Arquivo de Categorias: Apontamentos

Nova paisagem, o combate de sempre

Ninguém no seu juízo pode avaliar a agonia que atravessamos numa lógica de otimismo. Pelo que estamos a viver, pela impossibilidade de estabelecer metas temporais para as etapas que se seguem, e sobretudo pela certeza de que nada mais será como dantes. É impossível, salvo entre pessoas tolas, ignorantes ou escravizadas por dogmas, conceber a vida futura como exatamente igual àquela que abandonámos há cerca de um mês. Algumas práticas voltarão a ser o que eram, ainda que adaptadas – não é concebível, por exemplo, regressar a cafés e restaurantes fechados em que toda a gente se acotovela – mas outras surgirão, inteiramente novas ou herdeiras daquelas que temos vindo a testar. Velhas formas da vida social, processos tradicionais de trabalho, modos e ritmos do divertimento, até a vida pessoal e familiar, irão mudar, mais ou menos lentamente, de forma mais ou menos profunda, mas irreversivel.

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    Ficção e realidade da catástrofe

    A ficção pós-apocalíptica é produzida sobre paisagens de mundos que num dado momento colapsaram. Propõe sempre uma dupla tensão: entre a consciência do fim de um tempo, associado a uma ideia de felicidade perdida, e a necessidade humana de sobreviver às consequências da devastação, promovendo um reinício. Este configura uma nova realidade, não uma reprodução do passado. Neste processo desenvolve-se uma consciência dos erros ocorridos, associada a uma mudança radical dos comportamentos individuais e coletivos. Era esse já o sentido tomado pela narrativa bíblica, incluída no Génesis, sobre Noé e a sua arca, salvos da destruição diluviana de uma civilização sacrílega para fazerem emergir uma sociedade nova e que se pretendia retificada. Em Waterworld, o filme de Kevin Reynolds, de 1995, deparamos com o mesmo cenário de um planeta submergido e de uma espécie humana sobrevivente, com a agravante de a vida ser aqui a de uma guerra feroz de todos contra todos pelo domínio dos raros territórios firmes.

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      Hipóteses para um futuro próximo

      Acabo de ser ouvido por um jornal francês independente, o Médiapart, que está a tentar perceber as condições de sobrevivência em Portugal, no pós-crise do Covid-19, de um governo que continue a ser apoiado pela esquerda parlamentar. O jornal decidiu escutar o que pessoas diferentes situadas na grande área da esquerda têm a dizer sobre o assunto. Numa altura destas, tudo aquilo que possa adiantar-se sobre o tema será sempre em larga medida especulativo – e desabará completamente se a crise durar muitos meses – mas ensaiei algumas semi-certezas sobre as hipóteses de continuidade de uma governação à esquerda.

      Esta incluirá forçosamente acordos sobre a manutenção das políticas de rendimentos em contexto de recessão, o caráter intocável dos direitos adquiridos, um foco no investimento público como instrumento de dinamização da economia, apoios sociais aos setores mais afetados pela crise (sobretudo desempregados e precários), atenção positiva às políticas de imigração, apoio ativo ao mercado interno. E uma política externa maleável e afirmativa no contexto europeu, sem a qual nenhum dos anteriores fatores terá grande sustentabilidade. Nada de novo e que não tenha sido já dito, mas que por vezes dá algum jeito sistematizar.

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        Narcisos à força

        Ao fim de três semanas a olhar o próprio rosto nos vídeos das aulas que tenho andado a gravar, comecei a detetar algumas alterações. Primeiro um preenchimento excessivo do espaço visível, resultante do quase inevitável acréscimo de peso, mas pouco depois algo pior. Passei a notar uma tensão, um congestionamento, mesmo um olhar que não conhecia em mim. Sabemos como em momentos de tensão isto pode acontecer. Falando da sua memória do limite dos limites, em ‘Se isto é um homem’ Primo Levi contou como ao fim de apenas dois dias em Auschwitz, vendo por acaso o seu rosto refletido numa vidraça, foi incapaz de se reconhecer.

