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Uma situação editorial incompreensível

Sou dos que se formaram e viveram grande parte da vida na cultura do livro e do papel, sabendo, todavia, que já se torna difícil, quando não impossível, acompanhar o mundo de hoje de uma forma próxima e atualizada se nos cingirmos a ela. Como sei que para a larga maioria das pessoas mais jovens, sobretudo no mundo industrializado, em boa parte ela já foi totalmente substituída. Porém, apesar de ter vindo nos últimos anos a doar boa parte da minha biblioteca física, ainda tenho perto de 12 mil volumes, sendo, ao mesmo tempo, leitor diário de ebooks e textos em pdf.

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    Atualidade, Cibercultura, Leituras, Olhares, Opinião

    Palestina, Israel e a necessária moderação

    Sobre os terríveis acontecimentos e o cenário de guerra e destruição agora ampliados em Gaza e Israel, cito dois historiadores progressistas israelitas que se lhes acabam de referir. Enquanto para Alon Pauker, «os extremistas, tanto em Israel como em Gaza, alimentam-se uns dos outros e não se preocupam com as vidas das pessoas», para Eli Barnavi «o ataque do Hamas resulta da combinação entre uma organização fanática islamita e a política idiota de Israel.». Estamos, obviamente, perante pessoas moderadas, de uma espécie, se não em vias de extinção, pelo menos com grandes dificuldades de afirmação em Israel. O mesmo acontece, aliás, do lado árabe, onde as palavras sensatas de quem apela à solução política e partilhada do conflito como a única que pode evitar a continuação da opressão e do sofrimento do povo palestiniano são igualmente raras e carecem de grande coragem por parte de quem as profere, considerando a força e os métodos da intolerância, do islamismo radical e do jihadismo.

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      Análises & «Análises»

      Análise, lembra o Priberam, é «um exame minucioso de uma coisa em cada uma das suas partes», podendo ainda incluir «a separação dos princípios componentes de um corpo ou de uma substância» e corresponder a «um exame que se faz de uma produção intelectual». Toda a vida, em que, a par do trabalho mais metódico ligado à atividade profissional, escrevi pequenos textos de circunstância que apenas exprimiam uma leitura simples ou uma opinião – comecei a escrever em jornais em 1970 precisamente com uma pequena rubrica de notas pessoais de um parágrafo chamada «Conta-Gotas» – fui-os vendo rotulados de «análises».

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        Ativismo, sectarismo e compromisso

        Todos os dias presente nos noticiários – mais recentemente a propósito dos combates pelo clima ou de vertentes da luta feminista – o ativismo é uma prática positiva e crucial da cidadania. No sentido filosófico, o termo aplica-se a uma doutrina ou argumentação que privilegia a transformação da realidade em detrimento de uma abordagem que seja sobretudo especulativa. Já no plano mais objetivamente político, usa-se como sinónimo de protesto continuado ou de militância dedicada em prol de causas ou de combates de interesse e impacto públicos. Por vezes em condições de ultrapassar ou de complementar a mais formal e programática atividade partidária. 

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          Parasitas da democracia

          Quando se faz análise política num espetro largo, ainda que esta se apoie em dados objetivos é sempre possível conviver com uma margem de erro. Sabe-se que todo o humano é complexo, e que no meio dos sinais e das regras que criamos ou encontramos, podemos deparar com a exceção. Além disso, tudo o que neste âmbito se comenta, ainda que fundamentado, é sempre uma aproximação. Por isso, traçar um esboço da psicossociologia da nossa extrema-direita e da repercussão que tem na vida coletiva que nos cabe, jamais significará traçar-lhe um retrato definitivo, pois este está em permanente construção. Todavia, não andará longe da abordagem aqui proposta. 

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            O tudólogo como inimigo público

            O corretor ortográfico do programa onde escrevo ainda identifica a palavra «tudólogo» como erro, mas o dicionário Priberam define-a já como aplicável a quem «comenta ou dá opiniões sobre qualquer assunto como se fosse um perito ou especialista de cada um desses assuntos». O termo é hoje usado para identificar negativamente quem tem voz pública nas televisões, jornais ou redes sociais, falando sobre qualquer tema, seja este a política nacional ou a internacional, a situação económica, a obra de um escritor, um acontecimento histórico ou a crise climática, como se sobre todos os assuntos fosse especialista. Incorrendo inevitavelmente em constantes vacuidades e equívocos.

