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«A luta» não é sempre justa

Ao contrário do que ocorre sob as ditaduras, quando todos os meios para combater a tirania e a repressão são perfeitamente legítimos, em democracia o objetivo da luta social, em especial a de rua, não é derrubar o regime, mas sim defender medidas justas, procurar alargar e melhorar os direitos, e aperfeiçoar a própria gestão da vida coletiva. Por este motivo é muito importante distinguir quem sai da sua concha pessoal para combater coletivamente por causas e interesses legítimos, protestando e reivindicando, se necessário com força e veemência, de quem tem como objetivo da luta de rua enfraquecer um governo democrático, fazê-lo cair e trocá-lo por outro, a seu contento. De preferência, um que faça tábua rasa daquilo que foi maioritariamente decidido em eleições livres. Não existe comparação ou conciliação possível entre as duas escolhas.
[originalmente no Facebook]

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    Um ano de sofrimento, hipocrisia e esperança

    Completa-se hoje um ano sobre o início da guerra na Ucrânia, determinada pela súbita invasão russa imposta pela política imperial e belicista de Vladimir Putin. Um ano que, na altura, apressados analistas, alguns deles oficiais generais, anunciavam ir durar «no máximo, uma semana». Um tempo determinado em primeiro lugar pela sistemática e brutal destruição de boa parte do país invadido, pelo imenso sofrimento do seu povo, pela devastação de vidas e de esperanças, e por um número, ainda indeterminado, mas na escala dos largos milhares, de mortos, entre civis e militares. Contando-se também entre estes muitos cidadãos russos, alguns deles mercenários e ex-presos de delito comum incorporados com a promessa de um perdão, embora a maioria sejam recrutas e reservistas incorporados à força, às dezenas de milhar, pelo regime de Moscovo.

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      Atualidade, Democracia, História, Opinião

      Fazer os outros de parvos

      Parte dos partidos e organizações que integram o nosso espectro político, de um extremo ao outro, manifesta muitas vezes uma importuna tendência para afirmar pontos de vista que tendem – perdoe-se a crueza – a fazer os outros de parvos. A prática ocorre mais em algumas forças que em outras, e por certo não em todas, mas é muito negativa para a democracia, sobretudo quando vem de correntes que se bateram e batem pela justiça e pela igualdade. Consiste em afirmar ideias que qualquer ser pensante, informado e honesto consigo mesmo sabe que não são verdadeiras, mas esses setores insistem em proclamar ‘urbi et orbi’ como indiscutíveis verdades.

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        Paz não pode ser injustiça

        Trazer a paz diariamente na boca, tomando-a como um valor absoluto, mas sem distinguir a que se conquista e funda na justiça, na equidade e na democracia, daquela outra que se baseia na opressão, no direito do mais forte e na tirania, é, ao mesmo tempo, prova de hipocrisia, cegueira e cobardia. A paz é um valor essencial da dignidade humana, sem dúvida, e deveria corresponder à ordem natural do mundo, mas não pode ser alcançada e mantida à custa da indiferença e da injustiça.
        [originalmente no Facebook]

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          Para além e para aquém de Kiev

          Ao longo de vários séculos a população da Europa viveu atormentada por uma sombra ameaçadora que os historiadores designaram «o medo do turco». Isto é, o constante receio subjetivo de uma conquista otomana que virasse o seu mundo ao contrário. Ao mesmo tempo, setores da elite cultural ocidental foram alimentando uma dimensão de fascínio por esse universo, instalado a oriente, que a maioria desconhecia tanto quanto temia. Num e noutro dos casos, o sentimento dominante era o de grande estranheza perante hábitos, crenças, valores e formas de organização política e social substancialmente diversos daqueles que, apesar da pluralidade de regimes e sociedades, eram basicamente compartilhados pela generalidade dos europeus.

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            O espírito gregário e a pobreza da opinião

            Uma das boas vantagens que tem trazido a massificação da Internet e das redes sociais traduz-se na forma muito fácil e rápida como estes dois fenómenos contemporâneos tornaram possível que praticamente qualquer pessoa seja capaz de disseminar informação pertinente e de partilhar a sua própria reflexão crítica. Com múltiplos e complexos problemas à mistura, e com muitos erros e desvios também, alguns deles gravíssimos, sem dúvida alguma, mas não são eles que estão em causa neste apontamento. Aquilo que aqui se pretende sublinhar é que essas capacidades positivas são em boa parte contrariadas pelo facto de um grande número de homens e de mulheres, tendo capacidade reflexiva e conhecimento para poder exprimir opinião de uma forma sustentada e crítica, ser incapaz de dialogar com ideias e problemas que transcendam aqueles de momento invocados, no domínio do imediato, no interior do seu próprio universo político.

