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«Vanguardas» na retaguarda

No campo da criação artística e literária, ou no das ideias políticas e filosóficas, a intervenção das vanguardas é fundamental para a afirmação do novo que sempre acompanha a abertura de caminhos em direções não experimentadas e fecundas. A palavra vanguarda vem, aliás, da antiga literatura militar, servindo noutros séculos para identificar o pequeno e móvel corpo de batedores que se movia muito à frente dos exércitos, reconhecendo os terrenos por onde seguiria depois o grosso das tropas ou onde se travaria a batalha, e identificando o tamanho, a capacidade e a disposição do inimigo.

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    A barragem da banha-de-cobra

    Lembrar-se-ão alguns dos velhos vendedores da banha-de-cobra, ou de cobertores e de atoalhados, hoje já raros por cá, cuja principal técnica publicitária consistia, depois de equilibrados em cima de uma cadeira que traziam na carrinha, e com ou sem o auxílio de um altifalante, em bombardear as pessoas que circulavam por feiras e mercados com uma barragem de palavras projetadas a mil à hora. Alguns cidadãos deixavam-se seduzir por tanto palavreado, e lá compravam um frasco, um boião ou um conjunto de peças. Um amigo aqui do Facebook – que me desculpe não o identificar, mas já não me consigo recordar de quem foi – divulgou hoje um exercício interessante feito a partir do debate que opôs André Ventura a Rui Tavares.

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      Uma leitura simplista

      Como muitas pessoas que conheço, também «pus a rodar» na Netflix o filme Não Olhem para Cima (Don’t Look Up), de Adam McKay. Confesso que dos 145 minutos que dura, terei visto pouco mais de 30, e por este motivo – sem ser como aqueles críticos que de um livro que avaliam apenas leram o primeiro capítulo e a contracapa – não irei fazer aqui qualquer comentário. Tendo encontrado alguma originalidade no argumento não vi mais apenas porque ela não foi suficiente para conter o aborrecimento que fui sentindo. E eu jamais leio um livro, oiço um disco ou vejo um filme apenas por sacrifício. Pode ser que a minha perspetiva tenha resultado de um estado de espírito circunstancial, pelo que conto dar ainda uma nova oportunidade ao filme.

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        Blá-blá-blá, «na minha opinião»

        Palavras e frases entram e desaparecem, como bordões da fala, de acordo com diferentes tendências ou modismos. Ao facultar exemplos, a comunicação social, em especial a televisão, tornou este processo, mais constante e célere do que ocorria em passados mais distantes. Entretanto, quem tem a profissão de professor tem a sorte (algumas vezes, também o azar) de perceber melhor esta transformação, pois os seus alunos são um bom indicador das palavras ou das frases que estão em voga, bem como daquelas que estão a desaparecer ou de todo eles já não usam. Por vezes, isto já me aconteceu em alguns momentos, o próprio professor adquire aquele tique e, sem dar por isso, de repente já o está a usar, colaborando na sua disseminação. Outras vezes é forçado a mudar para ser plenamente entendido. Não vejo nada de mal nesta tendência, que apenas torna mais veloz o processo infinito e constante de metamorfose das línguas. Aliás, língua alguma, salvo aquelas julgadas mortas, escapa a essa dinâmica, por muito que alguns puristas procurem evitá-lo ou disfarçá-lo com normas excessivamente rígidas.

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          30 anos (29 para mim) de Internet

          O Público lembra hoje um importante ponto de viragem: «Portugal passou a estar plenamente integrado na Internet há precisamente 30 anos. Foi em Dezembro de 1991, graças a uma ligação entre Lisboa e Amesterdão, e à delegação e controlo do domínio .PT em entidades portuguesas. E foi fruto da persistência de cientistas portugueses que acreditavam que a solução ideal para uma futura rede mundial de computadores passava pela tecnologia IP (Internet Protocol), que nascera nos EUA. Desde então, muita coisa mudou – tanto no país como também na rede.»

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            O horrível plural majestático

            Admito que se trata de implicação. É-me insuportável ler textos que se sirvam do plural majestático, o recurso estilístico que tende a tornar comum o que na realidade é pessoal. Foi e é atributo de reis e rainhas, ou de pessoas da alta nobreza, que assim procuram assimilar a sua vontade à do povo que superiormente pretendem representar e dirigir. A locução serve-se com frequência uma exceção gramatical que articula plural e singular: «nós fomos recebida/o». Tem vindo, no entanto, a ser abandonada. Em 1989, a antiga primeira-ministra britânica Margaret Thatcher foi ridicularizada pela imprensa quando usou o plural majestático para anunciar que se tornara avó. O papa João Paulo II colocou um ponto final na sua utilização nos discursos públicos, embora o uso da fórmula permaneça ainda em muitos dos escritos oficiais da Igreja católica.

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              Razão ao Livre

              Talvez isto possa parecer, ou ser mesmo, um tanto pretensioso, mas existirá por aí quem me conheça um pouco e lhe reconheça algo de verdadeiro. Jamais pauto posições públicas que possa exprimir apenas por critérios de amizade, de proximidade ou de conformidade a uma norma ou a um programa, seja com pessoas ou com entidades coletivas, incluindo-se nestas instituições, partidos, movimentos e causas. Se considero certa e necessária uma escolha ou uma campanha, e a minha palavra não for contraproducente para elas, digo o que penso sem qualquer problema. Se for injusta e for preciso contrariá-la, a mesma coisa.

