Vargas Llosa e os livros
Em novembro de 1972 li pela primeira vez Mario Vargas Llosa. Sei precisá-lo porque na altura tinha o hábito infalível de escrever a lápis o lugar e a data de compra de cada livro e é essa a data que se conserva no meu exemplar d’A Conversa na Catedral. O romance, contendo um jogo de vozes e de sombras no Peru do tempo da ditadura do general Manuel Odría, fora lançado em Lima apenas três anos antes. E digo apenas porque a distância temporal entre os livros publicados no estrangeiro e as edições portuguesas, quando as havia, era então, por via de regra, muito maior. Para mim, a data é importante também porque daí para a frente, com oscilações de gosto, li uma grande parte do que o escritor peruano foi produzindo: todos os seus dezoito romances, vários dos seus livros de ensaio, as crónicas semanais no El País sobre temas da atualidade, e até o discurso de aceitação do Nobel da Literatura, ganho em 2010. Nem sempre concordei (ou concordo) com as suas posições políticas, mas sempre o olhei como uma referência moral, um grande contador de histórias e um homem corajoso, capaz de enfrentar tanto alguns tiranos quanto a lógica redutora do politicamente correto. E não tenho problema algum em declarar que foi por causa dele, e do debate que levou ao fim da velha amizade com Gabriel Garcia Márquez, que me tornei menos benevolente para com algumas das posições públicas do autor de Cem Anos de Solidão. (mais…)