Encontros imediatos do terceiro grau com as maçonarias
José Pacheco PereiraPúblico, 7 de Janeiro de 2012
Por cá, a protecção maçónica, a discrição e o segredo que a cobrem acabarão por se gastar, como está a acontecer por estes dias. No fundo, isto é Portugal e em Portugal nunca há segredos que durem muito. meu primeiro encontro imediato do terceiro grau (agora até isto parece linguagem cifrada) com a Maçonaria foi durante a campanha eleitoral de Mário Soares, nos idos de 1985. No meio de uma campanha que foi muito complicada no início, com o PS, para quem Soares era um perdedor garantido com 8% nas sondagens e demasiado à direita, a fechar as sedes no Norte do país para não haver actividades do candidato, almocei no Porto com meia dúzia de “jovens” quadros socialistas que eram activos na candidatura. No meio do almoço, disse qualquer coisa irónica sobre pessoas adultas que andavam de avental e luvas e o ambiente à mesa mudou de imediato. Parecia que um bloco de gelo caíra sobre a mesa e não me custou chegar à conclusão de que a maioria dos comensais eram “filhos da viúva”. A “viúva” era então a nossa Maçonaria de quase sempre, aquela a que se atribuía naturalmente o nome de “Maçonaria”, como o PCP era “o partido”, ou seja, o Grande Oriente Lusitano.
Depois os tempos foram mudando e apareceram outras maçonarias, a Grande Loja Regular de Portugal, e a sua cisão, a Grande Loja Legal de Portugal. O recrutamento clássico para a Maçonaria começou então a sair do republicanismo clássico, onde, como diria o PCP, a “lei da vida” ia abatendo os mações dessa obediência, e os restos do “reviralho”, sobrevivendo no PS de Almeida Santos e outros, começavam a dar lugar a uma nova geração de pedreiros-livres do PSD e do CDS. Nessa área política, os mações eram até então muito poucos, e também ligados ao Grande Oriente Lusitano. Eram vistos com desconfiança e a sua pertença era mantida em grande segredo num partido hostil. Depois, através principalmente das “jotas”, foram alargando a sua influência até aos dias de hoje, em que as lojas maçónicas, em particular ligadas à Grande Loja Legal de Portugal, são a instituição parapolítica com mais influência no PSD. Os sectores mais conservadores do partido, ligados à Igreja e nalguns casos à Opus Dei, perderam influência e os militantes de base, de um modo geral “antimaçónicos” primários, como antes se era “anticomunista primário”, descobrem agora a dimensão do takover maçónico no PSD. E não gostam, mesmo que o aparelho dominante, fortemente ligado à maçonaria em distritais como o Porto e Lisboa, tenha tendência para tornar o assunto tabu. meu segundo encontro imediato com a Maçonaria foi já com esta nova era maçónica inaugurada no início da década de noventa com o aparecimento da Grande Loja Regular de Portugal. O motivo foi o mesmo, uma brincadeira irónica que caiu mal num importante mação, que era publicamente mação, mas não tinha qualquer espírito de humor e não apreciou a brincadeira. Concorria eu à Distrital de Lisboa pela primeira vez e numa sessão de apresentação da candidatura na sede da distrital, encontrava-se, entre os que apoiavam a candidatura, esse conhecido mação, a quem eu perguntei ironicamente se queria que lhe fizesse um sinal maçónico, daqueles que se aprendem nos livros e que foram gozados num célebre sketch dos Monty Python. Ele ficou furioso e saiu pela porta fora e acabou por apoiar o meu adversário Pedro Passos Coelho, sem que isso me parecesse particularmente significativo. Nunca pensei que por isso fosse “a Maçonaria” a apoiar o Passos Coelho, nem antes, nem hoje. Atribuí esse acto a um gesto individual e não institucional, e nem hoje me sinto tentado a tirar conclusões diferentes pelo peso que a instituição tem no partido e no Governo. A conclusão que tirei foi que devia ter aprendido a lição de uns anos antes, a de que os mações não têm qualquer sentido de humor quando se trata da “casa”.
