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Bater na avó

Ser membro de um partido político não é, só um idiota o pode confundir, propriamente como ser sócio de um clube de futebol. Para além do pagamento das quotas e da necessidade de agitar a bandeira de vez em quando, a pertença a um partido digno do nome implica um conjunto de partilhas e de solidariedades que tornam a pessoa parte de um coletivo solidário, cuja vida está muito para além de noventa minutos de cada vez e é uma componente essencial da democracia. Sem este grau de adesão, não faz sentido integrar um partido e, tendo dado esse passo, delegar necessariamente, por vontade própria, uma parte da autonomia individual.

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    Nojo

    Sei de há muito, da história – tenho várias prateleiras da biblioteca preenchidas com livros que cruzam esse terrível género – e também da vida, que infelizmente existe um fascismo «de esquerda». Tristemente representado por aqueles que, em nome de grandes ideais formalmente igualitários, vividos sempre na fé e como abstrações, desqualificam o humano e não se importam de impor o sofrimento e a dor a quem se atravessar no caminho da «verdade» em que militam. Desde logo infligidos aos que se desviem uma vírgula da sua tão passageira quanto segura certeza, ou que consideram demasiado sentimentais por rejeitarem o determinismo histórico e que pessoas vivas sejam transformadas em peões ou estatísticas.

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      «Em tempo de guerra todo o buraco é trincheira». 

      Como sabe quem a viveu ou tem algum conhecimento da história, ou pelo menos vê filmes e séries, a guerra aberta impõe situações de exceção que em tempo de paz seriam intoleráveis. É sempre uma suspensão da normalidade, quando a linha entre a vida e a morte estreita ao máximo e não deixa grande lugar para posições de desinteresse ou contemporização. Como afirma um antigo provérbio, «em tempo de guerra todo o buraco é trincheira».

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        Pacifismo seletivo, capitulação e colaboracionismo

        Diante de todas as guerras, começando pelas travadas em larga escala sobre as quais circula um volume esmagador de informação e propaganda, importa falar de paz e trabalhar para que esta tenha lugar. Aliás, o objetivo da guerra é sempre a conquista de uma ordem fundada na paz, se bem que seja indispensável distinguir as travadas pela justiça ou contra a opressão, das outras, a maioria, onde a própria «pacificação» impõe uma ordem injusta e dolorosa, ainda que produzida com menor dose de ruído. Fala-se nestes casos de uma «paz podre», fundada na violência e na lei do mais forte. 

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          Imigrantes e refugiados

          Em menos de quatro semanas o número de imigrantes ucranianos/as em Portugal passou de cerca de 27.000 para mais de 45.000, continuando a crescer devido à chegada de refugiados da guerra de invasão do seu país perpetrada pela Rússia. Tornaram-se assim a segunda comunidade estrangeira mais numerosa, a seguir à de brasileiros, bastante maior, e superando a de ingleses e de cabo-verdianos. São pessoas vulneráveis e em larga medida qualificadas, preenchendo ao mesmo tempo um imperativo de solidariedade e um enriquecimento da nossa sociedade, onde em muitas áreas de atividade, devido ao crescimento demográfico negativo, existe já um défice de pessoas. É claro que isto não acontece sem se notar a animosidade do costume, para já apenas murmurada, mas que irá tornar-se audível. A da extrema-direita, para quem a palavra «refugiado» significa inimigo, e a dos setores para os quais existem sempre refugiados prioritários e estes não serão de origem europeia. Com motivações diferentes, ou mesmo opostas, ambos os extremos coincidem no grau de desumanidade. [Atualizado em 23/3/2022]

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            Refugiados e humanitarismo conceptual

            A perder de vez a dose de paciência que ainda me restava com aquela espécie de gente que, de tanto amor conceptual por uma humanidade distante, não perde a oportunidade para apoiada em explicações ou em fantasias fabricadas à medida, mostrar menosprezo pelo sofrimento mais próximo. Aquele manifestado na primeira pessoa e gravado no corpo, por gente de carne e osso que nos surge ao virar da esquina ou à distância de apenas umas horas de viagem. 

