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Escrever ou falar sem temer, como um dever

Mesmo fora do campo de trevas, hoje maioritário à escala planetária, das ditaduras ou das «democracias musculadas», vivemos tempos difíceis para a liberdade de opinião. Não se trata de um problema novo, pois ela sempre incomodou aqueles que procuram impor aos demais as suas razões e a sua vontade, mas hoje tem novos contornos. O que nesta altura distingue as atuais das situações do passado de assalto à liberdade é esta ser frequentes vezes atacada ou diminuída por quem tem o dever de a utilizar e de a defender. É o que acontece com muitas das pessoas a quem as redes sociais conferiram uma voz que até há poucos anos jamais sonharam deter, utilizando esta possibilidade, não para divulgar informação fidedigna, além de opiniões sinceras e justificadas, assumindo a diversidade e aceitando o contraditório, mas para disseminar a mentira, a ignorância e o ódio.

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    Atualidade, Democracia, Direitos Humanos, Opinião

    O meu 11 de março: uma memória

    11 de março de 1975, data sobre a qual se completam hoje 48 anos, corresponde, como sabe quem na época já tinha razoável tempo de vida ou quem estudou alguma coisa sobre a a nossa história recente, ao dia no qual, iniciada e gorada a tentativa de golpe de Estado de direita que tinha António de Spínola como «cabeça de cartaz», a revolução portuguesa se radicalizou. Superando anteriores hesitações, passou-se então à ocupação de muitas empresas e propriedades rurais, bem como a um processo acelerado de nacionalizações, incluindo a da banca. Dando-se também início a uma fase da revolução na qual o socialismo foi definido como meta por quase todos os partidos democráticos. Ao ponto de a nova Constituição a ter integrado logo no artigo 2º.

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      Apontamentos, Democracia, História, Memória

      O fenómeno woke e as caricaturas

      A última coluna de opinião de António Guerreiro é sobre o fenómeno woke. Como sei que muitas pessoas cultas e informadas não sabem do que se trata – nem toda a gente pode estar permanentemente atenta à infinita e cada vez mais rápida renovação dos léxicos – faço copy-paste do primeiro parágrafo do artigo da versão portuguesa da Wikipédia, inevitavelmente sintético e limitado

      «Woke, como um termo político de origem afro-americana, refere-se a uma perceção e a uma consciência das questões relativas à justiça social e racial. O termo deriva da expressão do inglês vernáculo afro-americano “stay woke” (em português: continua acordado ou desperto), cujo aspeto gramatical se refere a uma consciência contínua dessas questões. No final da década de 2010, woke foi adotado como uma gíria mais genérica, amplamente associada a políticas identitárias, causas socialmente liberais, feminismo, ativismo LGBT e questões culturais (…). O seu uso generalizado desde 2014 é resultado do movimento Black Lives Matter.»

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        Apontamentos, Democracia, Olhares

        Dar ou não a cara na rede

        Como faz a generalidade das pessoas que têm muitos e constantes contactos fora do seu círculo próximo de vida e de trabalho, recorro inúmeras vezes aos motores de pesquisa ou às redes sociais para conhecer melhor quem me está a contactar ou quem pretendo contactar por isto ou para aquilo. Por vezes para ver por onde anda quem um dia conheci e gostaria de rever. É essencial ler a sua pegada: saber minimamente o que faz ou fez, conhecer-lhe um pouco o rosto, ter um mínimo de referências que nos permita identificar com razoável dose de segurança com quem queremos falar ou quem a dado momento nos procura.

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          Apontamentos, Democracia, Etc., Olhares

          Da aventura de ler ao desvario de rever

          Quando comecei a decifrar as letras tornei-me logo um leitor voraz. Por isso a minha perspetiva do mundo confunde-se com a imaginação, a dúvida, a experiência e os saberes proporcionados pela leitura intensa e quotidiana. Sem ela, jamais teria conhecido tantos lugares distantes, nunca teria voado sobre falésias e despenhadeiros, navegado até outras épocas e planetas, conversado com personagens de romance ou medido a extensão do real e do irreal. Também pouco ou nada saberia da história do mundo e do seu legado, de outras línguas, de filosofias que libertam, do imperativo das utopias e da infinita diversidade do humano nas escolhas e na subjetividade. Habitaria apenas realidades expectáveis, servo de destinos que não entenderia e jamais poderia contrariar.

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            A morte exagerada do PCP

            Escuto Ana Sá Lopes, analista com a qual na maioria das vezes concordo, afirmar num podcast que «num prazo de 20 anos poderemos assistir à extinção do PCP». É claro que duas décadas são muito tempo, e hoje tudo muda a mil à hora; todavia, sem ter qualquer simpatia por um dos últimos partidos comunistas europeus ortodoxos que ainda mantém algum peso social, tendo aqui a recorrer à ultracitada frase de Mark Twain sobre o exagero que tinham sido as notícias sobre a sua própria morte. A matriz, autoritária em política externa e conservadora nos costumes, que domina o partido, tenderá com toda a certeza – e sem estar aqui a fazer adivinhação – a ver-se transformada. Não de dentro para fora, pois boa parte dos seus mais rígidos militantes são precisamente muitos dos mais novos, mas antes de fora para dentro, em função da mudança social e, como dizia Cunhal, «da vida».

