De acordo com dados de um estudo da Intel/Harris Interactive divulgados na nova edição em linha do semanário Expresso, está nos 46% a percentagem de mulheres americanas que preferem a abstinência sexual a ficarem sem Internet durante duas semanas. Em idêntico sentido terá ido a resposta de 30% dos homens. Mais um problema para o SuperObama resolver.
Jimmy Walles, um dos fundadores e uma espécie de PDG da Wikipédia, acaba de lançar um apelo, perceptível de cada vez que se acede a uma das 265 versões localizadas da enciclopédia mais lida do mundo, solicitando um donativo voluntário destinado a pagar algum trabalho profissional e a melhorar a tecnologia que suporta esta ferramenta de conhecimento gratuita e aberto a todos (menos nos países que impõem um controlo rígido e alargado da informação, evidentemente). O simples facto deste apelo surgir coloca, diante de nós, a possibilidade de um dia, incapaz de fazer frente aos crescentes custos ou à concorrência de produtos análogos, eventualmente pagos mas de superior fiabilidade, este projecto magnífico poder fechar.
É quando uma hipótese destas se afigura no horizonte que aqueles de nós que vociferamos contra o abuso da Wikipédia como fonte de informação muitas vezes pouco rigorosa, ou mesmo incorrecta, utilizada por um grande número de pessoas como sucedâneo de leituras mais consistentes, completas e razoavelmente imparciais, sentimos como seria quase impossível viver sem ela com a mesma qualidade de vida. É à Wikipédia, de facto, que tantos de nós recorremos, em momentos de pressa, no trabalho ou no lazer, para recuperar aquela informação que nos ajuda quando a memória falha ou a ignorância se mostra. Já dei por mim a usar até a versão para telemóvel, durante uma aula, para relembrar uma data, o título de um livro, o nome de uma cidade ou de um autor, que entretanto me escaparam. Deixando a informação que dou sob reserva, é verdade, mas poucas foram as vezes que precisei depois corrigi-la. Já não sei, de facto, como viveria agora, na pressa dos dias, sem esta maravilhosa engenhoca. Um sentimento que julgo partilhar, aliás, com muitos milhões de pessoas. Por isso talvez devamos ficar atentos aos embaraços de Mr. Walles, o nosso «Pai Natal», 24 sobre 24 horas, em todos os dias do ano.
A entrevista dada pela bloguer cubana Yoani Sánchez, do blogue resistente Generación Y, a Patrícia Silva Alves, jornalista da revista Visão, merece um post inteiro. Mas não será por preguiça que nele me limito a citar, sem mais palavras, algumas das declarações de Yoani.
«Em Cuba, até respirar é um acto político. O Governo, a ideologia e os líderes da revolução estão presentes em qualquer decisão: desde os quilos de arroz que se comem por mês, definidos pelo racionamento, até onde passar férias. Costumo usar uma frase de uma banda rock, muito popular em Cuba, para me definir: ‘Eu não gosto de política, mas ela gosta de mim.’»
«Quando comecei a ler as primeiras novelas sobre a ditadura – estou a falar de obras como O Outono do Patriarca, de Gabriel García Márquez – percebi que havia muitos pontos de contacto entre as personagens e a minha vida.»
«Dos meus 20 colegas de turma só cinco ficaram em Cuba. Os outros emigraram. Mas não penso que fossem esses os seus planos.»
«Desde que entrei no aeroporto [após uma curta estadia na Suíça] – a maneira como te olham os militares de Havana, a maneira como te orientam para onde ir… Penso que essa impressão de controlo me marcou muito, porque vinha de um lugar onde o cidadão tem mais liberdade e, sobretudo, onde é mais respeitado.»
«Recebo muitas manifestações de solidariedade na rua. Isso é, para mim, o termómetro principal de quantas pessoas me lêem em Cuba.»
«Quando comecei o blogue, era um grito solitário. Era um exorcismo pessoal para expulsar muitos demónios: o demónio da apatia, da dor moral, do medo. Mas, aos poucos, esses demónios encontraram-se com os demónios dos outros. E isso fez do blogue uma praça pública onde há de tudo: gritos, insultos, discussões.»
«Cada pessoa que lê umas linhas do meu blogue constrói mais um milímetro do meu escudo protector. Isso não quer dizer que fique impune. Mas agora combate-se Yoani Sánchez na sombra. Com outros métodos. Fazem campanhas de difamação para isolar-me; pressionam os meus familiares e amigos. Esse tipo de coisas mais subtis, mas que também se sentem. Não é preciso estar atrás das grades para uma pessoa se sentir prisioneira.»
