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Judt 2012

Tony Judt

Lançado a 2 de Fevereiro o novo (e, este sim, provavelmente derradeiro) livro de Tony Judt. Em Thinking the Twentieth Century encontramo-lo à conversa com outro historiador, Timothy Snyder, sobre judeus e judaísmo, sionismo, marxismo, Londres, Paris, intelectuais, a Europa do Leste, a América, o destino da social-democracia e, naturalmente, o peso incontornável da História.

Pode seguir aqui a rápida recensão do Guardian, que começa assim:

«In this marvellous book, two explorers set out on a journey from which only one of them will return. Their unknown land is that often fearsome continent we call the 20th century. Their route is through their own minds and memories. Both travellers are professional historians still tormented by their own unanswered questions. They needed to talk to one another, and the time was short.»

Para quem tenha pressa ou prefira o formato, já está disponível na Amazon a versão para Kindle.

    Apontamentos, Novidades

    Papéis Roubados #13

    STOP Capital

    Grandeza de Marx – por uma política do impossível, de Sousa Dias (n.1956), lançado no início de Novembro pela Assírio & Alvim, é um excelente ensaio sobre a crise, o descrédito, a possibilidade e a necessidade da ideia comunista e do retorno a um Marx fora dos altares e longe dos pedestais nos quais desgraçadamente o equilibraram. Voltarei adiante a este livro, mas aqui ficam já dois fragmentos para despertar, espero, o apetite de quem se esforce por não navegar às cegas no lado esquerdo desta floresta do real que nos cabe atravessar.

    Porquê escrever afinal sobre Marx, porquê permanecer marxista, quando o marxismo, ensombrado por conotações históricas monstruosas, crepusculizou como filosofia e como ideologia? Porquê insistir na grandeza e, mais ainda, na actualidade de Marx? […] Marx não criou o comunismo, que o antecedeu de séculos, mas foi quem fez essa Ideia descer do céu das utopias à vida histórica dos homens e transformar-se no grande projecto revolucionário do mundo moderno, mostrando que o capitalismo tinha trazido consigo as condições materiais (económicas e sociais) para essa transformação. (mais…)

      Atualidade, Recortes

      Um tema difícil

      O tema é difícil. Principalmente para quem integrou e conserva nas suas quimeras úteis o ideal de uma pedagogia que capaz de privilegiar tanto o conhecimento das coisas e das ideias quanto a formação da capacidade crítica de pessoas livres. Um tema doloroso para quem jamais deixou de simpatizar com as propostas antiautoritárias de Paulo Freire e dos seus bons cúmplices. Como Agostinho da Silva, para quem «nada pode ser ensinado por imposição» e um professor «não é um capataz mas um auxiliar e um guia, cuja função é sugerir e não impor.» Difícil ainda para as convicções de quem pensa que a este princípio não pode ligar-se o seu inverso, que é o da subordinação do professor a lógicas que transtornaram os papéis de quem tem a missão de ensinar e de quem precisa aprender, convertendo a escola num local de conflito dentro do qual, demasiadas vezes, se gasta mais tempo a mediá-lo do que a fazer aquilo que realmente importa.

      É este, no entanto, o cenário sobre o qual se têm desenvolvido os dolorosos problemas «de disciplina» que afetam muitas escolas secundárias e que – aspeto ainda algo encoberto – chegaram já às universidades. Na verdade, e por isso usei as aspas ao falar de disciplina, trata-se sobretudo de problemas de ausência de autoridade. Não no sentido da imposição violenta da vontade de alguém, ou de um regime educativo tirânico, mas da defesa das condições de trabalho de quem, professores e alunos, vive em comum para ensinar e para aprender. Por isso não posso se não discordar da posição dos que defendem serem os dispositivos legais que podem reforçar a autoridade do professor «uma resposta ilusória», como acaba de declarar uma deputada do Bloco, ou que esta se obtém basicamente «por reconhecimento social», como sugeriu um deputado do PCP. É que foi justamente esta posição, dominante durante décadas, que desarmou os professores e os transformou em alvos fáceis, retirando-lhes instrumentos necessários para poderem exercer de forma digna, livre e democrática a sua missão. O tema deveria, por isso, ter um peso importante na agenda dos partidos da esquerda e dos sindicatos do setor. E não ficar nas mãos da direita.

