Arquivo de Categorias: Atualidade

Lugar da propaganda e importância do argumento

Um dos venenos que sustenta a extrema-direita populista, bem como os setores que com ela contemporizam, é o desprezo pelo argumento. Por cerca de dois séculos contados a partir das grandes transformações associadas à Revolução Francesa, ou por ela despertadas, a atividade política que alimentou os regimes liberais e democráticos serviu-se justamente desse meio como instrumento essencial do trabalho de disseminação entre os cidadãos das propostas de governo ou de transformação que lhe estavam na matriz. Não que durante todo esse tempo não existissem formas de persuasão que, para se afirmarem, apelavam de forma simplificada ao instinto e ao medo, sobretudo destinadas a mobilizar a população iletrada ou mais frágil, mas essa era a exceção, não a regra. 

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    Polícia: ainda que mal pergunte

    Na pele de sujeito diariamente empenhado na vida da ‘civitas’, apesar de não poder ficar indiferente às movimentações reivindicativas da polícia, admito que, sabendo da forma como estas estão hoje a ser instrumentalizadas pela direita – e mesmo considerando a justeza de algumas das suas reivindicações materiais – tenho procurado não olhar muito para as imagens que delas nos chegam. Fi-lo ontem e o que vi apenas confirmou aquilo que já sabia e, para não me incomodar, fazia por evitá-lo.

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      A perigosa ascensão do Chega

      A sondagem que acaba de ser divulgada esta sexta-feira, realizada pelo ISCRE/ICS para a SIC e para o Expresso, oferece números bastante impressionantes, quer sobre a previsível subida da extrema-direita do Chega, que atinge já os 21% das intenções de voto, contra 29% do PS e 27% da coligação PSD-CDS, quer sobre a possível descida global da esquerda à esquerda dos socialistas, que junta apenas 9% (com 5% do BE, 3% do PCP e 1% do Livre). À parte, a Iniciativa liberal, assumidamente de direita, reúne 5%, enquanto o PAN, que não se percebe bem se é carne ou peixe, mantém-se em 1%. São apenas indicadores, naturalmente, e há uma campanha pela frente, mas exprimem uma tendência muito preocupante, traduzida numa alteração visível de boa parte do mapa político que tem acompanhado a nossa democracia.

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        Defender a democracia com a história e com a lei

        Debate-se neste momento na Alemanha a hipótese de ilegalizar a Alternativa para a Alemanha (AfD), partido populista de extrema-direita que possui já forte representação no Bundestag e praticamente todas as sondagens colocam em segundo lugar nas próximas legislativas e estaduais, com cerca de 25% dos votos. Poderá mesmo vencer em estados mais orientais, como o da Turíngia. Entre outras medidas, a AfD propõe-se combater a imigração e sair da zona do euro, impondo ainda uma acentuada política de «germanização» do país e de aproximação à Rússia. Ao mesmo tempo, esteve há pouco envolvida num plano destinado, se chegar ao poder, a expatriar para um país africano não especificado um número indefinido de cidadãos «não assimilados», incluindo quem detenha já passaporte alemão ou direitos de residência.

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          O Chega e a «república dos brutos»

          Quando surgiu, o partido Chega foi por muitos considerado apenas um irritante epifenómeno da nossa democracia, algo que nunca passaria de um grupo de saudosos do antigo regime, ocasionalmente reunidos em redor de um fala-barato oportunista, que aproveitava a voga internacional do populismo internacional para dar voz a uma extrema-direita que, no fundo, não se acreditava poder ganhar grande peso no país de Abril. Nesta altura, o seu inegável crescimento, com a generalidade das sondagens a atribuir-lhe um mínimo de 14 ou 15% dos votos nas legislativas de março – não sendo impensável que possa ainda crescer mais desviando muitos votantes do PSD – mostra que aquele olhar inicial era afinal bastante ingénuo.

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            O «clubismo» partidário, mal da democracia 

            A menos de dois meses das eleições legislativas, é boa altura para lembrar um dos males que ensombram este momento fulcral da vida das democracias representativas. Traduz a tendência para grande número de eleitores exercer o seu direito sem um conhecimento minimamente razoável dos programas e dos objetivos que lhe são propostos, sejam os do partido no qual habitualmente vota, sejam os daqueles que podem servir-lhe de alternativa ou de termo comparativo. Esta situação é agravada por um fenómeno análogo que ocorre em sentido inverso: a tendência dos partidos em disputa para simplificar em excesso as suas propostas e os seus discursos, procurando que estes sejam reconhecidos sem esforço pela ampla massa de cidadãos que não tem um efetivo interesse pelo debate político.