«A Cuba que imagino deve ter, pelo menos, um adjectivo: plural. (…) Não me imagino numa Cuba com todos os problemas resolvidos – que nunca a teremos assim – mas numa Cuba onde os cidadãos tenham a possibilidade de apontar as soluções em que acreditam.»
De acordo com a revista Exame Informática, um tal Centro de Estudos da Toshiba considera que durante este ano terão sido vendidos em Portugal cerca de um milhão de computadores portáteis. O mesmo organismo estima que existam neste momento à roda de 2 milhões de portáteis em funcionamento nas casas e nas empresas portuguesas. Tratando-se de um país de cerca de 11 milhões de habitantes, o número é de facto impressionante, ainda que não tanto quanto o dos telemóveis, que ronda já os 15 milhões. Mas se neste caso a quantidade anunciada é perfeitamente plausível, dado o número de aparelhos inactivos ou obsoletos que permanecem registados, no que respeita aos computadores o anúncio tem a ver com uma vaga recente. A minha profissão situa-me numa área de actividade na qual a integração do computador no quotidiano das pessoas é das mais elevadas, mas ainda assim não me parece que a percentagem de infoincluídos – inserindo-se nestes aqueles que ainda usam computadores antigos, lentos e com sistemas operativos rançosos – seja sequer comparável à avançada pelo estudo da Toshiba. Por esse motivo, arrisco dizer que ela mais parece uma manobra para que o público passe a aliar à compra do portátil a mesma imagem que em tempos foi associada aos telemóveis: quem não possui um verá bastante diminuído o seu grau de prestígio e a sua capacidade de integração na sociedade de mercado, e quem puder afagar o touchpad com o obsceno dedo médio sentir-se-á um conquistador.
Diversos têm sido os blogues que têm apontado A Terceira Noite como um dos seus apeadeiros favoritos no ano que agora acaba. Como não se trata de mais uma votação sem critério visível, mas sim da expressão subjectiva do genuíno interesse de quem declara a escolha, agrada-me a empatia que ela revela.
Esta aproximação leva-me a discordar em pelo menos um ponto do artigo «A cultura do blogue nacional», que José Pacheco Pereira fez sair no Público e agora divulga, ligeiramente ampliado, no seu Abrupto. No todo, ele parece-me um retrato transparente – embora apenas um retrato – deste território de partilha. Parece-me excessiva, porém, a crítica da rede das cumplicidades criadas entre esses «viveiros de elogios mútuos e de complacência» que considera dominarem a blogosfera portuguesa. Não que me agrade o «amiguismo» da citação, o constante cruzamento de hiperligações e referências em circuito fechado, o fechamento a quem se situe fora da mesma área política, o elogio da semelhança e a recusa liminar da diferença. São males reais, que diminuem a independência e o próprio impacto dos numerosos blogues que os praticam. Mas um dos aspectos que me parece mais característico deste espaço de comunicação é também a capacidade que este revela para gerar empatias e aproximações, concretizáveis ou não de uma forma física – o que aqui nem sequer é essencial – e criadoras de áreas de sociabilidade tão tonificantes e legítimas quanto o são aquelas que construímos, a partir do papel, em volta do jornal ou do cronista que nos agrada e escolhemos ler.
É esta forma de solidariedade que me parece existir na enunciação de cumplicidades da qual A Terceira Noite tem sido objecto. E é por isso que ela me agrada. Obrigado pois pela preferência.
Desconfio sempre de toda a iniciativa que procure dizer-me quais são «os melhores» nisto ou naquilo. Sejam eles restaurantes, vinhos, livros, perfumes, futebolistas ou mesmo… blogues. Nada tenho contra os prémios – nunca pensei devolver os poucos que ganhei – e parece-me bem que se premeiem publicamente qualidades ou capacidades. Mas referir «os melhores» sem explicar o porquê da designação parece-me uma forma de contornar o carácter relativo que comporta sempre um qualificativo dessa natureza. E a situação piora quando um suposto critério de qualidade («o melhor») é determinado por um factor essencialmente quantitativo: o maior número de votos obtidos numa votação assente em critérios vagos e subjectivos de gosto ou simpatia (para além de não imune, por vezes, a uma «chapelada» garantida por amigos, companheiros e clientes). Como dizer que só porque ganhou as últimas eleições legislativas José Sócrates é «o melhor político português». Ou porque vendeu não sei quantas centenas de milhares de exemplares de cada um dos seus livros José Rodrigues dos Santos é «o melhor escritor lusitano». Ou porque Salazar foi votado «o maior português de sempre» tenha sido de facto «o maior». Absurdo, não é?