        Atualidade, Ensino, Olhares, Opinião

        Uma Idade Média sem Disney

        © Kegriz

        Atribui-se a Petrarca a expressão «Idade das Trevas» aplicada aos séculos que imediatamente o precederam. Ter-se-á iniciado dessa forma uma observação negativa do mundo medieval que nem o romantismo conseguiu atenuar de forma significativa. Os medievalistas abominam naturalmente este qualificativo, tomando-o como marca de ignorância em relação ao período histórico da sua predileção e que tão bem conhecem. A obra coletiva Idade Média, organizada por Umberto Eco e distribuída por quatro grossos volumes dos quais o primeiro foi recentemente editado pela Bertrand, representa um poderoso antídoto para combater essa intoxicação que afeta o conhecimento e a representação de parte importante do nosso passado comum. Nessa direção, Eco sublinha a efetiva multiplicidade daquele período, o brilhantismo de muitas das suas conquistas, a dimensão celebratória da vida que também integrou, o modo como afinal não ignorou a cultura clássica e a ciência da Antiguidade, como foi também sensível às trocas entre povos e civilizações, como não foi apenas a época negra da ortodoxia e da morte triunfantes. Embora, como se sabe e esta obra não nega, tivesse sido tudo isso também. É nesta direção, aliás, que contrariando o imposto por determinadas formas de alimento do nosso imaginário partilhado, nela se insiste em sublinhar que a Idade Média não foi «uma época de castelos torreados como os da Disneylândia».

        Umberto Eco (organização), Idade Média. I – Bárbaros, Cristãos e Muçulmanos. Trad. de Bonifácio Alves. Bertrand Editora. 786 págs.

          História

          Duarte Belo / Páginas Tantas

          Esta segunda-feira, dia 6 de fevereiro, pelas 18H30, decorre a segunda sessão do programa Páginas Tantas, organizado em Coimbra pelo TAGV – Teatro Académico de Gil Vicente e pelo Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra. Nele se irá falando de livros e de literatura, das artes e dos artistas, e de outras coisas úteis. Em cada sessão estará presente um/a convidado/a que irá conversar com o público sobre o seu trabalho. Desta vez será Duarte Belo (Lisboa, 1968), autor de extensa e importante obra na fotografia portuguesa contemporânea. Esta centra-se principalmente no levantamento fotográfico da paisagem e das formas de ocupação do território, sendo de destacar as obras Portugal — O Sabor da Terra (1997) e Portugal Património (2007-2008). Este trabalho deu origem a um arquivo fotográfico pessoal de mais de novecentas mil fotografias.A partir do dia 6 o TAGV terá em exposição trabalhos do autor. Mais informações no blogue do programa.

            Fotografia, Novidades, Olhares

            Wislawa Szymborska

            Wislawa Szymborska

            Hoje cedo, de manhãzinha, morreu Wislawa Szymborska (1923-2012). Na sua casa de Cracóvia, tranquila, enquanto dormia, se querem saber. Mas isso agora já pouco importa.

            Herdamos a esperança –
            o dom de esquecer.
            E tu verás como damos
            à luz no meio de ruínas.
            (de «Uma expedição não realizada aos Himalaias»)

              Olhares, Poesia

              Nós, os outros

              «Je pourrais être votre grand-mère», «Eu poderia ser a vossa avó», é o título de uma curta-metragem de Joël Catherin – nesta fotografia com Ioana Geonea, imigrante romena em Paris ali no seu próprio papel – sobre o universo humano dos sem-abrigo. Um filme arrebatador, que tem ganho diversos prémios, sobre a capacidade que temos para ignorar os outros e, de repente, de nos surpreendermos com a sua existência e a sua proximidade connosco. O cartaz rabiscado da fotografia insinua – «toi» convertido em «toit», «ti» em «teto» – o primeiro verso de um conhecido poema de Louis Aragon publicado em Le romain inachevé e que um certo dia Jean Ferrat interpretou.

              O filme completo pode ser visto no no. 2 de Rue89 avec les doigts, uma aplicação gratuita para iPad.