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          Males que vêm por bem

          É bem conhecida a forma como a atividade nas redes sociais tem tanto de positivo e de construtivo quanto de incómodo ou de prejudicial. Tende a reproduzir em meio virtual as relações sociais tradicionais, desenvolvidas em meio físico, adicionando-lhes uma forte capacidade para dar voz a quem habitualmente a não tem, permitindo que todos possam transmitir rapidamente o que pensam. Isto conduz a frequentes imprudências, dizendo-se o que talvez não devesse ser dito ou que poderia ter sido melhor ponderado. Este apontamento não toma esse sentido negativo, mas poderá tornar-se pouco simpático.

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            Pandemia e trauma

            Apenas passaram dez dias sobre a declaração do estado de emergência e a passagem da nossa vida quotidiana para um novo patamar de reserva e de cuidado. A maior e a mais generalizada preocupação é com a saúde física dos cidadãos e a capacidade coletiva para conter o mais possível a expansão da pandemia e os seus resultados nefastos. Com ela em mente, temos vindo a adaptar as nossas vidas à situação de confinamento doméstico, a novos processos de trabalho e a cuidados particulares no convívio diário com os outros.

            De vez em quando, comentamos a forma como tudo isto – em particular no que respeita à vivência do medo, da solidão ou da perturbação das rotinas – nos está a incomodar também no plano psicológico. Mas quase todos parecemos confiantes a este respeito, permitindo-nos até fazer algumas piadas sobre o assunto. «Vamos todos pirar» dizemos uns aos outros, nos raros encontros de rua ou de hipermercado, à distância do interlocutor de dois ou três seguros metros .

            Todavia, todo este regime está para durar bastante, eventualmente com agravamentos, e quando pensamos nesta hipótese diminui rapidamente a nossa vontade de rir. Poderemos estar mais um, dois, três, quatro meses nesta situação e ninguém pode prever para já como sobreviveremos e dela sairemos no plano da saúde mental. Será por isso importante que as autoridades e as pessoas do conhecimento psi possam começar desde já a refletir sobre o problema, concebendo estratégias para suavizar o inevitável trauma e o prolongado efeito pós-traumático.

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              Os «outros»

              É muito fácil ser-se egoísta por estes dias de medo e flagelo. Pensar apenas em nós, depois nos nossos, talvez um pouco e só bem depois nos outros. E quanto mais «outros» estes forem, menos nos importarão, mais invisíveis se tornam para nós e para as câmaras que trazem a realidade às nossas casas. Em contexto de catástrofe para a qual ninguém estava preparado, é fácil fazer exigências. Como faz quem de microfone nas mãos ocupa o seu tempo a queixar-se da incapacidade para fazer testes de despiste a quem o deseje, quando deveria saber que não existe um único Estado que o tenha podido fazer. E só um declarou até agora contar consegui-lo a curto prazo: a Islândia, que é uma ilha e tem apenas 370.000 habitantes.

              Mas tão necessário e ainda mais urgente é pensar nesses «outros», nos distantes: os mais pobres, os sem-abrigo, os sem informação e que não entendem o que está a acontecer, os que vivem apinhados em bairros miseráveis, os trabalhadores despedidos ou que continuam a trabalhar para que a vida prossiga, os prisioneiros esquecidos dos familiares. Pior, muito pior: a larga maioria da população da África, da Índia ou do Paquistão, da América Latina fora dos espaços mais protegidos, onde a pandemia está a chegar e que, sem sistema de saúde, com débeis condições de higiene e um Estado eficaz, provavelmente irá morrer aos milhões. Não esquecendo os refugiados, ainda mais abandonados. Ao pé desses «outros», o nosso sofrimento será quase uma benção.

