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Anonimato e cobardia

Até a situação se encontrar esclarecida, não comentarei publicamente em detalhe o caso relacionado com o CES, do qual sou investigador sénior desde janeiro de 2002. Tenho uma posição sobre ele e sobre pessoas envolvidas, mas não me parece que neste momento a minha perspetiva acrescente algo de positivo a um processo entretanto objeto de inquérito. Não posso, porém, deixar de manifestar repulsa pela forma como várias pessoas que se afirmam investigadores/as do mesmo Centro – umas sê-lo-ão, outras são ou foram apenas colaboradores/as ocasionais – estão a recorrer sistematicamente ao anonimato, do qual alguma comunicação social se está a servir profusamente para revelar isto ou aquilo, ou para acrescentar invenções e suposições, numa exibição de péssimo jornalismo sempre no sentido de agravar o alvoroço público diante de um caso sério e que merece todo o cuidado. Em democracia, onde quem possui as suas razões tem todo o direito de as exprimir e de as defender, o anonimato chama-se cobardia e deve ser alvo de desprezo. E quem dele se sirva como arma de arremesso ou para obter público também.

Adenda (escrita cerca de 48 horas depois) – A minha referência ao anonimato não se reporta, quero deixar isto bem claro, às eventuais vítimas de assédio. Em alguns casos ele é compreensível. Refere-se, sim, às pessoas, homens e mulheres, que aproveitam a situação para, sem darem a cara e se responsabilizarem pelo que afirmam, tentarem resolver ou agravar conflitos pessoais, inimizades ou ressabiamentos.

[originalmente no Facebook]

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    O efeito nocivo da sacralização

    Em todas as sociedades ocorrem formas de sacralização que moldam as diferentes escolhas culturais e as relações sociais. Elas tendem a tornar sagrado e a transformar em objeto cerimonial e de culto aquilo que deveria, pois é essa a sua origem e também a sua finalidade, permanecer natural e essencialmente humano. Há mais de um século, a ideia de sagrado foi apresentada por Émile Durkheim como o oposto do profano, representando – ao contrário deste, que o sociólogo francês considerava um modo de intervenção do sujeito individual no mundo – um processo que afeta sobretudo a vida dos grupos, estabelecendo normas que forçam ou constrangem determinados comportamentos. Sirvo-me de dois curtos exemplos para abordar o processo e as suas perniciosas consequências.

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      A lucidez estratégica e a cegueira tática

      No campo da opinião política sobre o mundo em que vivemos e aquele que poderá perfilar-se mais adiante, tento sempre colocar a estratégia à frente da tática. Não significa que exclua a segunda do horizonte de propostas e de expetativas, mas que muito mal estaremos, pelo menos em democracia, se ela determinar a primeira. Dito isto de uma forma mais clara: o protesto e a reivindicação, bem como os programas eleitorais, ainda que fundados em situações concretas, devem sempre subordinar-se a objetivos de médio ou longo prazo para a vida da comunidade da qual emergem, não indo atrás apenas daquilo que parece urgente e «popular». Por isso mesmo, ainda que considere justas determinadas propostas, não as sigo, ou pelo menos não as tomos forçosamente como prioritárias e inegociáveis, se forem desfavoráveis ao cumprimento desses objetivos. 

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        Os dois lados da luta pela habitação

        O movimento pelo direito à habitação tem do seu lado uma das preocupações que mais aflige a maioria dos cidadãos e das famílias. Ela é transversal à história portuguesa recente e cinquenta anos de democracia não chegaram para a solucionar. Para quem não possui casa própria, ou tem e está a pagá-la ao longo da vida, ou precisa recorrer ao arrendamento, a situação permanece dramática, levando a que muitos não tenham casa condigna, ou a que os seus custos determinem uma vida de baixa qualidade e enormes sacrifícios. Além disso, é um facto que a generalidade dos governos pós-Abril jamais se esforçou a sério para solucionar o problema, combinando os interesses em jogo e apoiando quem mais precisa.

