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A Europa e as democracias debaixo de ataque

A dada altura do seu emotivo discurso de receção na Assembleia da República a Volodimir Zelenski, presidente da Ucrânia, Augusto Santos Silva afirmou que «os países da Europa e do Atlântico Norte têm o direito de reforçar a sua capacidade de dissuasão». Para uma porção significativa da esquerda portuguesa esta declaração ainda representa algo inaceitável. Não custa elencar alguns dos motivos que determinam esta atitude de rejeição: a memória dos anos da Guerra Fria, quando parte desse setor via de forma positiva o outro lado da «cortina de ferro»; o entendimento da União Europeia como espaço de afirmação da política e da economia do capitalismo neoliberal; a consideração do caráter historicamente autoritário e belicoso do imperialismo norte-americano, do qual a NATO é uma extensão; e a desvalorização de poderes imperiais concorrentes, encarados até, na lógica do «inimigo do meu inimigo, meu amigo é», como ocasionais aliados.

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    O PCP e o anticomunismo

    Ao chamar-lhe «fábrica de cristãos-novos», António José Saraiva desenvolveu, em Inquisição e Cristãos-Novos – publicado em 1969, mas saído em edição portuguesa apenas em 1985 – uma explicação sobre o que julgou ser uma das mais notórias e funestas consequências da Inquisição portuguesa. Considerou aí que a máquina trituradora por esta montada, ao «descobrir» judeus conversos em toda a parte, perseguindo e condenando por mais de dois séculos muitas pessoas que de modo algum o eram, não só ampliou muito o número dos perseguidos e sentenciados, como, por esta via, disseminou entre a população «cristã-velha» o medo e o ódio ao judeu, enraizando um sentimento antissemita preservado mesmo após o fim da instituição.

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      Combate político e insulto pessoal

      Em muitos momentos, sobretudo quando se defrontam ideias e campos inteiramente antagónicos, o combate político deve ser frontal. A democracia ressente-se muitas vezes, ou pode até perder-se, com o abuso dos «paninhos-quentes», que normalmente diluem ou afastam os aspetos mais críticos dos temas em disputa, concentrando-se nos detalhes laterais ou irrelevantes. E deste modo empurrando com a barriga a solução dos grandes problemas coletivos. Então quando aquilo que está em jogo é a vida e a morte, ou algo que afeta poderosamente a vida de sociedades inteiras, a contemporização das razões é particularmente perigosa, devendo ser evitada. A frontalidade passa então, muitas vezes, pela responsabilização pessoal associada a decisões ou a declarações que quem a exerce pretende pôr em causa.

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        «Inimigos do povo»

        Embora apenas visíveis porque são hiperativos e se dispõem em lugares comunicacionais estratégicos, hoje em larga medida em sites da Internet e nas redes sociais, os setores minoritários para os a quais os culpados da invasão da Ucrânia são sobretudo os ucranianos – que se deixam levar pelas «malditas» democracias ocidentais – estão a tratar quem não aceita a sua versão recorrendo, para além de um bom número de falsidades ou de completas invenções, projetadas sobre a ignorância ou crença que ela sempre alimenta, a toda a sorte de designações e insultos destinados a desacreditar quem não pensa exatamente como eles ou quem os confronta com uma realidade que negam, não entendem ou distorcem. 

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          Esquerda-direita e outras dicotomias

          É razoavelmente consensual que a clivagem política entre os conceitos de esquerda e de direita nasceu com o sucedido naquele salão de Versalhes onde, a 28 de agosto de 1789, em plena Revolução Francesa, se reuniu a Assembleia Nacional Constituinte. Ali se confrontaram os partidários de uma solução política que ainda oferecia ao rei da França um razoável poder de decisão, e os que defendiam que este mantivesse um papel apenas simbólico. Na altura de decidir, os primeiros juntaram-se do lado direito da tribuna, enquanto os segundos ficaram do lado esquerdo, assim se separando os que queriam uma monarquia constitucional e aqueles que já anteviam a república. Nesse dia, a «esquerda» venceu por 673 votos, contra os 325 da «direita». Sabe-se como evoluíram os acontecimentos e de que modo o final da disputa se revelou pouco amável para Luís XVI.