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              O beijo como agressão e um combate necessário

              Num dos mais perfeitos filmes de François Truffaut, Baisers Volés (Beijos Roubados), de 1968, estreado entre nós três ou quatro anos depois, Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud), o protagonista, vive obcecado com a sua incapacidade para perceber se aquilo que sente por Christine (Claude Jade) é amor ou apenas desejo. Muitas das pessoas que na época viram o filme andaram semanas a debater apaixonadamente a compatibilidade parcial ou a incompatibilidade total entre estes dois conceitos. O papel figurado do beijo – o título saiu de um verso da canção «Que reste-t-il de nos amours», de Charles Trenet – é ali fundamental, dado este deter uma qualidade quando é clandestino. de certa forma «roubado», e outra quando é público e consentido. 

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                «Barbie» em 2023

                O «Síndrome da Barbie» traduz o desejo de ter uma aparência física e um estilo de vida idêntico ao da boneca, lançada em 1959 pela Mattel. Ao longo de sucessivas gerações, tem sido associado a raparigas pré-adolescentes de origem caucasiana, embora possa ser aplicável a diferentes faixas etárias, géneros ou etnias. A síndrome é vista como uma forma de distúrbio dismórfico corporal e tem imposto determinados modos de parecer, estando associada a graves distúrbios alimentares ou a experiências de elaborada cirurgia estética. Juntamente com o seu «par» Ken, tem vindo também, ao longo de décadas, a servir para tornar hegemónica em muitas crianças uma noção de feminilidade ou de masculinidade profundamente formal, estática e contrária aos avanços no campo da igualdade de género e da diversidade no domínio da sexualidade.

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                  JMJ: crítica e discriminação

                  Uma boa parte da opinião pública portuguesa, seja aquela que tem voz na imprensa e televisão ou a que se exprime principalmente através das redes sociais, tem vindo a fazer críticas à forma como se organizou e está a funcionar a Jornada Mundial da Juventude de 2023. Boa parte delas prende-se com o despesismo excessivo e absurdo, parcialmente levado a cabo com recurso ao erário público de um Estado que se autodefine como laico. Outra parte liga-se ao modo como o evento está a perturbar a vida corrente de uma boa parte de cidadãos que com ele rigorosamente nada têm a ver. Outra ainda, esta de uma natureza mais objetiva, respeita ao empenho da Igreja católica portuguesa no evento por comparação com a sua simultânea recusa em tomar posição sobre graves e provados comportamentos que têm sido imputados a muitos dos seus membros e colaboradores.

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                    Contradições e incoerência

                    As opções políticas, se feitas de uma forma honesta e de acordo com escolhas que, não podendo ser iAs escolhas políticas, se feitas de uma forma honesta e de acordo com escolhas que, não podendo ser imutáveis, devem necessariamente ser coerentes, não podem passar por tomar uma posição se o alvo tem um rosto, e outra, inteiramente oposta, se a sua cara é diferente. Não pode, por exemplo, defender-se a democracia em Portugal, no Brasil ou na Ucrânia, e, ao mesmo tempo, aceitar-se a autocracia na Rússia ou a ditadura na China e em Cuba. Como não pode, em processos de justiça seletiva, denunciar-se em alguns casos a guerra, o genocídio, a prisão e a tortura, omitindo-as em outras situações. Como não pode também julgar-se uma determinada reflexão pública – no campo do ensaio ou da crónica política, por exemplo – em função apenas do seu autor: boa, justa e para divulgar se vier de uma figura grada para determinado quadrante político, mas péssima e de rebater ou silenciar se vier de alguém de quem não se gosta, às vezes até por motivos pessoais. Isto para não falar, na linha da crónica de José Pacheco Pereira saída no Público deste sábado, de quem se diz defensor da nossa Constituição saída de Abril, mas ao mesmo tempo fecha os olhos, apenas porque pontualmente lhe convém, às intromissões do Presidente da República em matérias que não são da sua competência constitucional. Ainda que sobre alguns dos temas possa ter razão na parte ou no todo.

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                      Formatados (à volta da JMJ2023)

                      Esta manhã cruzei-me com milhares de jovens de passagem para a Jornada Mundial da Juventude, organizada em Lisboa, com trajetos regionais, pela Igreja católica. Nada contra a sua forma de manifestar fé ou de se divertirem e conviverem, embora julgue inaceitáveis os gastos com uma exibição de luxo e de suposta grandeza por parte da organização do evento, o que não é culpa deles.

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                        Eleições em Espanha: quatro sinais positivos

                        Os resultados das eleições legislativas em Espanha abriram uma crise política sem uma solução para já à vista. Todavia, por certo que ela surgirá, seja sob a forma de uma grande coligação de partidos orientados basicamente à esquerda – com concessões a algumas pretensões autonomistas -, ou então apontando, o que seria basicamente negativo por introduzir um inevitável extremar de posições, para novas eleições. Seja como for, dos seus resultados, em boa parte inesperados, saíram diversos sinais essencialmente positivos. Para já, anoto quatro.