              [Originalmente no Facebook]

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                O vírus e nós

                Já em 1947 se falava em A Peste sobre o modo como a vivência coletiva de uma calamidade cujo controlo escapa, em boa medida, à capacidade de previsão e à autonomia da intervenção humana, acaba sempre por transformar todos aqueles que a experimentam. «Aprendemos sempre no meio dos flagelos», escreve Camus a dado passo do romance. Confirmando estas palavras, estes dias têm sido ilustrativos, mostrando como, perante o medo ou o perigo, o instinto de sobrevivência em muito facilita uma alteração dos hábitos que em circunstâncias normais seria recusada. Revela também a diferença entre quem assume sentimentos de humanidade e de solidariedade, aceitando a partilha do risco e da salvação, e quem se refugia num egoísmo ou numa ausência de cuidado para com os demais que nestas ocasiões ainda se torna mais chocante e deplorável. Há também quem facilmente caia em pânico e se entregue a iniciativas irracionais ou a teorias da conspiração, que em nada ajudam a vida comum. Para estes mais dificilmente haverá remédio, apesar, como Camus igualmente lembrou no romance, de dificilmente «a peste chegar e partir sem que o coração dos homens se altere».

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                  Ser Radical (muito barulho para nada)

                  Rejeito de todo a conversa dos setores que, principalmente à esquerda do espectro político, desde sempre desvalorizam, ou contestam mesmo de forma bastante violenta, o que se chama de «luta radical». Falo do campo do combate social, protagonizado geralmente por minorias, que aponta para metas de natureza utópica e desenvolve práticas mais extremas, situadas muito acima do estado médio de consciência do cidadão comum. Não o faço por ter passado uma parte importante da minha vida profundamente imerso nesse território social, pois, apesar de hoje ter dele uma perspetiva crítica, de modo algum enjeito o género de experiência, em regra intenso e indelével, que representa.

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                    A praga dos «achistas»

                    Contra os «achismos» não existem argumentos que valham. Eles não podem ser colocados à discussão, pois não se servem de dados objetivos ou de raciocínios lógicos. Resultam apenas de «teorias» criadas por alguém, unicamente com base nas suas próprias opiniões e intenções, sem qualquer tipo de fundamentação concreta ou de justificativa. São praticados por pessoas que desconhecem a natureza de determinados assuntos, mas que fazem questão de sobre eles produzirem supostas explicações, tendo em consideração apenas o que mais ou menos empiricamente «acham» a seu propósito. Têm a certeza absoluta do que não fazem a menor ideia. Recusando-se a obter informações fidedignas sobre o tema em causa – ou sequer a tomar como meras hipóteses aquilo que encaram como absolutas certezas – contribuem pesadamente para espalhar rumores, incertezas ou conteúdos falsos. Ou para bloquearem de todo qualquer debate a sério, uma vez que ninguém consegue conversar de forma decente com «achistas». Todavia, existem por todo o lado, alimentam-se em pastos comuns e as redes sociais têm feito com que se reproduzam como uma praga.

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                      Os hackers e o Zorro

                      Uso com regularidade redes de computadores desde 1992, e a Internet desde 1995, e por isso vi surgir com curiosidade e até algum divertimento o fenómeno dos hackers e o seu mundo muito peculiar. Conheci mesmo alguns, embora todos de pequena dimensão e parcas ambições. Estes, como outros que entretanto se tornaram mundialmente conhecidos – foi o caso de Kevin Mitnick, que em 1979, com 16 anos, andava já a passear-se a partir de sua casa por redes de computadores do sistema de segurança norte-americano – faziam o que faziam sempre pelo puro prazer do jogo e do risco. O surgimento de hackers abertamente criminosos ou ao serviço de Estados autoritários e de grupos terroristas foi um pouco mais tardio, tornando-se muito visível e ganhando impacto global sobretudo a partir da viragem do milénio.