                Apontamentos, Democracia, Olhares

                Uma Europa pisada e exangue

                Bloodlands, Terra Sangrenta na tradução portuguesa, inscreve-se numa região delimitada da Europa Oriental na qual se fixou, desde os finais do século XVIII até à Segunda Guerra Mundial, com proibição de habitar noutras paragens, um conjunto importante de comunidades judaicas, até aí errantes, com as quais só uma pequena parte da primitiva população se fundiu. Servindo-nos de um mapa atual, podemos dizer que ela se estendia entre o Báltico e o Mar Negro, desde o leste da Polónia até à parte mais ocidental da Rússia europeia, integrando a Lituânia, a Bielorrússia, a Ucrânia e a Moldávia. Ali foi sendo levantado um microcosmos cultural muito próprio, fundado numa sociedade particularmente dinâmica em volta da qual cedo confluíram, todavia, os fantasmas mais negros e letais do antissemitismo. Foi sobre este território que o historiador americano Timothy Snyder desenvolveu o extenso trabalho de investigação do qual resultou uma obra que nos desperta para uma realidade nem sempre olhada de frente e com rigor. (mais…)

                  Democracia, História, Leituras

                  Galvão: um herói português

                  Henrique Galvão

                  É possível que jamais venha a escrever-se uma história da oposição ao Estado Novo capaz de mostrar a trajetória das muitas figuras, hoje reconhecidas como questionadoras da autoridade de Salazar e das orientações do regime, que com um e outro confluíram em muitos momentos ou a propósito de determinados princípios de política. Exemplar deste estilo de percurso é o capitão Henrique Galvão, cuja biografia, da autoria de Francisco Teixeira da Mota, acaba de ser editada. De facto, Galvão é hoje principalmente recordado pelo seu papel na luta contra o Estado Novo, que ocupou sensivelmente a última década da sua vida, e em particular pela retumbante iniciativa, concretizada em 1961, do assalto ao paquete Santa Maria. Foi aliás por esta atitude de resistência ativa que, trinta anos mais tarde, o Presidente Mário Soares o condecorou postumamente com a grã-cruz da Ordem da Liberdade. Todavia, durante a maior parte do trajeto cívico que escolheu, o seu posicionamento foi o diametralmente oposto, tendo participado no 28 de Maio, ocupado lugares de destaque no aparelho do regime (como importante dignitário da administração colonial, primeiro diretor da Emissora Nacional, organizador da Exposição Colonial do Porto e da Exposição do Mundo Português, deputado da União Nacional, entre outros) e defendido posições autoritárias, anticomunistas e até de apreço pelo nazismo. (mais…)

                    Biografias, História

                    Primavera dos Povos (o regresso)

                    Barricadas em Paris (1848)

                    Quanto mais o tempo passa e os acontecimentos se sucedem em catadupa sem o vislumbre de uma solução, mais se confirma uma certeza: não existe, para a Europa, alternativa aos demónios do nacionalismo que não passe por um forte esforço federalista, por muito que se encontrem em aberto as modalidades que este possa tomar. Como escreveu o medievalista californiano Patrick J. Geary no excelente O Mito das Nações (editado pela Gradiva), «os europeus têm de reconhecer a diferença entre o passado e o presente se quiserem construir um futuro». Isto é, têm de saber que a preservação a todo o custo dos velhos modelos da identidade nacional os pode empurrar para o abismo. Ou então a lutarem entre si até que o mais forte seja capaz de estabelecer uma nova ordem em seu benefício. O «perigo alemão» está a tornar-se real e não será o restabelecimento das fronteiras vigiadas ou uma nova guerra (fria, morna ou quente) que o impedirão de afirmar-se. Será antes, todos temos de perceber isso e mobilizar vontades para o conseguir, a construção de uma Europa federada, paritária, solidária e realmente democrática. Conseguida pelo erguer vigoroso das consciências e das vontades, no irromper, agora necessariamente concertado, de uma nova «primavera dos povos». Parece a sua consideração um vestígio dos ideais de 1848? Pois parece. E daí? O tempo é outro, existem novos e pesados condicionalismos, o passado não pode comandar o que está para vir, mas os contornos essenciais da nuvem ameaçadora – governos autocráticos, crises económicas, perda dos direitos das classes médias, desemprego crescente, leis do trabalho insidiosas, agressividade dos nacionalismos – têm um desenho muito parecido com o daqueles anos tumultuosos. E requerem medidas rápidas. Em 48 foi o próprio Alexis de Tocqueville que lançou na Câmara dos Deputados de Paris: «Nós dormimos sobre um vulcão… Os senhores não percebem que a terra treme mais uma vez?»