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                          «Antigamente é que era bom»

                          Todos conhecemos a frase-feita que proclama «antigamente é que era bom». Todavia, o conhecimento histórico mostra que o princípio subjacente ao seu repetido uso e ao erro de perspetiva que impõe – perspetivando um passado considerado melhor que o presente – é tão antigo quanto a existência humana. Sabe-se que as grandes caçadas representadas nas pinturas rupestres correspondiam a uma idealização da abundância colocada num passado ao qual se desejaria regressar. A idealização do tempo cíclico, que antes da vitória da ideia de progresso acompanhou a maior parte do trajeto das sociedades humanas, reflete essa perspetiva, sempre ligada a um desejo de regresso ao que se cria outrora magnífico.

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                            Vento que sopra de Espanha

                            Uma vez mais, as eleições no país que nos coube na sorte da história e da geografia ter aqui mesmo ao lado parecem pouco ter a ver connosco. A atenção da comunicação social portuguesa é reduzida, e a ocorrência do tema na opinião pública – se procurarmos ver, por exemplo, a sua presença nas redes sociais ou em debates na televisão e na rádio – é residual. E, no entanto, algo teríamos a ganhar se usássemos alguma da sua experiência como possível exemplo, ou como ponto de partida para olhar num plano comparativo a nossa própria vida comum. Assim aconteceria se, por exemplo, tivéssemos reparado no comportamento dos partidos que participaram na noite de ontem, quarta-feira, no último debate entre os principais candidatos a primeiro-ministro organizado pela RTVE.

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                              Eu e Milan Kundera

                              Como meio mundo na época em que se tornou fenómeno de moda em círculos com hábitos de leitura e mesmo entre quem dele não leu uma linha, comprei logo que saiu a tradução portuguesa de A Insustentável Leveza do Ser A data que tem a edição é 1985, tendo o original saído dois anos antes em Paris. Depois li O Livro do Riso e do Esquecimento e, andando para trás na data de escrita, fui ainda à procura de A Brincadeira. Mais tarde tentei atirar-me ao Imortalidade, mas não cheguei sequer a meio, creio que por possuir um enredo, digamos assim, menos vivencial.

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                                Etc.

                                O desastre estratégico de Putin

                                Quem observar a realidade mundial pós-invasão putiniana da Ucrânia perceberá que os objetivos do seu mentor – reduzir a área de influência dos EUA e assegurar a continuidade de uma estratégia de expansão e domínio não menos imperialista – perceberá que eles se traduziram num rotundo falhanço. Não só a Europa, apesar das suas diferenças, se aproximou mais política e militarmente, como a NATO viu reforçados o seu poder e a sua retórica de legitimidade.

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                                  O tema deste artigo foi-me sugerido pela leitura de uma entrevista feita ao autor colombiano Héctor Faciolince, saída no diário Público, onde este relata a sua terrível experiência quando há alguns dias um míssil russo caiu na pizzaria em Kramatorsk, no Leste da Ucrânia, onde se encontrava. A explosão provocou 13 mortos, entre eles a escritora ucraniana Victoria Amelina, com quem estava a almoçar: «de repente estávamos no inferno», relata, ainda perturbado e a recuperar dos ferimentos. Lembra, aliás, que o ataque não foi um «dano colateral» da guerra, mas uma escolha deliberada e cirúrgica, associada ao facto do Ria Lounge ser «o restaurante onde todos os correspondentes de guerra na Ucrânia vão quando estão na cidade».

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                                    Sobre a utilidade das vanguardas

                                    Vivemos cercados por uma forma conformista de encarar o presente. Segundo ela, as sociedades que não se autodestroem apenas podem ser geridas pelos valores e limites impostos pelo neoliberalismo, apresentado como o mais perfeito e o último dos sistemas que atravessaram a história. Para este, como afirmava Margareth Tatcher e continuam a repetir os defensores do desmantelamento do Estado social, «não há alternativa». Esquece-se a ideia de progresso proposta pelos filósofos iluministas, que orientou os grandes ideais de transformação depois seguidos por mais de duzentos anos. Ao mesmo tempo, fixa-se o futuro num horizonte expectável, de cor cinza, como se a vida das sociedades fosse agora uma eterna repetição, abandonando-se a perspetiva linear do trajeto histórico, potencialmente moderna e libertadora, e retomando-se à tirania da noção circular do tempo, perante a qual nada de substancialmente novo há a esperar. 

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