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              Apontamentos, Democracia, Direitos Humanos, Opinião

              Waters na sua franja

              O músico Roger Waters, um dos fundadores dos antigos Pink Floyd, é claramente uma pessoa com uma orientação política incomum no seu meio. Está no seu pleno direito, e algumas das posições que toma até poderão ser em parte justas. Mas duas delas são obviamente erradas e nocivas, embora ambas coincidentes com as que defende como suas aquela franja, autoproclamada «de esquerda», para a qual tudo o que se oponha aos EUA é por uma boa causa e merece defesa, seja quem for que o faça e a forma como o faz.

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                «A luta» não é sempre justa

                Ao contrário do que ocorre sob as ditaduras, quando todos os meios para combater a tirania e a repressão são perfeitamente legítimos, em democracia o objetivo da luta social, em especial a de rua, não é derrubar o regime, mas sim defender medidas justas, procurar alargar e melhorar os direitos, e aperfeiçoar a própria gestão da vida coletiva. Por este motivo é muito importante distinguir quem sai da sua concha pessoal para combater coletivamente por causas e interesses legítimos, protestando e reivindicando, se necessário com força e veemência, de quem tem como objetivo da luta de rua enfraquecer um governo democrático, fazê-lo cair e trocá-lo por outro, a seu contento. De preferência, um que faça tábua rasa daquilo que foi maioritariamente decidido em eleições livres. Não existe comparação ou conciliação possível entre as duas escolhas.
                [originalmente no Facebook]

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                  Um ano de sofrimento, hipocrisia e esperança

                  Completa-se hoje um ano sobre o início da guerra na Ucrânia, determinada pela súbita invasão russa imposta pela política imperial e belicista de Vladimir Putin. Um ano que, na altura, apressados analistas, alguns deles oficiais generais, anunciavam ir durar «no máximo, uma semana». Um tempo determinado em primeiro lugar pela sistemática e brutal destruição de boa parte do país invadido, pelo imenso sofrimento do seu povo, pela devastação de vidas e de esperanças, e por um número, ainda indeterminado, mas na escala dos largos milhares, de mortos, entre civis e militares. Contando-se também entre estes muitos cidadãos russos, alguns deles mercenários e ex-presos de delito comum incorporados com a promessa de um perdão, embora a maioria sejam recrutas e reservistas incorporados à força, às dezenas de milhar, pelo regime de Moscovo.

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                    Fazer os outros de parvos

                    Parte dos partidos e organizações que integram o nosso espectro político, de um extremo ao outro, manifesta muitas vezes uma importuna tendência para afirmar pontos de vista que tendem – perdoe-se a crueza – a fazer os outros de parvos. A prática ocorre mais em algumas forças que em outras, e por certo não em todas, mas é muito negativa para a democracia, sobretudo quando vem de correntes que se bateram e batem pela justiça e pela igualdade. Consiste em afirmar ideias que qualquer ser pensante, informado e honesto consigo mesmo sabe que não são verdadeiras, mas esses setores insistem em proclamar ‘urbi et orbi’ como indiscutíveis verdades.

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                      Paz não pode ser injustiça

                      Trazer a paz diariamente na boca, tomando-a como um valor absoluto, mas sem distinguir a que se conquista e funda na justiça, na equidade e na democracia, daquela outra que se baseia na opressão, no direito do mais forte e na tirania, é, ao mesmo tempo, prova de hipocrisia, cegueira e cobardia. A paz é um valor essencial da dignidade humana, sem dúvida, e deveria corresponder à ordem natural do mundo, mas não pode ser alcançada e mantida à custa da indiferença e da injustiça.
                      [originalmente no Facebook]

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                        Para além e para aquém de Kiev

                        Ao longo de vários séculos a população da Europa viveu atormentada por uma sombra ameaçadora que os historiadores designaram «o medo do turco». Isto é, o constante receio subjetivo de uma conquista otomana que virasse o seu mundo ao contrário. Ao mesmo tempo, setores da elite cultural ocidental foram alimentando uma dimensão de fascínio por esse universo, instalado a oriente, que a maioria desconhecia tanto quanto temia. Num e noutro dos casos, o sentimento dominante era o de grande estranheza perante hábitos, crenças, valores e formas de organização política e social substancialmente diversos daqueles que, apesar da pluralidade de regimes e sociedades, eram basicamente compartilhados pela generalidade dos europeus.

