quem o exprime. Na boca destas pessoas, consoante a idade, os anos cinquenta foram fantásticos, os sessenta incríveis, os setenta formidáveis, os oitenta espetaculares, os noventa soberbos, mas cada um deles «único». A mim, que passei por eles todos e de todos retenho memórias boas, outras más e quase todas razoavelmente complexas, não vejo nada de tão absoluto, parecendo-me esse limitado foco bastante redutor e tantas vezes falso.

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                  Apontamentos, Devaneios, Memória, Olhares

                  O «espírito do tempo» e a utopia contra o pessimismo

                  Na passagem de cada ano para o seguinte tornou-se um hábito realizar balanços do que finda e anunciar planos, desejos ou previsões para o que vai começar. Neles se misturam dados objetivos, impressões ou simples anseios, sejam estes coletivos ou mais pessoais, em registos que se distinguem consoante quem os enuncia e partilha, conforme a sociedade onde vive, ou, de uma forma decisiva, de acordo com o «espírito do tempo» em que os formula. Sirvo-me aqui dessa expressão, surgida com Herder e os românticos alemães, e particularmente pensada e divulgada por Hegel na Fenomenologia do Espírito, de 1807, usada para identificar e dar consistência ao clima político, sociológico e cultural que, em escala ampla e dinâmica, domina e determina uma dada época. 

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                    Femme Fatale

                    Há sensivelmente 17 anos, escrevi neste blogue um post que, lido hoje, de algum modo denuncia não apenas a transformação da minha leitura sobre o tema que aborda, mas também uma forma de pensar a masculinidade que vivi, como milhões de outros homens, num contexto cultural geracional que, podendo hoje ser reescrito, deve ser compreendido e não liminarmente criminalizado, como por aí está a suceder.

                    Eis o parágrafo:

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                      Apontamentos, Artes, Etc., Olhares

                      O papel das claques no futebol e na política

                      Nas últimas décadas, as claques de futebol, originalmente concebidas como grupos organizados de apoiantes que iam aos jogos do seu clube favorito apenas para o apoiarem, para conviverem e para se divertirem, transformaram-se em fatores de preocupação e de sobressalto público. As ligadas às agremiações mais populares e antigas são geralmente as mais perigosas, pois não só são maiores como incorporam modos de cultura tribal, associados a práticas, símbolos e padrões de discurso que lhes são próprios, agora claramente pautados pela violência. Legalizadas ou não, nelas se afirmam cada vez mais, a par daquela dimensão lúdica e festiva, formas de coação sobre outros, além de processos orgânicos que têm transformado algumas, ou pelo menos os seus setores «ultras», em instrumentos do crime organizado.

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                        Olhares sobre a Síria

                        Existem muitas dúvidas sobre o que acontecerá de seguida na Síria, com o país ainda a permanecer a manta de retalhos que já era sob Al-Assad. Não é difícil prever uma situação caótica, como a que ocorreu no Iraque e na Líbia. E pouco se espera de alguns setores até agora rebeldes. Para já, todavia, compreende-se o júbilo dos refugiados sírios no exílio, forçados a fugir, aos milhões, pelas forças governamentais ajudadas pela Rússia e pelo Irão. E só pode ser positiva a libertação das dezenas de milhares de presos políticos, saídos das prisões mais inumanas que é possível conhecer. Não reconhecer isto, como já pode ler-se por aí, em especial nas redes sociais, não diz grande coisa de quem o faz. Sobre aquilo que virá, veremos na altura própria.

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                          Os cem anos de Mário Soares e a social-democracia

                          Completam-se neste sábado, dia 7 de dezembro, cem anos sobre o nascimento de Mário Soares. Enquanto homem estruturalmente de esquerda, politicamente democrata e defensor constante do ideal de socialismo desde adolescente, e também na condição de pessoa com memória, sempre mantive, antes e depois do 25 de Abril, uma apreciação complexa e contraditória, embora atenta, daquele que foi uma das figuras-chave – a par de Afonso Costa, Salazar e Cunhal – para a compreensão do século XX português. Aliás, Soares foi também, e isto é um elogio, uma personalidade complexa e contraditória, dotada simultaneamente de pragmatismo, ousadia, inteligência e, sem dúvida, um amor enorme à democracia, mesmo quando num ou noutro momento agiu de uma forma autoritária. Era também homem com enorme bonomia e um grande sentido de humor, o que hoje tanta falta faz à generalidade dos nossos políticos. Discordei dele muitas vezes, mas jamais depreciando as suas escolhas e a sua personalidade. Tenho, por isso, noção da falta que nos faz.