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              Dois princípios para dois meses

              Ultrapassado o período do Natal e do novo ano, no qual boa parte das pessoas presta pouca atenção a tudo o que vai para além do seu círculo pessoal e familiar, entramos agora, aqui em Portugal, nos cerca de dois meses que nos vão levar às eleições legislativas antecipadas. Partilharei regularmente aqui o que me parecer poder ter algum interesse público. Para já, refiro apenas dois princípios sobre os quais tenho já poucas dúvidas.

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                Vai doer como o diabo, mas é indispensável

                Estamos a viver um período particularmente difícil e sangrento desse longo e dramático conflito que desde os finais do século XIX, e em especial a partir de 1946, tem como campo de batalha Israel e a Palestina, com reflexos imediatos nos países árabes da região, sobretudo no Líbano, na Jordânia e no Egito, e incessantes ondas de choque que atingem o mundo inteiro. Estas têm sido muito ampliadas na guerra iniciada a 7 de outubro com a ofensiva-surpresa dos grupos Hamas e Jihad Islâmica, apoiados pelo Irão, lançada a partir da Faixa de Gaza contra os colonatos judaicos, algumas cidades israelitas próximas e instalações militares.

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                  A hipocrisia de um certo discurso «da paz»

                  Imersos em experiências e práticas culturais profundamente influenciadas pelos valores essenciais do cristianismo, sendo ou não crentes crescemos confrontados com o versículo do Evangelho de São Lucas «Paz na Terra entre os homens de boa vontade», que dá o mote, em particular nesta altura do ano, a uma retórica generalizada de rejeição da guerra e de louvor da paz. Porém, a frase exprime uma contradição nos seus termos ao diferenciar os seres humanos que considera «de boa vontade» dos demais. Aliás, judaísmo, cristianismo e islamismo, as religiões do Livro, integram na sua experiência histórica palavras de aprovação da violência quando esta castiga quem abandone ou combata a «verdadeira» fé.

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                    Importância da crítica e pobreza do proselitismo

                    Em mais de quatro décadas como professor universitário, insisti sempre num princípio de pedagogia que julgo fundamental. Referia-o logo no primeiro dia em todas as aulas e seminários: muito mais do que armazenar conhecimento, importa o desenvolvimento da capacidade crítica. Juntando logo que, ao contrário do proclamado pelo senso comum, criticar não significa «dizer mal», ou ser-se acintoso com alguém de quem discordamos, mas exprimir convictamente uma dúvida ou hipótese alternativa destinada a abrir perspetivas dinâmicas e a impedir que alguma teoria ou interpretação possa ser tomada como indiscutível e definitiva.

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                      A cidadania entre a responsabilidade e a cobardia 

                      O historiador britânico Tony Judt publicou em 1998 um estudo, O Peso da Responsabilidade, entretanto traduzido pelas Edições 70 (com introdução minha), que deveria ser de leitura obrigatória em cursos de história contemporânea, ciência política, sociologia ou jornalismo. O título condensa de forma perfeita a proposta do autor: partir da vida e da obra de três pensadores franceses com grande impacto público no seu tempo para mostrar de que forma, embora fossem pessoas com percursos, convicções e atitudes bem diferentes, coincidiram no entendimento do seu papel de intelectuais de perfil público como instrumento vital da cidadania. 

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                        Duas posições contra a paz

                        O apelo, feitos por muitas pessoas que se têm manifestado a seu favor, à existência de um Estado palestiniano «do rio até ao mar», isto é, do Jordão ao Mediterrâneo, significa apoiar o fim do Estado de Israel e a inversão da condição de pária do povo palestiniano para o judeu. Ela nega, no fundo, a única solução possível, embora difícil, para a martirizada região e para os povos que a habitam: a existência de dois Estados independentes, política e economicamente viáveis, pacíficos e que, um dia, poderão até colaborar.

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                          O inaceitável cerco ao PS

                          Que fique muito claro: tendo muitíssimas pessoas amigas, ou que admiro, seja pelo que fazem ou apenas como seres humanos, na condição de militantes, de simpatizantes ou de votantes do Partido Socialista, sempre mantive em relação a este uma razoável distância crítica. Apenas por uma vez votei PS nas legislativas, jamais o fiz nas autárquicas e, nas presidenciais, só coincidimos no apoio dado a Mário Soares e depois a Jorge Sampaio. Afora estas ocasiões, somente em algumas importantes campanhas cívicas nos aproximámos.