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          Por uma aproximação à esquerda

          Tendo passado pouco mais de um quarto da legislatura, todos os dias deparamos com o esforço comum da direita, apoiada em boa parte da comunicação social e na manipulação das redes sociais, para desacreditar o atual governo e dar da sua orientação uma perspetiva que pretende mostrá-lo como gestor do caos, do empobrecimento e até de algum autoritarismo. Dissemina-se, desta forma, uma imagem extremamente negativa que nem os partidos situados à esquerda do PS estão a partilhar. Projetam-se até supostas informações que vão contra dados oficiais existentes a nível europeu – onde, apesar dos fatores de crise relacionados com a guerra de invasão da Ucrânia, Portugal se encontra comparativamente bem situado -, presumido que, tendo a maioria das pessoas memória curta, já poucas recordarão os anos terríveis do governo Passos-Portas, em que vivemos empobrecidos, deprimidos e sem perspetiva, como jamais tinha ocorrido após o 25 de Abril.

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            É preciso enfrentar os moinhos do ódio

            A conhecida expressão «lutar contra moinhos de vento» é de há muito utilizada como metáfora da intrepidez destinada à derrota e da loucura nascida da fantasia. Alude a um dos mais conhecidos momentos do Dom Quixote de La Mancha, o romance publicado em 1605 por Miguel de Cervantes: aquele em que o sonhador «cavaleiro da triste figura» investe contra as pás dos moinhos de vento, que imaginava medonhos gigantes a vencer, tendo do ato resultado ver-se por terra com lança e armadura despedaçadas. Todavia, logo se recompôs, seguindo o seu destino, sobre o dorso de Rocinante e na companhia do escudeiro Sancho, para continuar a bater-se contra os males do mundo. Desta forma confirmando a grandeza essencial do gesto hoje designado «quixotesco».

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              Enid Blyton e os criadores de imbecis

              Creio que os primeiros livros com mais de cem páginas e exclusivamente de texto que li me foram oferecidos entre os oito e os dez anos, em pequenos embrulhos com três ou quatro volumes de cada vez, na qualidade de prendas de aniversário e de Natal. Como para muitos rapazes e raparigas mais ou menos da minha geração, as histórias d’Os Cinco (Famous Five), de Enid Blyton, no caso em versão traduzida, foram uma introdução ao maravilhoso da aventura e do mistério, à construção de uma distinção entre o bem e o mal, e ainda à saborosa arte de bem merendar. A série de 21 volumes foi escrita entre 1942 e 1963, trazendo consigo o mundo benévolo e inquietante do Júlio, um jovem de bom-senso, da Ana, moça desembaraçada, do brincalhão David, da Zé, a «maria-rapaz», como se usava dizer, e do imprescindível cão Tim. Sem dúvida o meu primeiro bando de heróis.

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                21 de Março: Dia Mundial da Poesia

                Em ‘Para que serve a poesia hoje?’, Jean-Claude Pinson tenta responder a uma pergunta atual: «O que pode ainda a poesia, quando as suas ilusões líricas do passado recente (proporcionar uma vista desimpedida para o Absoluto, “mudar a vida”…) foram desacreditadas?» Com uma intensidade ampliada quando na ordem-do-dia se encontra a eliminação por decreto – e por organizado descrédito – do que se revela supérfluo, daquilo que não possui valor de uso nem serve para trocar por papel-moeda ou linha de crédito, não podendo aplicar-se a reduzir défices, a aferir «competências efectivas» ou a cumprir «objectivos estratégicos», importa olhá-la como território da clarividência e de resistência, não meramente onírico ou projetado para a evasão, que jamais deixou de ser, mas deve reassumir.