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            Amigos de Putin

            Não é apenas por trabalhar profissionalmente sobre história contemporânea. Lembro-me perfeitamente da atenção pessoal que prestava à política internacional daquelas décadas, anteriores à queda do Muro de Berlim, em que o governo da União Soviética tudo fazia para, em relação à iniciativa externa norte-americana, mostrar como vantajosa, ou pelo mais aceitável, a supremacia dos republicanos. Apresentava-se sempre muito mais aberto a propostas das administrações de Washington que vinham do lado do partido do elefante.

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              A França contra a extrema-direita

              Os resultados das eleições francesas não são surpreendentes, embora sejam muitíssimo preocupantes. Como é sabido, venceu a primeira volta o candidato do centro-direita, Emmanuel Macron, com 27,84% dos votos, seguindo-se Marine Le Pen, da extrema-direita racista e xenófoba, com 23,15%, e Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, que reúne diversos setores de uma esquerda mais extrema, com 21,95%. Em quarto lugar ficou Éric Zemmour, da direita radical, com 7,07%, que, entretanto, como era de esperar já apelou à concentração do voto dos seus eleitores em Le Pen. 

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                Posições

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                [originalmente no Facebook]

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                  O PCP e a crítica

                  Imutável a forma, praticada nestes já quase cinquenta anos que leva o regime democrático, como qualquer crítica feita ao PCP no sentido de questionar algumas das suas escolhas e de o reaproximar do restante campo democrático são imediatamente consideradas, por dirigentes, militantes e companheiros de jornada, sempre, mas sempre, de pedra na mão ou em forma de sarcasmo, como gestos de «anticomunismo» que consideram persecutórios e rejeitam como meras agressões. Repetidamente a mesma atitude defensiva, de quem não só se considera acima da crítica dos outros, como nem põe a hipótese de argumentar de forma transparente com quem a exerce de um modo essencialmente positivo e cordial. O PCP jamais aceita a crítica, seja a pontual ou a de fundo, procurando minimizar quem a faça, e ainda considera esta atitude um sinal da plena justeza das suas escolhas. É pena que assim seja, para mal da democracia e sobretudo do próprio partido.

                  [originalmente no Facebook]

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                    As escolhas do PCP

                    Aconteceu já em vários outros momentos nos quais o Partido Comunista Português tomou posições que nos planos interno ou internacional foram ética e politicamente retrógradas ou objetivamente antidemocráticas, acabando a defender escolhas conservadoras ou mesmo regimes despóticos e assassinos. No meu tempo de vida, desde a defesa da invasão da Checoslováquia pelos tanques russos em 1968 que isto acontece periodicamente, levando ao afastamento de muitas pessoas que num dado momento reconheceram o lado justo, necessário e até heroico do partido. Desta vez é a posição face à agressão lançada contra a Ucrânia e o seu povo que tem levado um bom número de cidadãos – muitos deles pessoas que no passado até votaram no partido e simpatizaram com algumas das suas posições – a considerar que «foram ultrapassados todos os limites». 

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                      Linhas vermelho-vivo

                      Desde 1968, o ano em que, com Paris e Praga, despertei para a necessidade de ter uma opinião política própria e de a exprimir, habituei-me – mesmo naqueles anos, entre 1971 e 1976, em que fui bastante inflexível – a tomar o lado esquerdo do futuro e da vida coletiva como necessariamente plural. Capaz de conter, a par de uma vontade transversal e profunda de justiça social e de fraternidade, uma grande diversidade nas formas de as conceber, de as conquistar e de as defender. Estas diferenças notam-se sobretudo quando olhamos os programas, as linguagens, as formas de organização e a base social, mas de uma forma muito particular quando se confrontam os valores da liberdade, da equidade e dos direitos humanos. 

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                        Chegam notícias da «Terra Sangrenta»

                        Nos últimos dias, com o recuo das tropas russas em algumas regiões da Ucrânia, sobretudo na área de Kiev, começam a chegar imagens e testemunhos – a larga maioria mostrados por jornalistas internacionais de muitas origens – que revelam a verdadeira dimensão de barbárie da intervenção de Moscovo no terreno. Por todo o lado a destruição total, focada nas habitações, de edifícios de apartamentos a casas isoladas, e nas estruturas que servem as populações, como escolas, hospitais, serviços de fornecimento de água e eletricidade, centros comerciais, armazéns, museus ou igrejas. Para não falar daqueles outros objetivos que podem até ser considerados também militares, como pontes, estradas, depósitos de combustível ou instalações de governo local. 