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              Ter olhos e não querer ver

              Como aconteceu num ou noutro momento mais intensamente crítico da história da humanidade que me tem cabido presenciar e partilhar ao longo da vida – tomando posições e fazendo escolhas difíceis, que me consiga lembrar, pelo menos desde que tenho a chave de casa -, também esta guerra, agora travada no coração da Europa e a uma escala global, tem servido para aferir da fibra moral e da coragem, ou da ausência de princípios e da subtil cobardia, de quem nela assume escolhas ou, ao invés, tudo faz para evitar fazê-lo. Alinhando então na escolha mais fácil, que é a da sua manada, ou então empurrando a realidade com a barriga.

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                Lavar as mãos como Pilatos

                Desde o início do terrível conflito determinado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, a posição do PCP tem sido coerente com aquela que tem mantido noutras ocasiões igualmente dramáticas e de idêntico sentido. Pela maior proximidade temporal e pelo idêntico e brutal estilo de intervenção, relembro o que aconteceu na Síria, onde, usando como desculpa a presença no terreno do Daesh, ali de facto minoritário, apoiou a intervenção russa de suporte bélico ao ditador Assad, sobre a qual chegou a organizar sessões «de esclarecimento» pelo país, que levou à total destruição de cidades inteiras – Alepo, a maior do país, foi arrasada –, à morte de centenas de milhares de pessoas e à fuga e exílio de milhões.

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                  O povo ucraniano entre a estatística e a tragédia

                  A frase «a morte de uma pessoa é uma tragédia, a de milhões, uma estatística» tem sido identificada como da autoria de Estaline. Não existe prova documental de ter sido de facto este quem a pronunciou ou escreveu: poderá tê-lo sido ou não, seja nessa exata forma ou de um modo aproximado. Em todo o caso, a possibilidade dessa autoria e a contínua associação da expressão ao seu nome são profundamente coerentes com o comportamento violento e implacável que praticamente toda a historiografia hoje reconhece como próprio da personalidade do ditador georgiano e compatível com as escolhas políticas que tomou enquanto supremo dirigente máximo da antiga União Soviética. Está também em absoluta consonância com a aterradora pegada, setenta anos após a sua morte ainda não varrida, por ele deixada nos territórios que governou e no mundo em geral, onde conta ainda com admiradores. 

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                    Ver os mapas com os dois olhos

                    Anda a circular por aí, em particular nas redes sociais, um par de mapas onde se mostra o crescimento da presença da NATO na Europa ao longo das últimas décadas. Por eles se pode constatar o óbvio: já apenas a Rússia, a Bielorrússia e a Ucrânia – esta em tentiva de fuga a essa ligação – escapam, no espaço do continente, à pertença ou, pelo menos, à influência do tratado militar. O objetivo de quem divulga esses mapas é mostrar como a NATO está a cercar a Rússia e, por isso, como a reação do governo de Putin é no mínimo compreensível.

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                      A dificuldade da confluência

                      Em vários locais do país, como noutros lugares da Europa e do mundo, realizaram-se ontem manifestações de protesto contra a brutal invasão da Ucrânia imposta pelo tirano e oligarca Vladimir Putin. Como acontece nos momentos mais críticos da vida social, e assim deve ser, essas manifestações foram amplamente unitárias, reunindo, na convocatória, um amplo leque de partidos e movimentos políticos, e depois, na rua, um grande número de homens e mulheres seus apoiantes ou, na larga maioria dos casos, sem partido. Em Coimbra participaram Bloco de Esquerda, CDS, Cidadãos por Coimbra, Iniciativa Liberal, Nós Cidadãos, PAN, PPM, Partido Socialista, Partido Social Democrata, RIR, Somos Coimbra e Volt Portugal. Só não estiveram Livre (acredito que por falta de contacto, pois este partido participou em Lisboa e no Porto), Chega (que não foi convidado por não ser defensor da democracia) e Partido Comunista Português (que a par do chamado Partido Ecologista Os Verdes tem «compreendido» e justificado a invasão).

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                        A verdade é como o azeite

                        A invasão da Ucrânia tem deixado claro que entre nós apenas o PCP e um grupo de pessoas que influencia não rejeitam declaradamente a decisão de Putin. Todavia, quem paute a realidade pelo que se pode ver nas redes sociais fica com uma perspetiva diferente. A este propósito, vale a pena lembrar que durante décadas, em espacial a partir do final da Segunda Guerra Mundial, os partidos comunistas que atuavam dentro das democracias representativas detiveram uma influência sempre bastante superior ao seu real peso eleitoral. Depois do 25 de Abril, em Portugal essa situação também se verificou, em particular depois de 1991, quando o PCP desceu abaixo dos dois dígitos. E mesmo hoje, quando já apenas representa 5% do eleitorado, a sua voz continua a ter um eco muito superior ao peso político e social efetivo. O que se repete na atual situação. 