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                  «Relógios de repetição»

                  Os «relógios de repetição» para uso doméstico ou no pulso surgiram por volta de 1890, possuindo a característica inteiramente inovadora de anunciarem com clareza, de forma acústica, uma hora pré-programada, ou tocarem um alarme por duas ou mais vezes sucessivas. Por analogia, passaram a ser pejorativamente apelidadas de «relógios de repetição» aquelas pessoas com tendência para falarem sempre do mesmo assunto, ou pronunciarem constantemente, como num eco, frases produzidas por outrem. 

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                    O Iraque 20 anos depois – uma autocrítica crítica

                    Em 20 de março de 2003, há precisamente vinte anos, começou a invasão militar do Iraque, terminada no 1 de maio seguinte. A operação «Liberdade do Iraque», destinada a completar a inacabada «Tempestade do Deserto», de 1990-1991, foi levada a cabo pelos Estados Unidos com o apoio militar do Reino Unido, da Austrália e da Polónia. O objetivo principal de desarmar e de derrubar o regime de Saddam Hussein foi alcançado, seguindo-se um longo período de instabilidade local e regional que causou grande número de vítimas e um empobrecimento generalizado do país invadido, apenas não extensível a setores que de alguma forma colaboraram com o novo ocupante ou com o governo por este imposto. Este foi defendido pelos norte-americanos até à sua saída em dezembro de 2011, após oito anos de destruidora guerra civil.

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                      A Coreia do Norte e a falsificação da História

                      Ao ver na AppleTV uma excelente série que percorre oitenta anos da história da Coreia, e ao procurar aferir da veracidade das inúmeras referências históricas, dou de caras com um facto poderoso que ignorava e com uma mentira que tomava por verdade, ainda que manchada por algum exagero do qual já suspeitava. Em Pachinko, de Soo Hugh, estreada em 2022 e falada em coreano, japonês e inglês, uma saga familiar baseada no romance homónimo da escritora coreana-americana Min Jin Lee, encontra-se um cenário que reporta a relação complexa e traumática da Coreia com o Japão ao longo do século XX. O facto que ignorava tem a ver com a dimensão do domínio japonês sobre a península, exercido entre 1910 e 1945, ter sido traduzida na redução à escravatura, ou pelo menos à servidão, da quase totalidade da população local, com, níveis de repressão e de crueldade sem comparação à escala europeia.

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                        Escrever ou falar sem temer, como um dever

                        Mesmo fora do campo de trevas, hoje maioritário à escala planetária, das ditaduras ou das «democracias musculadas», vivemos tempos difíceis para a liberdade de opinião. Não se trata de um problema novo, pois ela sempre incomodou aqueles que procuram impor aos demais as suas razões e a sua vontade, mas hoje tem novos contornos. O que nesta altura distingue as atuais das situações do passado de assalto à liberdade é esta ser frequentes vezes atacada ou diminuída por quem tem o dever de a utilizar e de a defender. É o que acontece com muitas das pessoas a quem as redes sociais conferiram uma voz que até há poucos anos jamais sonharam deter, utilizando esta possibilidade, não para divulgar informação fidedigna, além de opiniões sinceras e justificadas, assumindo a diversidade e aceitando o contraditório, mas para disseminar a mentira, a ignorância e o ódio.

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                          O meu 11 de março: uma memória

                          11 de março de 1975, data sobre a qual se completam hoje 48 anos, corresponde, como sabe quem na época já tinha razoável tempo de vida ou quem estudou alguma coisa sobre a a nossa história recente, ao dia no qual, iniciada e gorada a tentativa de golpe de Estado de direita que tinha António de Spínola como «cabeça de cartaz», a revolução portuguesa se radicalizou. Superando anteriores hesitações, passou-se então à ocupação de muitas empresas e propriedades rurais, bem como a um processo acelerado de nacionalizações, incluindo a da banca. Dando-se também início a uma fase da revolução na qual o socialismo foi definido como meta por quase todos os partidos democráticos. Ao ponto de a nova Constituição a ter integrado logo no artigo 2º.