Parece-me por isso de uma grande lucidez o comentário à sua própria vitória feito pelo autor do Bitaites, vencedor absoluto da interessante e repercutente iniciativa O Melhor Blog Português de 2007. Parabéns, dos sinceros, pela pedagógica honestidade. E pelo prémio também, naturalmente.
Deparamos todos os dias na imprensa escrita com crónicas e notícias que recorrem a informações ou ideias aparecidas em primeiro lugar no universo dos blogues. Ou então são mesmo os títulos de determinados posts que são copiados no acto de denominar certas peças. Este blogue – como muitos outros – foi já premiado por diversas vezes com essa atenção. Sei bem que nem sempre uma boa ideia ou um excelente título ocorrem quando desejamos e, felizmente, a blogosfera permanece um mapa do tesouro (e também do veneno) sujeito a todo o tipo de explorações que possam substituir uma momentânea desinspiração. Aquilo que aborrece não é esse comércio mais ou menos desregrado, que até me parece saudável e ao qual já recorri, mas antes a insistência, por parte de alguns, em praticá-lo de um modo sistemático e sem se darem ao trabalho de identificarem fontes e autorias, colocando as citações que vão fazendo entre as devidas aspas. Talvez valha a pena os autores dos blogues – que nem sequer se fazem pagar pelo seu trabalho, como acontece com os nossos copistas «com orelhas equipadas com radar» – abrandarem um pouco a sua pública generosidade e começarem a apontar o dedo nas situações mais flagrantes.
Logo a seguir aos Estados Unidos, a China é o 2º Estado do mundo com um maior número de utilizadores da Internet (90,7 milhões no final de 2006). Ao mesmo tempo que florescem blogues e BBS (os nossos velhos electronic bulletin boards), toda a rede é alvo de uma apertada vigilância política. Este sistema pode dar algumas ideias aos poderes que noutras partes do mundo pretendem limitar o acesso inteiramente livre à rede, mas, de acordo com alguns sinólogos ocidentais mais optimistas, a explosão dos acessos poderá também alimentar um rastilho capaz de estimular a mudança dentro da sociedade chinesa e do próprio regime. Um pouco como ocorreu, na antiga União Soviética, com a informação paralela proporcionada pela imprensa samizdat. Sobre este assunto pode ler-se, no Eurozine, um excelente artigo do checo Martin Hala.
Por causa das medidas tomadas pelo governo ditatorial da Birmânia no sentido de cortar as comunicações com o exterior, o suplemento Digital (do Público) desta semana incluiu um artigo sobre «Quando os governos preferem que o seu país fique offline». Particularmente elucidativa é uma caixa na qual se inventariam os processos utilizados em dez dos Estados cujos governos são colocados entre os piores inimigos do uso livre da Internet.
Na base desta lista negra, encontram-se o Panamá (as centrais telefónicas conseguiram ali que o governo impedisse o acesso à tecnologia VoiP utilizada pelo Skype) e os Estados Unidos (onde o Ministério da Defesa bloqueou o acesso, nos cinco milhões de computadores dos seus serviços, a sites como o YouTube, o Hi5, o Myspace, a MTV ou o Pandora, entre outros). Subindo na escala da actividade censória, surgem países islâmicos como a Arábia Saudita, o Irão, a Síria e o Egipto. Nos dois primeiros, são invocados principalmente os conteúdos «imorais» ou «inaceitáveis», ao passo que nos outros dois são as posições políticas dissidentes as principais atingidas.
Por último, entramos no universo do «socialismo real» supervivente, onde, para além dos conteúdos, é o próprio acesso que é severamente limitado ou totalmente impedido. A Coreia do Norte é o caso mais conhecido, pois ali só alguns altos dignitários do regime possuem acesso à rede mundial. Vem depois a China e a Bielorrússia, onde são banidos os conteúdos contendo quaisquer comentários, mesmo os estritamente privados, que possam ser desfavoráveis aos regimes vigentes. Na China, quando os acessos são estabelecidos a partir de empresas, o bloqueio pode surgir disfarçado aparecendo no ecrã uma mensagem a avisar da existência de «problemas técnicos». Para o final fica o caso de Cuba, o 2º país do mundo no qual maior número de restrições são colocadas ao uso livre da Internet e que é por vezes apontado como «modelar» no que respeita ao exercício das «verdadeiras liberdades»:
«Apenas dois por cento da população tem acesso à Internet. E os que têm são cuidadosamente vigiados para perceber se se embrenham em actividades «contra-revolucionárias». Não há ligações privadas à Net. Os cubanos têm de se deslocar a pontos de acesso públicos, como cibercafés, universidades ou «clubes de computadores» para poderem ver o seu e-mail. Estes locais têm software instalado que faz disparar o alarme na polícia de cada vez que palavras-chave «subversivas» são escritas. De igual modo, todos os cubanos classificados pelo Estado como dissidentes ou jornalistas independentes têm imensas dificuldades em aceder à rede.»