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                          O atrevimento da «opinião» infundada

                          Ao contrário do que por vezes oiço, não considero que para falar de forma pública sobre qualquer assunto seja necessário que quem o faz seja um especialista no tema. Se assim fosse, não existiria opinião pública, ou então as conversas cingir-se-iam a obscuros conciliábulos de peritos. Passei grande parte da vida num meio profissional onde é habitual não tomar posição sobre questões críticas porque, como diz quem se escusa a formular opinião não-consensual ou a definir uma escolha difícil, elas não são «da sua especialidade». Todavia, quando emitimos opiniões perante os outros, e em particular quando o fazemos para uma audiência – as redes sociais vulgarizaram este processo, e isto não é necessariamente um mal – temos o dever de nos informar sobre o tema abordado, evitando assim dizer disparates logo na primeira frase. E não precisamos de pesquisas aturadas: a Internet fornece informação essencial sobre tudo e o trabalho de cada um consiste em procurá-la e em lê-la com atenção e de forma crítica.

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                            O passado vivido e aquele que é contado

                            Ocupado, enquanto historiador, com um tempo próximo do que tenho de vida – dos anos cinquenta ao presente – deparo habitualmente com sinais de um conflito. Os historiadores sabem que não existe descrição fechada ou interpretação unívoca do passado, pois circunstâncias, subjetividades e meios determinam olhares inevitavelmente divergentes; mas sabem também que os factos do passado não podem ser apagados ou modificados. Não pode, por exemplo, afirmar-se que John Kennedy continua vivo, ou dizer-se que o Holocausto é uma fantasia criada por judeus, ou considerar-se que o genocídio arménio nunca aconteceu, quando existem provas de que assim não é. Todavia, existe quem não hesite em inventar ou em falsificar o passado, sobretudo aquele mais próximo, e por este motivo mais perturbante, para que ele possa corresponder às suas expectativas e interesses.

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                              Um pouco de racionalidade, outro tanto de história

                              1. Como qualquer pessoa razoavelmente atenta e avisada previa com bastante segurança, a guerra, sob a forma de invasão, prevista por uas quantas almas para começar esta semana entre a Rússia e a Ucrânia, de facto não teve lugar. E, mesmo considerando, para quem tenha fé, que o futuro só a Deus pertence, muito dificilmente ocorrerá nos tempos mais próximos. Tratou-se de um jogo de pressões e chantagens que, obviamente continuará, na qual cada uma das partes procura assegurar posições num processo de equilíbrio instável. Pelo menos enquanto prosseguirem as disputas territoriais e os conflitos de influência entre Moscovo e Washington, com a União Europeia de permeio. Misturar o desejo de alimentar o sensacionalismo com o visionamento dos filmes de ação não é grande munição para produzir análises criteriosas de política internacional.

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                                Impressiona a forma como tão grande número de pessoas – nas redes sociais, onde tantas vezes se comenta de forma bastante light, ou com base na simples intuição e no «ouvir dizer», mas também, e aqui menos compreensivelmente, nos jornais e na televisão – dá a invasão da Ucrânia pela Rússia, e o avanço desta até Kiev, como dados praticamente adquiridos. Fala-se da paz e da guerra, para mais aqui mesmo ao lado, com uma ligeireza, uma falta de sentido estratégico e um desconhecimento da realidade no terreno e da história da região, verdadeiramente chocantes.

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                                  Os amigos de Putin

                                  O dramático conflito que tem vindo a opor a Rússia e a Ucrânia, e que nas últimas semanas tem sido ampliado a uma escala que tem feito com que possam escutar-se bem os tambores da guerra, está, por cá, a ser objeto de escolhas bastante eloquentes por parte do PCP e de uns quantos cidadãos opinantes que este partido de algum modo influencia ou que com ele coincidem. A opção aqui é bastante clara e inequívoca: para eles, a Rússia agressora representa de facto o Bem, enquanto a Ucrânia agredida é uma clara expressão do Mal. Esta escolha deriva de pressupostos expressos e de outros que, não sendo pronunciados, são perceptíveis por quem não esteja totalmente distraído. 

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