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                            O fenómeno woke e as caricaturas

                            A última coluna de opinião de António Guerreiro é sobre o fenómeno woke. Como sei que muitas pessoas cultas e informadas não sabem do que se trata – nem toda a gente pode estar permanentemente atenta à infinita e cada vez mais rápida renovação dos léxicos – faço copy-paste do primeiro parágrafo do artigo da versão portuguesa da Wikipédia, inevitavelmente sintético e limitado

                            «Woke, como um termo político de origem afro-americana, refere-se a uma perceção e a uma consciência das questões relativas à justiça social e racial. O termo deriva da expressão do inglês vernáculo afro-americano “stay woke” (em português: continua acordado ou desperto), cujo aspeto gramatical se refere a uma consciência contínua dessas questões. No final da década de 2010, woke foi adotado como uma gíria mais genérica, amplamente associada a políticas identitárias, causas socialmente liberais, feminismo, ativismo LGBT e questões culturais (…). O seu uso generalizado desde 2014 é resultado do movimento Black Lives Matter.»

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                              Dar ou não a cara na rede

                              Como faz a generalidade das pessoas que têm muitos e constantes contactos fora do seu círculo próximo de vida e de trabalho, recorro inúmeras vezes aos motores de pesquisa ou às redes sociais para conhecer melhor quem me está a contactar ou quem pretendo contactar por isto ou para aquilo. Por vezes para ver por onde anda quem um dia conheci e gostaria de rever. É essencial ler a sua pegada: saber minimamente o que faz ou fez, conhecer-lhe um pouco o rosto, ter um mínimo de referências que nos permita identificar com razoável dose de segurança com quem queremos falar ou quem a dado momento nos procura.

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                                Da aventura de ler ao desvario de rever

                                Quando comecei a decifrar as letras tornei-me logo um leitor voraz. Por isso a minha perspetiva do mundo confunde-se com a imaginação, a dúvida, a experiência e os saberes proporcionados pela leitura intensa e quotidiana. Sem ela, jamais teria conhecido tantos lugares distantes, nunca teria voado sobre falésias e despenhadeiros, navegado até outras épocas e planetas, conversado com personagens de romance ou medido a extensão do real e do irreal. Também pouco ou nada saberia da história do mundo e do seu legado, de outras línguas, de filosofias que libertam, do imperativo das utopias e da infinita diversidade do humano nas escolhas e na subjetividade. Habitaria apenas realidades expectáveis, servo de destinos que não entenderia e jamais poderia contrariar.

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                                  Escuto Ana Sá Lopes, analista com a qual na maioria das vezes concordo, afirmar num podcast que «num prazo de 20 anos poderemos assistir à extinção do PCP». É claro que duas décadas são muito tempo, e hoje tudo muda a mil à hora; todavia, sem ter qualquer simpatia por um dos últimos partidos comunistas europeus ortodoxos que ainda mantém algum peso social, tendo aqui a recorrer à ultracitada frase de Mark Twain sobre o exagero que tinham sido as notícias sobre a sua própria morte. A matriz, autoritária em política externa e conservadora nos costumes, que domina o partido, tenderá com toda a certeza – e sem estar aqui a fazer adivinhação – a ver-se transformada. Não de dentro para fora, pois boa parte dos seus mais rígidos militantes são precisamente muitos dos mais novos, mas antes de fora para dentro, em função da mudança social e, como dizia Cunhal, «da vida».

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                                    O músico Roger Waters, um dos fundadores dos antigos Pink Floyd, é claramente uma pessoa com uma orientação política incomum no seu meio. Está no seu pleno direito, e algumas das posições que toma até poderão ser em parte justas. Mas duas delas são obviamente erradas e nocivas, embora ambas coincidentes com as que defende como suas aquela franja, autoproclamada «de esquerda», para a qual tudo o que se oponha aos EUA é por uma boa causa e merece defesa, seja quem for que o faça e a forma como o faz.

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