                      História, Olhares, Opinião

                      Mário Dionísio em Coimbra

                      Mário Dionísio

                      Essa quase sempre desgraçada fonte contemporânea do saber condensado que é a versão em português da Wikipédia, identifica Mário Dionísio (1916-1993), muito abreviadamente, como «um escritor e um pintor português do Século XX». Refere ainda em duas tristonhas linhas a sua atividade enquanto professor, crítico, polemista e tradutor. Mas sem descer a pormenores. Sem mencionar a força e a originalidade de um trajeto. E assim, por facilitismo e omissão, reduz a vida, a intervenção e a obra de um português de exceção – atento, sempre, tanto à inovação quanto à dimensão social da literatura, da arte e da política – a um apontamento baço no qual é fácil não reparar ou que num instante se esquece. Nada de mais imerecido em relação a um homem que tantos de nós, ou dos que nos antecederam, olham ou olharam como exemplo do escritor independente, do companheiro de muitas lutas ou do mestre de explicações do mundo. Pois se até o Pacheco, o insuspeito Luiz sempre adverso a louvores, escreveu em 1969 no Notícia de Luanda que «o homem, Mário Dionísio, a obra e sua repercussão (…), dão para muita conversa»!

                      É já neste dia 2 de Fevereiro, quinta-feira, que pelas 17H30 é inaugurada na Biblioteca Municipal de Coimbra a exposição «Mário Dionísio – Vida e Obra», organizada pela Casa da Achada/Centro Mário Dionísio e pelo Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra. Intervirão nesta sessão António Pedro Pita e Eduarda Dionísio. A exposição irá manter-se até ao dia 15 de Março. A iniciativa conta com o apoio da BMC, do CEIS20 – Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX e das Ideias Concertadas.

                        Artes, Coimbra, Memória, Novidades

                        O passado é agora [19]

                        Maria

                        Manhã cedo, bem cedo, capto na atmosfera da pastelaria uma exclamação sonora e estranha – «Ai a Maria Callas diz cada coisa!» – seguida de uma gargalhada em grupo. Para aquelas mulheres elegantes com as cabeças coloridas para enganarem os cabelos brancos o presente era infinito.

                          Fotografia, História, Séries

                          Está caladinho

                          o conformista
                          Jean-Louis Trintignant em «Il Conformista», de Bernardo Bertolucci (1970)

                          Da crónica de hoje, a última de Pedro Rosa Mendes para a última semana de «Este Tempo», o programa da Antena 1 que a administração da RDP entendeu fazer calar por conter vozes incómodas, deixo um fragmento que pode servir-nos para aferir do estado cataléptico em que a nossa democracia se encontra. Do qual este episódio é apenas mais um sinal. Um panorama demasiado assustador? Talvez o seja. Mas os mais velhos ensinaram-nos que não há como sustos e adversidades para aprender a crescer e a rasgar caminhos. Aqui ficam então, também para que se não diluam rapidamente no éter, as palavras de Rosa Mendes que sublinhei.

                          «Quatro décadas de democracia produziram, afinal, uma sociedade asfixiada por valores do silêncio, da cobardia, do bajulamento e dessa gangrena da nossa pátria que é a inveja social. Por junto, uma cultura mesquinha em que quase sempre não há ninguém que diga aquilo que todos sabem, mas que todos devem calar. Uma terra onde, finalmente, se instalou o medo e uma noção puramente alimentar da dignidade individual. Traduza-se: está caladinho, para guardares o trabalhinho.»