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                Escrever muito e seguir em frente

                Sempre tive grande admiração, e também alguma inveja, pelas pessoas muito jovens que escrevem de forma perfeita. Conheci várias, em particular um amigo morto, que antes dos dezoito era já capaz de escrever três mil caracteres sem a necessidade de rasurar uma palavra ou de acertar uma concordância. Já eu, com quem ele partilhava tarefas militantes que passavam pela escrita, precisava de sucessivas emendas para ter um texto em condições de ser lido por outras pessoas. Nunca deixei de manter esse trabalho de detalhe e até nas redes sociais jamais escrevo três linhas sem alterar alguma coisa mais que uma vez.

                Escrevendo em géneros diferentes, em todos conservo essa prática, e é por isso que estou sempre a ver textos por mim produzidos há dez, vinte ou quarenta anos que hoje olho com distância ou gostaria de retirar do mercado. Tenho a certeza de que sempre manterei essa luta insana, algumas vezes obsessiva, pela impossível perfeição. Por ela sei que as águias da escrita que conheci tão novas eram afinal exceções, e que a maioria é, como eu, sobretudo um operário desse labor. Dando-se todos os dias ao esforço de escrever muito, de ler mais para aprender, e de seguir em frente sem temer pelo inevitável defeito.

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                  Utopias que geram distopias

                  Um dos problemas da produção daquelas utopias que se supõe conceberem, nos planos literário ou filosófico, modelos de sociedades tomadas como perfeitas, é que tendem a tornar-se distopias. De um não-lugar imaginado como equilibrado, justo e feliz para um espaço social de opressão, desespero e privação. Infelizmente, a história, sobretudo a do século XX, está cheia de exemplos desta natureza, remetendo para experiências onde o horror foi antecedido por uma expectativa de perfeição. Na verdade, a «mãe de todos as utopias», proposta por Thomas More, em 1516, na obra que deu o nome a todo um género, contém já de si a semente desse horror, uma vez que propõe como perfeita uma sociedade, em boa parte inspirada na vida monástica, onde, em nome da igualdade, não há lugar para a liberdade individual e todos os gestos são ferreamente legislados e impostos. Sendo tal concebido, como sabe quem leu a obra, em nome de uma proposta humanista de superação das iniquidades do mundo, e em particular as da Inglaterra da época do autor. Um ideal de bem transformado em fonte do mal.

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                    Declaração de leveza e de liberdade

                    Desde o historicamente trágico desastre ocorrido em março de 2011 na Assembleia da República, com a entrega de mão beijada, com as consequências que sabemos e depressa pudemos sentir, do poder à dupla Passos e Portas, e ao longo de toda a última década, tenho procurado que a minha leitura opinativa da atividade da esquerda parlamentar portuguesa de modo algum belisque a possibilidade de, na diferença, esta se entender naquilo que é realmente importante para a maioria das pessoas. Ou seja, a democracia, o bem-estar, o desenvolvimento, a solidariedade social, a cultura e os direitos humanos. Tendo esse entendimento sempre como condição imperativa o afastamento da área da governação da dinossáurica direita lusa, adepta cega e contumaz do neoliberalismo e inimiga jurada de um Estado social regulador e protetor.

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                      A conversa e o monólogo

                      Como escrevi ontem e agora reafirmo, não irei argumentar mais – com outras pessoas ou mesmo sozinho – a propósito do tremendo e grave erro político do Bloco e do PCP. A partir de certa altura, já estamos a falar em círculo, ou como surdos, o que a nada mais leva que não seja a levantar demasiado a voz e a um desgaste. Acrescento apenas, em forma de síntese, que as legítimas reivindicações adiantadas por ambos os partidos – não vamos agora debater se, no conjunto, seriam exequíveis sem se cortar em outras rubricas do orçamento – jamais justificariam juntarem-se à direita e à extrema-direita para fazerem cair o atual governo. Tiveram sempre a possibilidade, que a maioria dos seus eleitores por certo aceitaria (fui um deles), de se absterem na votação, continuando a negociar. É esse o ponto. Aliás, o argumento de que se fez o que se fez porque o PS pretendia eleições e a maioria absoluta é, no contexto, inteiramente absurdo, pois será justamente isso a que ambos abriram a porta.

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                        Equivocados

                        Deparo nas redes sociais com posts de amigos do Bloco e do PCP, para quem a fé move montanhas, que entre artifícios de demagogia e malabarismo se esforçam por mostrar que os problemas criados com a votação do Orçamento ao lado da direita e da extrema-direita são praticamente inexistentes. Quanto muito, serão um mal que vem por bem. Para eles, o que aconteceu a 27 de outubro foi pois da exclusiva responsabilidade do PS, esse partido «de direita» que «só pretendia eleições antecipadas» (sic). Além disso, os inúmeros apoiantes e votantes seus que se estão a mostrar incrédulos, indignados e desiludidos – bem mais do Bloco que do PCP, por razões sociológicas e políticas conhecidas – não estarão é a entender patavina da estratégia aplicada. Nas palavras desses amigos, o crescimento eleitoral será mais que seguro e tudo se irá resolver lá para janeiro, pelo que a história os absolverá. Quem não perceba isto só pode ser gente de má-fé, pouco inteligente ou crédula. Tudo isto é triste e tudo isto existe, embora não seja fado.