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              Contextualizar contextualizar

              Uma das maiores dificuldades que ocorre de forma muito habitual nas abordagens da história e da memória – obrigando a uma permanente vigilância da parte de quem a escreve ou a transmite -, e que perpassa em todos os processos que envolvem a comunicação pública do passado, é a disseminação do anacronismo e, pior que este, da tendência para ignorar os contextos. Olhar escolhas e momentos do passado, seja o pessoal ou o coletivo, no lugar onde hoje vivemos ou a milhares de quilómetros dele, no território das ideias ou no dos costumes e decisões, pelos olhos e valores da cultura agora dominante e da diferente sensibilidade que hoje detemos.

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                As circunstâncias dos abusadores

                Dois apontamentos mais sobre a revelação, agora em Portugal, de um número bastante elevado – ainda assim, sem dúvida, muito inferior aos dos casos não testemunhados ou que foram e são recorrentemente silenciados, que jamais verão a luz do dia – de vítimas de abusos sexuais praticados nas últimas sete décadas com a completa impunidade da generalidade dos seus perpetradores e da instituição eclesiástica que os enquadrou e lhes conferiu o poder para poderem abusar. Uma instituição, forçada pelo ar do tempo e pelo próprio papa a enfrentar o tema, e que agora vem lamentar o ocorrido sem todavia abordar com clareza formas de punir os criminosos ainda vivos e de compensar minimamente as suas inúmeras vítimas. Não serão, por certo, apenas desculpas e piedosas orações a resolver o seu terrível lastro.

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                  A Igreja católica portuguesa e as vítimas de abuso

                  O número de abusos de natureza sexual praticados sobre menores ao longo dos últimos 72 anos, revelado hoje por uma comissão independente ligada à Igreja católica portuguesa, aponta para 4.815 vítimas, sobretudo rapazes, mas também bastantes raparigas, sem qualquer estimativa complementar. Fundam-se em 512 corajosos testemunhos e talvez não seja possível ir muito mais longe, pois inúmeros outros jamais serão ouvidos, sejam os de pessoas para sempre desaparecidas ou os de quem prefere não tocar mais em assunto que a penaliza. Durante a conferência de imprensa em que os resultados foram divulgados, estes casos foram considerados «residuais».

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                    Apontamentos, Direitos Humanos, Olhares

                    Calamidade e hipocrisia

                    O número de vítimas mortais do terrível sismo que afetou o sul da Turquia e o norte da Síria vai já, neste momento, em mais de 5.200 pessoas, estimando-se que possa ultrapassar os 20 milhares. O volume de feridos e desalojados será colossal, numa paisagem de devastação, horror e sofrimento que chega em imagens brutais ao conforto das casas de quem, neste lado do mundo, se sente seguro e protegido. No caso da Síria, com a agravante de se tratar de uma área em larga medida controlada pelas forças que combatem Hassad e eram já um constante alvo dos ataques militares de Damasco.

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                      ChatGPT: assustador e fascinante

                      Não é possível ignorar – então quem for professor deverá obrigatoriamente conhecer para não ser tomado por lorpa – o «bot de conversação» ChatGPT (https://openai.com/blog/chatgpt/), aberto ao público em 30 de novembro de 2022. Existente em diversas línguas – português do Brasil também, embora em inglês seja mais completo – ele interage com perguntas e problemas colocados por qualquer pessoa, mesmo quando o que se pergunta tenha uma dimensão complexa e/ou abstrata, produzindo automaticamente textos sem erros, essencialmente bem escritos, coerentes, e por vezes até interessantes. Tudo feito por uma máquina. Isto permite, por exemplo, que agora qualquer aluno de 7 na escala de 20, durante um teste facilmente obtenha um 15. É algo assustador, sem dúvida, mas a solução não poderá ser proibir, pois a inteligência artificial, para além de ser uma criação humana, pode sem dúvida ser uma ajuda. Aliás, isto funciona também como um desafio, pois requer novas forma de interagir e também de validar e de avaliar o conhecimento. E este lado é absolutamente fascinante.

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                        Apontamentos, Cibercultura, Olhares

                        A justa luta dos professores sob um olhar crítico 

                        O atual alargamento dos processos de comunicação e a crescente facilidade de produzir opinião fazem com que, quando se abordam de uma forma analítica e não linear temas que suscitam grande controvérsia, facilmente quem sobre eles escreve possa ser mal interpretado. Esta realidade relaciona-se também com formas ligeiras de leitura, vendo-se apenas aquilo que se deseja ver, a branco ou preto, muitas vezes sem ponderar a totalidade do argumento. Por isso este texto começa com uma necessária cautela: o seu autor é inteiramente favorável à luta dos professores de todos os graus de ensino por condições de vida e de trabalho que de há muito se têm vindo a desvalorizar. Mais: não lhe parece que ela consiga algo de positivo se não for levada a cabo de uma forma unitária e vigorosa, impedindo os seus interlocutores de a desvalorizarem.