O WikiLeaks, «a place for journalists, truth tellers and everybody else; global defense of sources and press freedoms, circa now» é um serviço em linha tem já mais de um milhão de documentos disponíveis. Ele simplifica a experiência da denúncia, mas também da delação, tornando-as fáceis, seguras e possíveis numa escala planetária. Uma espécie de «Wikipedia para fugas de informação não-detectáveis». Conseguiu um documento que compromete alguém de quem não gosta, mas esse alguém tem muito poder? Acha que certa pessoa anda a apoderar-se de dinheiros públicos e tem provas disso, mas receia que ela descubra que foi você quem a denunciou? Conhece um político corrupto, tem informações que o podem desmascarar, mas não quer enfrentar um processo complicado que pode afectar a sua vida? Nada mais simples: mostra tudo aquilo que sabe e pode documentar no WikiLeaks e jamais alguém conseguirá saber que foi você quem deu com a língua nos dentes. Um instrumento assustador, com resultados práticos ainda imprevisíveis, que pode transformá-lo num minuto em justiceiro mascarado ou num canalha. Sem se levantar da sua secretária.
O suplemento Digital, do Público, traz hoje um artigo sobre o tema. O título, do qual me sirvo neste post, é «Garganta Funda já não precisa de se esconder na garagem».
O suplemento Digital do Público divulgou um conjunto de artigos sobre o processo de construção e a forma de funcionamento da Wikipédia. Assim mesmo, com acento agudo, pois foi principalmente a versão em português da enciclopédia online que foi referida. Aspectos como a credibilidade, a originalidade ou a relevância dos contributos foram ali abordados e devem, sem dúvida, suscitar algum exame crítico. Mas prefiro falar do assunto a partir de uma outra perspectiva.
A experiência como professor tem-me permitido observar, a propósito do funcionamento da Wikipédia, três comportamentos que me parecem preocupantes: 1) um número crescente de alunos utiliza-a como fonte praticamente única de conhecimento em relação a determinados temas leccionados, situação que é agravada pela impreparação da maioria dos docentes para se aperceberem desta realidade; 2) são poucos os alunos que têm consciência do carácter incompleto, por vezes falacioso ou mesmo erróneo, de muitos dos artigos; 3) para piorar as coisas, a esmagadora maioria destes utilizadores serve-se apenas da versão em português, quase sempre incomparavelmente mais pobre do que as versões em inglês, em francês ou em castelhano (para referir apenas aquelas que consulto mais vezes).
Incentivo os alunos a utilizarem a Wikipédia. É um óptimo ponto de partida para o estudo e para a preparação de aulas ou de trabalhos, uma vez que se trata de um processo acessível, barato e que pode abrir inúmeras pistas em hipertexto a aprofundar posteriormente (os links oferecidos, por exemplo, são muitas vezes bastante mais interessantes e úteis do que o são as próprias entradas). Mas apenas como muleta, para se guiarem, ou para encontrarem referências que se cruzam com a informação que recolhem em sites mais fiáveis ou noutros suportes. E aviso sempre que, na correcção dos trabalhos ou das provas, estarei atento ao copy-paste desonesto que a curto ou a médio prazo se volta sempre contra quem dele se serve (não garantindo apanhá-los todos, naturalmente, mas isso eu não devo dizer). Tento desta forma evitar que este instrumento se transforme num factor de desastre, valorizando-o ao mesmo tempo, como ele efectivamente merece. Ignorar o assunto, ou fazer de contas que ele é irrelevante, é que me parece perigoso.
Aceito parcialmente a crítica de José Pacheco Pereira a certos malefícios do metabloguismo, particularmente aos vícios do «amiguismo». Não significa isto, porém, que seja contra a partilha de ideias e de cumplicidades entre escrevedores de blogues. Elas constroem solidariedades e ampliam a visibilidade daquilo que se publica, possibilitando uma interacção muitas vezes enriquecedora. Reconheço que também não gosto de ver livros referidos apenas porque a ou b sugere que o façamos. E depois ver o favor a ser pago à luz do dia. Como não aprecio banalidades de notáveis transformadas em memoráveis citações, enquanto textos bem escritos e de gente inteligente permanecem ignorados. Mas considerar que este tipo de situações traduz nesta altura um «significativo empobrecimento da blogosfera» – na qual ocorreram fases bem piores de maledicência e boataria que levaram até à desistência de excelentes bloggers – parece-me injusto e exagerado.