                            Atualidade, Democracia, Olhares, Recortes

                            Censura e falta de vergonha

                            O episódio envolvendo o fim de «Este Tempo», o programa de opinião da Antena 1 no qual colaboravam Pedro Rosa Mendes e Raquel Freire, para além de António Granado, Gonçalo Cadilhe e Rita Matos, devido a uma crónica na qual o jornalista e escritor falava, moderadamente aliás, da comunicação acrítica que pactua com o servilismo do governo português diante do angolano, coloca-nos diante de quatro realidades preocupantes. A primeira, mais óbvia, diz respeito à intromissão do poder político na esfera da liberdade de opinião. Não sendo nova em democracia, está agora a atingir um nível insólito de intensidade e de atrevimento, recorrendo cada vez mais à lógica dos supostos «interesses nacionais». A palavra censura emerge aqui, com todas as letras, como a adequada para descrever aquilo que está a acontecer. A segunda realidade tem a ver com a mistura, materializada desde logo na atuação do governo, entre os direitos políticos, que dizem respeito à esfera do coletivo e podem aparentemente ser condicionados, e os interesses económicos que têm a ver com a atividade privada de alguns e, nesta lógica, devem supostamente estar libertos de incómodos. A terceira refere-se ao nível de compactuação dos responsáveis eleitos e de algumas correntes políticas de um pais democrático com o governo corrupto, nepotista, despótico, e para mais não-eleito, de Angola. A quarta realidade integra enfim a ostentação, e a proteção, desse padrão de jornalismo sabujo, bajulador e intoxicante, pago além disso com dinheiros públicos, diretamente visado pela crónica de Rosa Mendes na referência que fez ao programa de Fátima Campos Ferreira emitido em direto de Luanda com a participação do omnipresente ministro Relvas. Sobre tudo isto a pesada sombra da ausência de vergonha e da ostentação do intolerável. [a notícia] [em cartaz]

                              Apontamentos, Atualidade, Opinião

                              O lugar da cobardia

                              A frase «dos fracos não reza a História» assinala a infâmia daqueles que não enfrentam as dificuldades ou se vergam diante do mais forte. Sublinha a vileza sem remissão de toda a cobardia. Estigmatiza sem piedade a sua lembrança. O seu uso supõe no entanto uma condição: a de que se observe o tempo como tribunal e como teatro diante do qual cada um é julgado pela forma como representou o seu papel. Com a crescente depreciação da História enquanto espaço para um julgamento equitativo da experiência, com a sobrevalorização do imediato e do valor de mercadoria, a expressão parece hoje deixar de fazer sentido. A valorização da cobardia e da apatia diante da força não é nova, mas estava antes confinada aos oportunistas, aos agiotas, aos tiranos e aos tolos. Agora parece por vezes transformar-se em bússola do bom cidadão, exilando-se quem pensa no longo prazo, ou defende a necessidade da resistência diante da injustiça, para o campo minado da irrelevância ou mesmo do crime. No entanto tudo isto obedece a ciclos, a etapas em rápida corrente e contracorrente, e inevitavelmente será a própria História a tratar do assunto pela medida seletiva de sempre. Em nome da coragem e do futuro, é sempre bom sabê-lo. Ou pelo menos acreditar nessa possibilidade.

                                Atualidade, História, Olhares

                                Guimarães 2012

                                Foi fácil encontrar a melhor maneira de abrir este parágrafo. Começa assim: Eu gosto muito de Guimarães, já quase lá vivi, e as memórias que guardei são em geral boas ou muito boas. Também por lá passei fome quando andei clandestino, mas isso foi há tanto tempo que agora parece lenda ou episódio de romance. Gosto de alguns dos seus naturais e de os ouvir abrir as vogais, acho bonita uma boa parte da cidade e em Janeiro costuma fazer por ali um friozinho matinal que gela os pés e desperta a alma. Não partilho, não só por isso mas também por isso, da maledicência congénita de quem da empresa da Capital Europeia da Cultura apenas declara ou espera o pior. Como não aceito o bairrismo incontinente de quem descobre agora uma energia esquecida de propósito para poder ser revelada. Qualquer um sabe que a grande parte daquilo que está feito ou do que vai acontecer não saiu de um tesouro esquecido nas fundações de um velho edifício. É esforço comum, aberto quando ainda todos ingenuamente nos julgávamos escandinavos. O que não representará um mal, antes pelo contrário, se, no fim de tudo, quando os holofotes se apagarem, quando as ruas forem limpas e as secretárias esvaziadas, sobrar obra feita e pessoas e coletivos e a cidade e o seu termo ficarem a mexer. O que significará a ler, escrever, pintar, dançar, tocar. A expor, fazer teatro, ver cinema, debater este mundo e criar o outro. A fazer o sete, ou trinta por uma linha, sem precisar de um valente empurrão. Mas por enquanto ainda estamos de esperanças. Oxalá então tudo corra pelo melhor. Cá estaremos para aplaudir ou pedir contas.

                                  Apontamentos, Cidades, Memória, Olhares