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                          Historicidade, presentismo e «Segunda Guerra Fria»

                          A história vive um tempo de grandes ambiguidades. Se é verdade que nunca foi tão pública – omnipresente no discurso político, no cinema e na literatura, até na publicidade –, ao mesmo tempo é banalizada, factualizada ou manipulada a uma escala nunca vista. A banalização reduz tudo a ela, chegando ao ridículo de usar como referente «histórico» episódios da vida pessoal ou momentos de um jogo de futebol. A factualização remete para uma observação do passado limitada aos factos mais sonoros, sem trabalho de contextualização e de análise crítica. Já a manipulação respeita ao modo como as referências ao passado servem sobretudo para legitimar interesses do presente.

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                            Cargos públicos e enriquecimento

                            O uso de lugares públicos para proveito próprio é transversal a diferentes regimes. Não pode ser utilizado, como o fazem principalmente os fascistas e os populistas, para caraterizar a democracia e os partidos como fontes de natural corrupção, mas emerge, seja em que regime for, de todas as vezes que o sistema político não desenvolveu regras e práticas rigorosas que a contenham. Por muito que alguns casos venham a lume, ficará para sempre por fazer, por exemplo, um inventário completo da forma como entre nós o poder autárquico – onde tanto de positivo tem sido feito, onde tanta dedicação à coisa pública existe, sem dúvida alguma – em muitas situações alimentou ou encobriu interesses pessoais que todos os cidadãos constatam, mas poucos estão em condições de provar. Cargos ainda mais elevados podem, naturalmente, suscitar situações mais escandalosas.

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                              Refugiados, solidariedade e caridade

                              Passadas quatro semanas do início da invasão da Ucrânia, já chegaram a Portugal mais de 21.000 pessoas, a larga maioria composta por mulheres e crianças que aqui procuram refúgio, e com ele, em muitos casos, a possibilidade de escapar à morte e à destruição do seu país, podendo começar a refazer as suas vidas. Para trás ficaram muitos homens, e também algumas mulheres, que integram agora a corajosa, e, pelo que se pode ver, eficaz resistência armada ao invasor. Ficou também a vida toda: as suas casas, os seus bens, os amigos e familiares, o emprego, a escola, os projetos, as memórias.

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                                Bater na avó

                                Ser membro de um partido político não é, só um idiota o pode confundir, propriamente como ser sócio de um clube de futebol. Para além do pagamento das quotas e da necessidade de agitar a bandeira de vez em quando, a pertença a um partido digno do nome implica um conjunto de partilhas e de solidariedades que tornam a pessoa parte de um coletivo solidário, cuja vida está muito para além de noventa minutos de cada vez e é uma componente essencial da democracia. Sem este grau de adesão, não faz sentido integrar um partido e, tendo dado esse passo, delegar necessariamente, por vontade própria, uma parte da autonomia individual.

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                                  Sei de há muito, da história – tenho várias prateleiras da biblioteca preenchidas com livros que cruzam esse terrível género – e também da vida, que infelizmente existe um fascismo «de esquerda». Tristemente representado por aqueles que, em nome de grandes ideais formalmente igualitários, vividos sempre na fé e como abstrações, desqualificam o humano e não se importam de impor o sofrimento e a dor a quem se atravessar no caminho da «verdade» em que militam. Desde logo infligidos aos que se desviem uma vírgula da sua tão passageira quanto segura certeza, ou que consideram demasiado sentimentais por rejeitarem o determinismo histórico e que pessoas vivas sejam transformadas em peões ou estatísticas.

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                                    Pacifismo seletivo, capitulação e colaboracionismo

                                    Diante de todas as guerras, começando pelas travadas em larga escala sobre as quais circula um volume esmagador de informação e propaganda, importa falar de paz e trabalhar para que esta tenha lugar. Aliás, o objetivo da guerra é sempre a conquista de uma ordem fundada na paz, se bem que seja indispensável distinguir as travadas pela justiça ou contra a opressão, das outras, a maioria, onde a própria «pacificação» impõe uma ordem injusta e dolorosa, ainda que produzida com menor dose de ruído. Fala-se nestes casos de uma «paz podre», fundada na violência e na lei do mais forte. 

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