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                            A sua escolha

                            Ao longo dos anos fui conhecendo direta ou indiretamente, e fui também acompanhando na sua atividade, muitas pessoas que dispunham daquilo a que já alguém chamou «um bom capital de prestígio e de poder». Muitas, colocadas em lugares de decisão a diferentes níveis, desfrutavam deles exibindo tiques de autoritarismo e arrogância, desinteressando-se por quem não lhes servisse para subir a sua colina e depois para manter-se lá no topo. E ali se foram conservando até que o tempo – o grande escultor do qual nos falou Marguerite Yourcenar no romance – fez o seu incessante trabalho, levando-as a entrar numa etapa da vida em que, num repente, perderam seguidores e bajuladores, supostos amigos até ali sempre de sorriso pronto, palmada nas costas e vénia à medida. Vejo-as hoje, tristonhas e curvadas, já sem préstimo para quem delas se servia, passarem na rua sozinhas, sem voz e sem séquito, à procura de quem lhes possa ainda estender a mão ou fazer um aceno de reconhecimento. Não teria de ser assim, mas foi a sua escolha.

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                              1º de Dezembro: a «revolução» que o não foi

                              Durante o Estado Novo, associado ao esforço nacionalista de aproveitamento da História pátria – neste caso, vincando um forte sentimento anticastelhano identitário que ainda vai moldando algumas mentes -, a data do 1º de Dezembro era lembrada pelas autoridades e no sistema educativo como uma «Revolução». Na realidade, tratou-se de um golpe de Estado palaciano, associado a um combate dinástico e depois a uma bem dura e custosa guerra que durou quase três décadas, prolongando-se entre 1640 e 1668. No pós-25 de Abril, durante algum tempo a extrema-direita a que tínhamos direito ainda a celebrava o 1ª de Dezembro como data sua, sendo notados, embora apenas como curiosidade, os desfiles Avenida da Liberdade abaixo organizados pela antiga jornalista Vera Lagoa. A extrema-direita de hoje, que fala em nome da História sem a conhecer, ainda evoca a data como sua. Alguns monárquicos, lembram-se com ela que ainda existem. E o cidadão comum apenas sabe que é feriado, este ano, para azar do descanso, tendo calhado a um domingo.

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                                Não, em política os extremos não se equivalem

                                Integra a argumentação de pessoas pouco conhecedoras da história contemporânea, ou de setores moderados, em especial os mais conservadores, a noção de que os grupos e movimentos radicalizados, situem-se estes à esquerda ou à direita, se equivalem na rejeição da democracia e na defesa da força e do conflitos como instrumentos decisivos da vivência coletiva. Esta ideia tem provocado, em diferentes momentos e lugares, equívocos muito grandes a propósito da forma, apontada como «análoga», que esses setores, apesar de situados em campos diametralmente opostos, exibem dentro de sociedades plurais e democráticas onde procuram afirmar-se. Trata-se de um juízo errado e perigoso.

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                                  O beabá do 25 de novembro e a direita

                                  O aproveitamento simbólico, pela direita e pela extrema-direita, do 25 de novembro de 1975, a data que de alguma forma fechou a fase mais dinâmica do processo revolucionário de 1974-75, só pode ser suscitado pela ignorância da história, por puro oportunismo, ou, mais provavelmente, por ambas as coisas. Por ignorância porque nem sabem, ou nem querem saber, que os vencedores dos acontecimentos que tiveram lugar nessa data foram, do ponto de vista político, os setores moderados do MFA e o Partido Socialista. Por oportunismo porque tudo lhes serve para, no seu cinquentenário, minimizarem o significado e o impacto dos 25 de Abril, que na verdade desvalorizam, quando não odeiam visceralmente e desde há muito. Vão, desta forma, celebrar, como data sua, um acontecimento para o qual não meteram prego nem estopa. Dele se aproveitando agora, após cinquenta anos a ganharem coragem para o fazer.

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                                    Sectarismo, fanatismo e combate cultural

                                    O tema desta crónica ganha relevância nos tempos que correm, quando os dois grandes campos do combate político global dos últimos dois séculos, o da democracia e o do autoritarismo, se defrontam como não se via desde o final da Segunda Guerra Mundial. Como formas próprios de relacionamento de cada indivíduo com os seus semelhantes, o sectarismo e o fanatismo expandem-se como flagelos que cruzam a história e, no mundo atual, tendem a toldar a lucidez e a reforçar os projetos que sustentam ou preparam tiranias. Para serem contrariados, importa observar como funcionam, mas também de que modo se instalam no nosso dia a dia e no universo do combate político. 

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