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                            O próximo cenário

                            A decisão do PR no sentido de dissolver a Assembleia da República e convocar eleições não foi a melhor solução. Todavia, foi tomada em termos menos gravosos do que se chegou a supor, dado permitir a aprovação do Orçamento de Estado para 2024 e apontar para uma data eleitoral, 10 de março, suficientemente distante para deixar que o Partido Socialista se recomponha politicamente com nova liderança e uma linha política necessariamente revista. Se o não tivesse feito, deixaria por certo mais satisfeitos os partidos da direita e da extrema-direita que, com o apoio de uma comunicação social maioritariamente sensacionalista e manipuladora, por certo cavalgariam o ruído causado pelo estranho caso que forçou António Costa a pedir a demissão, condicionando desse modo a reflexão serena e a clara enunciação de propostas que as eleições legislativas sempre requerem.

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                              A crise e o escrutínio

                              1. É imprudente, e apenas resultado da ambição de poder ou de cegueira política, exigir eleições antecipadas neste momento. João Miguel Tavares, de quem habitualmente divirjo (e muito), explica porquê: o PS detém uma maioria absoluta no Parlamento; existe uma altíssima probabilidade de as próximas eleições virem a produzir uma solução governativa muito mais instável do que a actual; o PRR, com um Governo em gestão e meses de campanha eleitoral, poderá nunca vir a ser executado na totalidade; a TAP e o aeroporto ficarão congelados; a entrada em vigor do Orçamento do Estado será posta em causa; o PS não terá tempo para assimilar o que lhe aconteceu; e o PSD e a comunicação social não terão tempo para escrutinar Luís Montenegro e a sua equipa.

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                                António Costa

                                Em especial nos tempos mais próximos, discordei de algumas opções políticas e de certas escolhas processuais de António Costa. Penso que essa usura do poder que, em regra, ao fim de um certo tempo vai afastando quem governa de quem é governado, por alguns tomada como inevitável, o foi afetando também. Não esqueço, todavia, o que lhe devo como a pessoa que em primeiro lugar, num gesto de ousadia política, nos libertou do governo de direita Passos-Portas-Troika, e do estado de empobrecimento e de depressão coletiva em que este desgraçado trio tinha mergulhado o país. Perante as circunstâncias – que mais parecem configurar uma espécie ‘sui generis’ de golpe de Estado – compreendo que não tivesse outra solução além daquela que escolheu, mas como não sou ingrato ou esquecido, nesta hora de despedida agradeço-lhe ter-nos devolvido o país. [Originalmente no Facebook]

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                                  Essa palavra «vingança»

                                  Não existe palavra mais rude que «vingança». Ela traduz a resposta a uma afronta com outra afronta, mesmo quando não está na nossa índole fazê-lo. Pelo início do século XVII, o filósofo Francis Bacon descreveu-a como «justiça selvagem», capaz de «ofender a lei e atirá-la para a rua». Pode ter uma dimensão pessoal, mas a sua modalidade mais imoderada é a de grupo, pois aqui não é pontual, funcionando por meio de de ciclos longos de desafio e retaliação, realizados por famílias e clãs, ou por tribos e etnias, muitas vezes sob a forma de «vendeta de sangue». Pode também ser lançada por setores animados por doutrinas intransigentes de teor religioso, filosófico ou político, em larga medida dinamizadas pela ira e pelo ódio a quem as procure contrariar. 

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                                    O tal mapa de 1947

                                    A propósito do mapa da Palestina que anda por aí a ser reproduzido, datado de 1947, um ano antes da fundação do Estado de Israel, destinado a «provar» que não existia ali nenhum território chamado Israel. Desde já, isto não é verdadeiro, pois a designação existe na região há pelo menos três mil e trezentos anos. O primeiro registo histórico do termo Israel surge na Estela de Merneptá, documento epigráfico que celebra as vitórias militares do faraó Merneptá, datado do final do século XIII a.C. Depois, os judeus nunca deixaram de habitar a região, apesar de terem recomeçado a afluir em maior quantidade sensivelmente a partir de 1850, e mais ainda após o Holocausto. Depois ainda, toda aquela região, no mapa genericamente designada Palestina – na origem «terra dos filisteus» -, é uma manta de retalhos cultural, política, linguística e religiosa, combinada com traços comuns a todos os povos, incluindo judeus e palestinianos. Israel é também plural, apesar dos esforços dos conservadores belicistas e da extrema-direita sionista para o impedir. Finalmente, e para não cansar: imediatamente antes da independência de Israel o território, que havia sido controlado durante séculos pelo Império Otomano, era-o pela Grã-Bretanha. Situação colonial que se vivia na data do tal mapa. Quando não sabemos ou não queremos saber, um direito que nos assiste, o melhor é não falarmos à toa.
                                    [Originalmente no Facebook]

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