                      A sua forma de agir, dinamizada pela curiosidade, pelo conhecimento e pela compulsão, tende cada vez mais a ser colocada ao serviço do crime e de formas de poder e de contra-poder que os utilizam em proveito dos seus interesses, causando com frequência prejuízos enormes a governos, a instituições e mesmo a simples cidadãos. Todavia, aqui como na lenda do bom ladrão, que «rouba aos ricos para dar aos pobres», existem também hackers que se servem do seu saber e a sua curiosidade de um modo que pode ser usado nos combates pela justiça e pela verdade. Assim aconteceu, por exemplo, com os casos de Julian Assange, Edward Snowden ou agora talvez Rui Pinto. Não os vejo como grandes e maravilhosos heróis mascarados ou de chapéu emplumado, como o Zorro ou Robin dos Bosques, mas as suas iniciativas podem e devem ser usadas na agilização da luta contra o crime organizado e os regimes autoritários.

                      Fotografia: Maria Feck / Expresso
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                        Toda a mentira é reacionária

                        Escrevia-se há dias em alguns posts do Facebook que as fake news são sempre de direita, assegurando-se como indiscutível que «não existem fake news de esquerda». Quem tenha sentido crítico e de verdade, e visite com atenção e critério certos sites de informação, para além de estar atento também a setores identificáveis das redes sociais, sabe que, infelizmente, isso não é de todo verdadeiro. Alguns, com designações, cores e alguns conteúdos que os associam à esquerda e aos valores de Abril, não olham a meios para afirmar uma dimensão parcial dessa a verdade «a que temos direito» com um foco unilateral.

                        Desde afirmações caluniosas sobre pessoas que pretendem isolar ou combater, até à inclusão de «informação criteriosa» chegada através de agências de contra-informação russas (a Sputnik, por exemplo) ou da América Latina, que oferecem informação «única» sistematicamente manipulada e parcial (a Síria, a Rússia e a Venezuela estão, aliás, particularmente no centro desta barragem de «invenções verdadeiras», que consideram sempre manipulador o trabalho de milhares de jornalistas espalhados pelo mundo). A luta pela verdade e pela transparência da informação não pode ser feita com um olho aberto e o outro fechado. E toda a mentira é reacionária.

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                          Vidas infelizes

                          Quando se fala da vida de certos artistas ou escritores, mantém-se o costume antigo de embelezar o triste e o deplorável. Vemos marcas dos trajetos desses homens ou mulheres, comuns às de tanta outra gente, por onde passa o abandono, a infelicidade, a miséria, a doença, a depressão, como pagamento de um destino que lhes concede a admiração temporária ou póstuma. Nesses momentos, os traços que em outras pessoas são marca de rejeição, codificam uma maldição que agora as torna admiradas dos comuns e lhes assegura lugar num anel superior.

                          Nasceu nos ambientes do intenso mundo romântico essa admiração sem freio pela grandeza da infelicidade, observada como destino dos eleitos que habitam húmidas mansardas e morrem cedo. Periodicamente reencontramo-la em documentários, palestras ou suplementos literários, onde, por algum tempo, geralmente bem pouco, as vidas infelizes e solitárias são expostas à admiração do vulgo. É, porém, a sua idealização que conta, não as pessoas reais fora desse foco momentâneo. Por isso me custa sempre olhar as tristes hagiografias escritas post-mortem.

                          Pintura: O Pobre Poeta, de Carl Spitzweg, 1839

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                            Algumas notas sobre o Livre

                            Começo por me colocar totalmente de fora do ambiente de recriminação, ressentimento e preconceito que tem envolvido esta nova fase da vida do Livre e o problema com a prestação política da Joacine Katar Moreira. Não é atitude que me interesse, até pelo tom de desproporcionada violência, alguma dela muito personalizada, que o tem envolvido. Quero também, antes de ir ao problema que pretendo tratar, deixar dois lembretes que julgo necessários.

                            O primeiro liga-se ao momento em que, no início desta infeliz situação, tomei a defesa pública da JKM. Fiz aquilo que pensei dever fazer, que foi defendê-la publicamente da vaga de preconceito centrado no problema com a fala, no facto de ser mulher e na cor da pele. Voltaria a fazê-lo nessa mesma direção, se tal fosse necessário. Mas tinha-me apercebido já de alguns problemas com uma parte das suas escolhas e prioridades, voltadas para a sobrevalorização sectária de certas causas em detrimento de outras, subvalorizadas ou mesmo ausentes do seu discurso, apesar de não menos importantes no programa do Livre.