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                          O espírito gregário e a pobreza da opinião

                          Uma das boas vantagens que tem trazido a massificação da Internet e das redes sociais traduz-se na forma muito fácil e rápida como estes dois fenómenos contemporâneos tornaram possível que praticamente qualquer pessoa seja capaz de disseminar informação pertinente e de partilhar a sua própria reflexão crítica. Com múltiplos e complexos problemas à mistura, e com muitos erros e desvios também, alguns deles gravíssimos, sem dúvida alguma, mas não são eles que estão em causa neste apontamento. Aquilo que aqui se pretende sublinhar é que essas capacidades positivas são em boa parte contrariadas pelo facto de um grande número de homens e de mulheres, tendo capacidade reflexiva e conhecimento para poder exprimir opinião de uma forma sustentada e crítica, ser incapaz de dialogar com ideias e problemas que transcendam aqueles de momento invocados, no domínio do imediato, no interior do seu próprio universo político.

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                            Contextualizar contextualizar

                            Uma das maiores dificuldades que ocorre de forma muito habitual nas abordagens da história e da memória – obrigando a uma permanente vigilância da parte de quem a escreve ou a transmite -, e que perpassa em todos os processos que envolvem a comunicação pública do passado, é a disseminação do anacronismo e, pior que este, da tendência para ignorar os contextos. Olhar escolhas e momentos do passado, seja o pessoal ou o coletivo, no lugar onde hoje vivemos ou a milhares de quilómetros dele, no território das ideias ou no dos costumes e decisões, pelos olhos e valores da cultura agora dominante e da diferente sensibilidade que hoje detemos.

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                              As circunstâncias dos abusadores

                              Dois apontamentos mais sobre a revelação, agora em Portugal, de um número bastante elevado – ainda assim, sem dúvida, muito inferior aos dos casos não testemunhados ou que foram e são recorrentemente silenciados, que jamais verão a luz do dia – de vítimas de abusos sexuais praticados nas últimas sete décadas com a completa impunidade da generalidade dos seus perpetradores e da instituição eclesiástica que os enquadrou e lhes conferiu o poder para poderem abusar. Uma instituição, forçada pelo ar do tempo e pelo próprio papa a enfrentar o tema, e que agora vem lamentar o ocorrido sem todavia abordar com clareza formas de punir os criminosos ainda vivos e de compensar minimamente as suas inúmeras vítimas. Não serão, por certo, apenas desculpas e piedosas orações a resolver o seu terrível lastro.

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                                A Igreja católica portuguesa e as vítimas de abuso

                                O número de abusos de natureza sexual praticados sobre menores ao longo dos últimos 72 anos, revelado hoje por uma comissão independente ligada à Igreja católica portuguesa, aponta para 4.815 vítimas, sobretudo rapazes, mas também bastantes raparigas, sem qualquer estimativa complementar. Fundam-se em 512 corajosos testemunhos e talvez não seja possível ir muito mais longe, pois inúmeros outros jamais serão ouvidos, sejam os de pessoas para sempre desaparecidas ou os de quem prefere não tocar mais em assunto que a penaliza. Durante a conferência de imprensa em que os resultados foram divulgados, estes casos foram considerados «residuais».

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                                  Calamidade e hipocrisia

                                  O número de vítimas mortais do terrível sismo que afetou o sul da Turquia e o norte da Síria vai já, neste momento, em mais de 5.200 pessoas, estimando-se que possa ultrapassar os 20 milhares. O volume de feridos e desalojados será colossal, numa paisagem de devastação, horror e sofrimento que chega em imagens brutais ao conforto das casas de quem, neste lado do mundo, se sente seguro e protegido. No caso da Síria, com a agravante de se tratar de uma área em larga medida controlada pelas forças que combatem Hassad e eram já um constante alvo dos ataques militares de Damasco.

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                                    Não é possível ignorar – então quem for professor deverá obrigatoriamente conhecer para não ser tomado por lorpa – o «bot de conversação» ChatGPT (https://openai.com/blog/chatgpt/), aberto ao público em 30 de novembro de 2022. Existente em diversas línguas – português do Brasil também, embora em inglês seja mais completo – ele interage com perguntas e problemas colocados por qualquer pessoa, mesmo quando o que se pergunta tenha uma dimensão complexa e/ou abstrata, produzindo automaticamente textos sem erros, essencialmente bem escritos, coerentes, e por vezes até interessantes. Tudo feito por uma máquina. Isto permite, por exemplo, que agora qualquer aluno de 7 na escala de 20, durante um teste facilmente obtenha um 15. É algo assustador, sem dúvida, mas a solução não poderá ser proibir, pois a inteligência artificial, para além de ser uma criação humana, pode sem dúvida ser uma ajuda. Aliás, isto funciona também como um desafio, pois requer novas forma de interagir e também de validar e de avaliar o conhecimento. E este lado é absolutamente fascinante.

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                                      Apontamentos, Cibercultura, Olhares