Se a Web possui uma alma ela encontra-se aqui, uma vez que pouco mais nela existe que não possa existir sob um outro formato. Tudo o restante é previsível e apenas torna mais fácil o acesso ao que poderia ser obtido de outra forma: edições electrónicas de jornais e revistas, entediantes frontdoors institucionais e empresariais, repositórios mudos de textos e imagens, catálogos de produtos rapidamente obsoletos, lojas onde tudo se compra e onde tudo se vende. Os blogues podem morrer – e vão morrer – mas com eles desaparecerá um mapa singular e uma língua irrepetível. Deles se dirá um dia que «a liberdade também passou por aqui».
[Último de um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]
A blogosfera pode também ser um território selvagem, não isento de logros e de perigos. Uma floresta que apenas ecoa a complexidade da vida que a antecede e permanecerá depois dela se eclipsar para sempre. Em breve, porém, os blogues desaparecerão e serão substituídos por um qualquer outro utensílio que já se encontra algures a ser preparado. Que passará necessariamente pela simplificação e pela massificação de novíssimas e surpreendentes tecnologias. Mas nesta selva ou naquela que vier – como acontecia com Tarzan no seu mundo problemático – serão ainda os humanos, e não bestas, andróides ou forças obscuras, a controlarem os acontecimentos.
[De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]
Uma placa giratória erguida como ponto de partida para um algures visível e invisível. Podemos escrever sobre livros e filmes, discos ou concertos. Revisitar debates ou exposições. Falar de caminhadas ao ar livre, de idas à praia, de encontros casuais, de jantares de fim-de-semana. Conhecer causas, manifestos, preocupações privadas ou que atravessam ruas e praças. Ouvir e contar segredos. Em todos esses momentos, vínculos que se criam e definem uma segunda «vida real», situada algures do lado de lá do painel de comandos utilizado pelo blogger. A cliques de distância, nos monitores que permanecem iluminados dia e noite, mais vozes, outros ouvidos, caminhos a percorrer aos quais não seria possível chegar por um outro processo. Linhas de descoberta, certas vezes de aventura. Lugares etéreos de crença e descrença. Mangas de escape.
[De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]
Existe um «lado negro da Internet» que passa principalmente pelos blogues. Nele sobrepõe-se a voz do mais forte (aquele que sabe produzir engodos, que dispõe de tempo e de estrutura para investir na agressividade). Não se trata apenas de caminhar por subúrbios perigosos pisando ou atravessando a fronteira do delito (o terrorismo, a pornografia, o extremismo político e religioso, a economia paralela, a fraude), mas de comunicar sem um código ético perceptível. Aqui a utilização do anonimato (não do pseudónimo consistente), associada à utilização parasitária das caixas de comentários, favorece o insulto, a calúnia, a provocação, a instalação da dúvida em relação à fala do outro. Quando alimentado, este ambiente torna-se insuportável, empurrando leitores e criadores para diferentes destinos.
[De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]
A facilidade e a informalidade do acesso incorporam aqui um número cada vez maior de pessoas que transportam consigo uma experiência de vida e um acumular de referências capazes de se materializarem no fio da história. Tal como acontece com o testemunho oral ou com as cartas e os diários projectados no papel, são, por vezes, vestígios que contêm uma grande dose de erro, imprecisão ou subjectividade, mas nem por isso perdem necessariamente o interesse. Emergem então enquanto «lugares da memória» – territórios de materialização do passado colectivo, seguindo a expressão proposta por Pierre Nora – que servem para declarar informação, testemunhar representações, alimentar referências perdidas ou desfiguradas. Por vezes aproximam também as gerações.
[De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]
Um dos reparos que os puristas da língua fazem à escrita através da Internet centra-se no seu funcionamento como pólo agregador dos processos de destruição do seu próprio ideal de «pureza». A simplificação, a rapidez e a mistura de registos serão factores decisivos de contaminação. Mas se este risco existe – e fica por discutir se ele é necessariamente negativo – também é verdade que uma boa parte daquilo que de melhor e de mais original se tem escrito nos últimos tempos tem, pelo menos em Portugal, começado por aqui, só depois migrando para outros suportes. Incluindo-se nestas contas a prática de muitos jovens bloggers, capazes de treinar aqui a agilidade da escrita e a capacidade para pensarem de forma autónoma. Há poucos anos, por falta de meios e de um estímulo, a maioria deles jamais escreveria com regularidade. Reescrever, rasurar, remeter, são práticas partilhadas que podem aqui apurar a forma, a clareza, a fala.
[De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]