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                              O 25 de novembro e o centro-direita

                              Já anteriormente partilhei a memória bastante forte que sei comum a muitos dos homens e das mulheres que como eu viveram o nosso biénio de 1974-1975 de maneira ativa e com alguma dose de consciência política. É a da triste e desesperada manhã do dia que se seguiu ao 25 de novembro de 1975, quando o PREC infletiu claramente no sentido do modelo da democracia representativa que hoje vivemos, afastando-se da dimensão revolucionária a apontar para outras possibilidades. Diversas, aliás, não apenas a do «socialismo autoritário» – partilhado apenas por um setor político – que hoje as forças do centro-direita procuram disseminar como o lado único e negro da sua «verdade» do 25 de novembro.

                              Naquela manhã, porém, ninguém sabia muito bem o que iria acontecer, nem mesmo que a Constituição aprovada seis meses depois se iria transformar em bandeira da democracia e do próprio socialismo. A sensação partilhada era a de que o sonho do paraíso na Terra tinha ruído de vez e que estávamos de regresso ao país da «apagada e vil tristeza». É essa convicção numa dimensão de liberdade e de justiça efetivos, não apenas formais, que nessa manhã se cria ter sido amordaçada num insuportável ambiente de «fim de festa», que a direita e uma parte do Partido Socialista jamais entenderão. Mas é ela também, queira-se ou não, que integra o grande legado histórico do 25 de Abril.

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                                O Zé Mário e a «volta a isto»

                                Com a morte do José Mário Branco (1942-2019), para além do artista e do homem que desaparece, é uma das figuras fundadoras e matriciais da «esquerda da esquerda» que parte também. Para a minha geração, e para o pequeno núcleo da utopia de onde venho, uma voz singular e uma personalidade inesquecível que todos/as teremos para sempre na cabeça e no coração. O Zé Mário não foi só o melhor de todos os da canção de resistência e intervenção – como cantor, como músico, como compositor, como letrista, como arranjador, como produtor, tudo por junto -, foi e é também um sinal vivo e sonoro de que, sim, é possível ser-se coerente e solidário a vida inteira. Acreditando todos os dias que é preciso dar «a volta a isto».

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                                  Não, não será a mesma coisa

                                  Quando no dia 6 coloquei a cruz no boletim, votei no partido político do qual me vejo mais próximo, mas, tal como muitos milhares de eleitores, subscrevi também a «Geringonça», no que isto significa de adesão a uma solução razoável capaz de construir consensos à esquerda, de assegurar alguma estabilidade política e de manter a direita acantonada. Se tomei o gesto como a assinatura de um contrato, deverão, no entanto, ter-me escapado as letras miúdas, pois nada parecia levar a que o resultado final do processo fosse aquele agora anunciado.

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                                    Poderia ficar calado sobre este assunto? Sim, claro que poderia. E virá aquilo que vou escrever ajudar a resolver alguma coisa? É claro que não, nada. Implicará o parágrafo abaixo um assacar de «culpas» seja a quem for? Também não, a realidade é o que é, nada mais. Move-me apenas o contrariar da camuflagem da verdade e da reescrita da história que está a ser feita. Talvez seja uma mania de historiador. O assunto: o apoio do Bloco de Esquerda e do PCP ao governo do PS que agora cessa funções. Porque aquilo que aconteceu não foi bem o que está a ser contado como aquilo que aconteceu. Em parte por iniciativa de António Costa, na fase mais agreste da campanha eleitoral, mas também por pessoas que acompanharam mecanicamente as suas palavras. Não falo de cor, ou por uma impressão, mas atendendo a factos e a informações pessoais que me deixam contrariar essa reescrita.

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