Arquivo de Categorias: Cibercultura

Blogues: (6) Praça pública

Speaker's Corner

Espaços de todas as dimensões procuram leitores, abrindo-se aos comentários, conversando entre si. Os debates decorrem livremente, condicionados apenas pelo grau de informação e de cultura dos autores, pelo estilo de cada um, pela sua capacidade para ouvir e para seduzir por intermédio da escrita e da imagem. Apesar da ausência de um suporte físico estável e localizado, a expressão de opiniões afirma-se de um modo plural e, muitas das vezes, com um grande número de pormenores dada a (quase) inexistência de limites formais aquilo de que se fala e à forma como se fala. Muitas das mais substantivas polémicas públicas têm passado por aqui. Ou confluem naquilo que por aqui acontece.

[De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

    Cibercultura, Etc.

    Blogues: (5) Espalhem a notícia

    Jornal que voa

    As novidades correm depressa. Circulam informações que os jornais ou as estações de televisão omitem ou ignoram. Esclarece-se aquilo que permanece obscuro. Divulgam-se acontecimentos, frases, projectos, descobertas. Ao mesmo tempo, os meios convencionais recorrem às notícias veiculadas pelos blogues, ao seu estilo, às suas preocupações, o que não deixa de ser um sintoma. O hipertexto, como ferramenta de bricolage, perfura então o espaço hiper, colocando a notícia numa linha infinita. Pela mesma via, porém, também o erro circula, dissimulado, sob a forma de fraude ou de boato. Mas tal como nasce, assim se dissolve, mediado pelas vozes que o questionam e depuram.

    [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

      Cibercultura, Etc.

      Blogues: (4) Dating

      Dating

      O tímido revela-se expansivo, o solitário sociável, o misógino conquistador: como em todos os processos de sedução, também aqui a metamorfose acontece. Na blogosfera fazem-se amigos e conhecem-se pessoas, flerta-se, namora-se, engata-se. Imaginam-se aproximações a homens belos e magníficos, a belíssimas e magníficas mulheres, todos eles aparentemente perfeitos, aparentemente próximos. Tão sensíveis e tão logo ali. Combinam-se encontros em pracetas ou em bares obscuros. Alguns falham, outros permanecem. E a vida de cada um segue o seu caminho. Ou não.

      [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

        Cibercultura, Etc.

        Blogues: (3) Quarto dos brinquedos

        Brincar

        Convivendo todos os dias com a elasticidade dos novos processos da comunicação, muitos dos utilizadores dos blogues desinibem-se e começam a escrever pelo prazer de falar, sem hesitações, por vezes de uma forma quase automática. Ultrapassam os processos morosos da reflexão e da escrita da era pré-Internet, que trocam por respostas rápidas, concebidas como um jogo, transformadas em jogo: a permuta de frases inesperadas, o alarde das pequenas descobertas, a provocação, o ruído repentista, as private jokes, instalam-se como um hábito, como uma linguagem.

        [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

          Cibercultura, Etc.

          Blogues: (2) Café

          Café

          Qualquer blogue pode ser um lugar de encontro. Recanto de café no qual um grupo de amigos, mais alguns convidados, mais uns quantos desconhecidos, se sentam (ou dele se retiram) sem pedir autorização. Juntos trocam ideias, contam algumas piadas, zangam-se um pouco, partilham as novidades, combinam almoços, idas a um concerto, ao futebol, a uma manifestação. Não jogam partidas de sueca, uma vez que o verdadeiro blogger não pode «perder tempo», pois vive em estado de permanente frenesim. Bebem, fumam, escutam, proclamam, sob/sobre os códigos de uma sociabilidade que simula uma outra.

          [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra.]

            Cibercultura, Etc.

            Blogues: (1) O eremita

            Blogging_1

            No princípio o blogger é um solitário. Escreve num registo antigo, vizinho dos velhos diários íntimos, mas destinado a ficar aberto sobre a mesa, a ser visto, a deixar-se devassar. Esta característica assegura a preservação daquele que permanece o tom dominante num grande número de blogues. Uma escrita confessional, pautada sempre pelos códigos do grupo, mais ou menos disseminado, mais ou menos irregular, visível ou invisível, ao qual o seu autor acredita dirigir-se. O blogger é, sob esta perspectiva, um eremita. Habita um ermo, mas com vista para a cidade e visto pela cidade.

            [Este é o primeiro de uma dúzia de «postas» que utilizei, de forma aleatória, durante uma conversa pública sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra. Surgem aqui com algumas (pequenas e pontuais) alterações.]

              Cibercultura, Etc.

              Anónimos & Companhia

              A forma, áspera e directa como é seu timbre, utilizada por Miguel Sousa Tavares para se referir ao universo dos blogues, é recorrente. Sousa Tavares – que há não muitos anos se declarou, na revista Grande Reportagem da qual era director, contra o uso dos computadores – está no seu direito de recusar, ou mesmo de desprezar, uma qualquer forma de comunicação. Esta ou outra. Todos nós conhecemos pessoas que também não gostam de ler jornais, ou que, confrontadas com o voice mail, adiam assuntos urgentes porque «se recusam a falar para máquinas», não sendo por causa disso que lhes deveremos desejar mal algum. Mas já me parece absurdo que, em crónica publicada no Expresso, o jornalista ataque os blogues, todos os blogues, para apontar o dedo ao mau jornalismo – aquele acrítico em relação às fontes, correndo atrás do boato mais abjecto – ignorando ao mesmo tempo que eles definem um dos meios de comunicação nas quais actualmente se escreve melhor português (e o pior também, naturalmente), se afirma um discurso mais livre, e onde se tem revelado, ou treinado na escrita, um grande número de pessoas, muitas delas jornalistas ou colaboradores habituais dos jornais.

              Miguel Sousa Tavares tem entretanto razão na indignação que mostra por ter sido alvo, em blogue anónimo, de uma acusação de plágio. Acusação que, ainda que pudesse (ou possa) ser fundamentada, perde toda a credibilidade por ter sido feita de cara encoberta. O uso do anonimato – não do pseudónimo que, se consistente, pode até ser algo de substancialmente positivo – é um fenómeno antigo. Como o são os autores das cartas por debaixo da porta, dos bilhetes compostos com letras recortadas, dos graffitti em casas de banho públicas ou dos telefonemas com a voz distorcida. Eles podem sempre dizer aquilo que entenderem e na forma que lhes apetecer: ofender, caluniar, ameaçar, inventar, pôr na boca de A o que A jamais disse, dizer que «C disse a B que A». E sem possibilidade de contraditório, uma vez que pessoa alguma, com vergonha na cara e no seu perfeito juízo, aceita participar num jogo viciado com oponentes invisíveis.

              Eis, pois, um assunto sobre o qual vale a pena reflectir e que merecerá, crescentemente, algumas precauções e iniciativas – incluindo no que se refere à actividade dos fornecedores de serviços em linha – no campo da segurança dos dados e da responsabilização de quem comunica. Como ando nisto há para aí uma dúzia de anos, participei em dezenas de projectos online destinados a defender a liberdade de expressão, escrevo habitualmente também em blogues e continuo a assinar tudo aquilo que escrevo com o meu verdadeiro nome, creio que posso dizê-lo sem que me confundam com um partidário da censura.

              Leia-se também aquilo que sobre o mesmo assunto escreveu o Rui Ângelo Araújo [31.10.2006]

                Cibercultura, Etc.