Depois disso, mais sábio quanto à “viúva” e aos seus “filhos”, pude observar o contínuo crescimento da instituição, através das suas novas “obediências”, no seio de gente nova cuja atracção pelo “Supremo Arquitecto” e pelos “bons costumes” me parecia bastante remota. Pelo contrário, todos os que ia conhecendo a entrar na Maçonaria, nos meios políticos, económicos e da comunicação social, pareciam atraídos por uma coisa muito diferente: poder, influência e dinheiro, por esta ordem ou por outra ordem muito semelhante. Na verdade, no Parlamento, nas “jotas”, nos jovens quadros partidários, nos quadros do aparelho partidário, eram os especialistas no controlo do poder interno, envolvidos muitos deles em tráfico de influência ao nível das autarquias, dos partidos e da governação, e subindo na carreira através de sindicatos de votos e de trade off de favores e lugares, ou seja, nos mais ambiciosos profissionais partidários, que eu via de repente aparecerem numa loja maçónica qualquer. Porquê? Porquê? A resposta só podia ser porque isso lhes potenciava a carreira, a ascensão social com novos conhecimentos e novas relações de entreajuda oriundas da sua filiação maçónica. Há excepções, mas são mesmo excepções. que leva A. e B. e C. a serem mações? O que leva gente dependurada em gadgets, e modernaça, a esse mundo anacrónico da maçonaria? Da maçonaria conhecem muito pouco e parece-me pouco provável que tenham o ritual como coisa para levar a sério, embora não ignore que a própria estranheza litúrgica do rito seja dadora de identidade. A linguagem maçónica que usam não pode ser mais elaborada do que a linguagem que usam na política, uma mistura de SMS, Twitter e “politiquês”. Quanto aos “bons costumes”, estamos conversados, porque nem o mais ingénuo e benévolo observador pode considerar que a lista dos mações-políticos desta nova geração tenham dado alguma vez alguma prova pública de corresponderem aos critérios formais da maçonaria. Na verdade, quer a sua formação intelectual apressada, quer os maus hábitos da sua actividade partidária, quer os seus escassos interesses culturais, não apontam, nem de perto nem de longe, para uma instituição proto-religiosa, que assenta numa filosofia sobre a ordem do universo, numa história simbólica e iniciática e numa exigência ética e de solidariedade, associada a outros tempos e outras práticas. É suposto haver alguma espessura, e eles são flat.
Por isso tenho a maior das dificuldades em tomá-los a sério de avental, luvas e colar, mas a maior das facilidades em perceber aquilo que eles esperam dessa irmandade ocasional. Se ser eremita no deserto da Judeia, viver em cima de uma coluna e olhar um dia inteiro para uma caveira lhes desse um lugar de secretário de Estado, deputado, presidente de uma distrital, chefe de gabinete, assessor num Governo, ou membro de uma administração municipal, ou qualquer outro lugar de poder, dinheiro ou influência, eles também lá estariam nus a subir à coluna com uma caveira de plástico comprada no Toys’r’us. Pelo mais curto período de tempo necessário, como é evidente.
Se considerar este artigo o meu terceiro encontro imediato com os “filhos da viúva” da geração actual, também não me vou sair bem, mas seja o que o Supremo Arquitecto quiser. Há num filme de John Huston, The Man Who Would Be King [O Homem que Queria Ser Rei], uma história em que a maçonaria tem um papel. Kipling, o autor da história inicial e personagem do filme, encontra-se com dois trapaceiros ambiciosos e aventureiros, representados por Sean Connery e Michael Caine, que apelam à sua ajuda com base na fraternidade maçónica. Eles querem ir para ao Kafiristão e serem aí reis dos ingénuos mas ferozes autóctones, coisa que conseguem também pelo facto de um deles usar um colar com um símbolo maçónico que correspondia a uma velha tradição religiosa inaugurada por Alexandre, o Grande, cujo desenho iniciático só era conhecido por um Supremo Sacerdote.
Na verdade, o que eles queriam era poder, dinheiro e mulheres, mas o poder, o dinheiro e as mulheres subiram-lhes à cabeça e a história acaba mal para os dois, quando se verifica que eram meros humanos e não deuses. Também por cá a protecção maçónica, a discrição e o segredo que a cobrem acabarão por se gastar, como está a acontecer por estes dias. No fundo, isto é Portugal e em Portugal nunca há segredos que durem muito. E pode ser que o Supremo Arquitecto também abata os seus falsos pedreiros. Pode ser, não é certo, mas pode ser.