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                          A autoria como gato por lebre

                          Até ao século XVIII a condição de autor de uma obra escrita era de tal forma desvalorizada que o seu nome surgia no rosto sempre na última linha em caracteres muito pequenos. O destaque era conferido ao patrono – quem pagava o trabalho ou a quem a obra era dedicada -, de seguida a um título invariavelmente muito longo, e depois ao impressor, que também editava. O justo triunfo do autor foi, em larga medida, um produto do movimento romântico e, se a ele raramente passou a corresponder uma compensação justa pelo trabalho – salvo se for um best-seller, daqueles que se vendem hoje nas estações de comboio e nos hipermercados, ao lado de pastilhas elásticas e bolachas -, ocorre ao mesmo tempo um reconhecimento visual do seu papel, sendo agora identificado com clareza.

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                            «Que tempos estes!»

                            Vejo por aqui, repetidas até à náusea, muitas vezes por amigos e amigas que prezo, frases como a que encima este apontamento. A história mostra que ela traduz uma atitude muito antiga, defendida de forma consciente ou inconsciente por quem no passado, sobretudo no seu próprio passado, vê um mundo melhor, mais «correto» ou mais feliz que o atual. Em décadas de investigação sobre diferentes passados, frases como esta passaram por mim largas centenas de vezes, embora a referência mais básica seja sempre aquela, pronunciada por Cícero pelo menos em quatro discursos, que pelo século I antes da nossa era bradava «O tempora, o mores», isto é, «ó tempos, ó costumes!». Como quem dizia «malditos estes tempos sem valores», ou «esta juventude está perdida», ou ainda «antigamente é que era bom». Existem, sem dúvida, no curso do tempo, momentos críticos e de alteração brusca de valores e de práticas, nem sempre compreendidos e muitas vezes tomados como negativos, mas não existem épocas boas e épocas más. Na realidade, todas combinam experiências que cada pessoa vive ou interpreta da sua forma e em contexto. Aliás, dizer-se «que tempos estes!» aplicando-a a um país que, com todos os problemas inerentes à vida no planeta e às suas injustiças, atravessa a época de maior bem-estar, de mais direitos e de mais liberdade do seu longo trajeto de oito séculos e meio é, no mínimo, imerecido e absurdo.
                            [originalmente no Facebook]

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                              Pela militância

                              Li numa reportagem que a Iniciativa Liberal, atormentada por alguns fantasmas, se recusa a designar os seus inscritos como «militantes», antes lhes chamando «membros». Amigos do Bloco de Esquerda corrigem-me de vez em quando fazendo-me ver, aparentemente com orgulho, que também não têm «militantes», mas «aderentes» ou «ativistas». Por mim, continuo a considerar nobre e de profundo sentido a palavra «militante», historicamente associada, sobretudo na grande área da esquerda, a quem combate por uma causa, dando por ela o melhor de si, diariamente e com empenho. Militantemente, portanto. Se alguém pode ver como negativo o qualificativo, associando-o a uma relação de dependência e de apagamento individual, esse será um problema do partido ou do movimento que a impõe, ou então da pessoa que dessa forma a vive e aceita, não da nobre e necessária condição de militante. Porque sê-lo foi e permanece uma forma de liberdade e de cidadania.
                              [originalmente no Facebook]

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                                Promiscuidade entre política e negócios

                                Apesar de determinada por episódios recentes envolvendo dois ou três membros de segunda linha do governo do Partido Socialista – de uma forma que, sendo inaceitável, foi artificialmente ampliada pelas oposições, em especial as de direita, empenhadas em generalizar as críticas a partir de casos singulares – existe nas democracias contemporâneas, e na nossa também, um problema sério que pode ser relacionado com esta situação. Diz respeito ao modo como certo número de pessoas, em lugares de responsabilidade pela coisa pública, e que deveriam colocar em primeiro lugar o espírito de serviço à comunidade que determinou a sua eleição ou escolha, se envolvem ao mesmo tempo em atividades que visam sobretudo o rápido enriquecimento pessoal, tornando-se esta uma das fontes da crescente opinião «antipolíticos».  

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                                  O estalinismo e quem o alimenta

                                  O estalinismo representa a maior perversão do grande ideal de socialismo, justiça e progresso que o movimento operário do século XIX duramente construiu. Tomou na antiga União Soviética, sobretudo a partir de 1928-1929, a forma de um regime unipessoal e de culto da personalidade, de uma ditadura feroz e sanguinária, de um sistema rigidamente policial e censório, e também de uma forma de fazer política que colocou os objetivos do partido único, como suposta vanguarda, acima das pessoas que um dia proclamou servir.

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