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                          O desastre anunciado

                          Podemos estar a viver um desastre anunciado, relacionado com uma forma redutora de fazer política. Na sua aceção mais básica, esta é, desde a antiga Grécia, a arte de participar na governação da comunidade. Visa o todo, não a parte, e o que em democracia separa os partidos com vocação de governo daqueles que se décadas a fio se limitam a uma atitude protestativa ou de representação de setores minoritários, é justamente a capacidade que têm para considerar uma ampla diversidade de interesses na definição das suas estratégias e das suas campanhas. 

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                            Exercícios de estilo

                            Tenho dito e escrito isto em diversos lugares e diferentes momentos: aquilo de que mais gosto quando leio um texto de não-ficção (alguns de ficção também) é de pensamento complexo expresso de forma clara e razoavelmente transparente. É claro que quando falo de pensamento complexo não me refiro a juízos crípticos, mas a raciocínios que não são meramente lineares, de mera causa-efeito. E que quando falo de formulações claras, não estou a falar de discursos simplórios, expectáveis e cravados de clichés.

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                              Menos que uma canção de embalar

                              Qualquer força política, para não ser um irrelevante conjunto de homens e de mulheres agrupados à volta de uma sigla, de uma bandeira e de um programa mínimo, para ser mais que um mero instrumento na partilha dos poderes, e sobretudo para ter alguma utilidade na organização do quotidiano das sociedades democráticas, precisa conciliar e aplicar dois fatores tão críticos quanto decisivos. O primeiro prende-se diretamente com os interesses materiais dos indivíduos e dos grupos, o que significa atender aos vários processos reivindicativos e fazer-se porta-voz destes, seja qual for a dimensão em que se coloquem: regalias, condições, direitos, garantias, expetativas e afins. O segundo fator prende-se com a gestão das sociedades a médio prazo ou a perspetiva proposta para o seu desenvolvimento, bem como com os caminhos para a produção de um futuro coletivo e para o desenho que este possa tomar. Ambos os fatores são imprescindíveis, mas apenas pesam e têm consequências se forem combinados. 

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                                Gil, Caetano e a Internet

                                Em 1996, Gilberto Gil cantava entusiasta «Eu quero entrar na rede / Pra manter o debate / Juntar via Internet / Um grupo de tietes de Connecticut». E mais adiante: «Quero entrar na rede pra contactar / Os lares do Nepal, os bares do Gabão». Há vinte e cinco anos eram muitos, entre os otimistas e atentos à mudança, aqueles que partilhavam uma relação confiante com a Internet como ferramenta de conhecimento e informação, mas também como veículo de democracia e da luta social. Já em «Anjos Tronchos», tema agora lançado, Caetano Veloso proclama sombrio: «Agora a minha história é um denso algoritmo / Que vende venda a vendedores reais / Neurônios meus ganharam novo outro ritmo /E mais, e mais, e mais, e mais, e mais», lembrando que, «vindo desses que vivem no escuro em plena luz (…) um post vil poderá matar».

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                                  Gramática das gerações

                                  Todos temos a noção da existência de declives, ou mesmo de despenhadeiros, entre o que vulgarmente chamamos gerações. Os historiadores sabem-no ainda melhor, dado que, para além da perceção empírica comum a toda a gente, desenvolvem todos os dias um trabalho de compreensão mais alargado, comparativo e situado numa escala longa do tempo. Conhecem bem, a par sobretudo dos sociólogos e dos antropólogos, o modo como esta transformação sofre hoje uma espécie de expansão geométrica, conduzindo esta a que o que se designa «salto geracional» seja cada vez mais curto. O que outrora demorava milénios a mudar, passou a levar séculos, depois décadas, mais recentemente apenas alguns anos, cada vez menos.

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                                    Apontamento quase autobiográfico

                                    Com algum trabalho de memória para fixar a data, creio poder dizer com segurança que desde 1966 pertenço à grande família política da esquerda. Ainda que de início essa ligação envolvesse mais uma difusa consciência de pertença, nascida num rapaz que estava a começar a quebrar os laços com a sua fé e com a autoridade incontestada, que de um empenho consistente, para o qual, aliás, não tinha idade, experiência, contactos ou leituras. O grande momento de viragem foi, disso já de há muito tenho a certeza, duplamente vivido no ano de 1968, com os acontecimentos de Paris e de Praga, determinantes para perspetivas e escolhas que me moldariam para sempre. De seguida, passando pelos anos rápidos e intensos do marcelismo e da Revolução de Abril, e depois sensivelmente até 1981, foi um trajeto heterodoxo, com uma fase inicial libertária e radical, de seguida mais organizada e razoavelmente consistente.

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