Arquivo de Categorias: Democracia

A banalização da «opinião» e os incidentes no Capitólio

Fora dos Estados que vivem sob regimes tirânicos, onde pensar e falar de forma livre é considerado crime, nas últimas décadas a valorização da opinião tem sido constante. Porém, tem ocorrido também uma perigosa degradação do conceito. O que tem ampliado o seu impacto é sobretudo a expansão da educação dos cidadãos, que sempre permite uma maior agilidade do pensamento e da expressão individual, bem como o alargamento dos direitos, entre estes o direito à palavra. Em sentido contrário, o efeito provocado pela ilimitada explosão da comunicação interpessoal, em particular aquela que passa pelo uso da Internet e das redes sociais, tem estimulado a sua desvalorização.

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    O rosto do populismo

    Temos um panorama razoavelmente claro da base social do populismo quando observamos as imagens que mostram a espécie de pessoas que se apresentou ontem no Capitólio para boicotar a certificação da eleição presidencial de Joe Biden. E que, por certo, se lhes tivesse sido permitido – a notória e escandalosa moderação da polícia não foi tão longe -, não teria problemas em linchar membros do Congresso e jornalistas. Olhamos aqueles rostos, a forma de vestir, de gesticular e até de caminhar daqueles indivíduos, maioritariamente homens, alguns com roupas ou acessórios militares, vemos o sentimento de impunidade e a satisfação triunfante que visivelmente exibiam, e damos de caras com o rosto da ignorância e da frustração social transportados na América por uma importante fração de deserdados «brancos».

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      Banalidades necessárias

      Mais uns quantas banalidades. Banalidades necessárias, porém, dado corresponderem a evidências que, justamente por o serem, com frequência acabam esquecidas. O uso da expressão «isso já se sabe», tantas vezes escutada sempre que alguém procura lembrar ao cidadão comum alguns princípios, verdades e lógicas que convirá não esquecer, corresponde sempre a uma combinação de arrogância e de descaso. De arrogância quando exprime uma rejeição do senso comum, sempre indispensável à vida coletiva, embora tantas vezes esquecido. E de descaso quando traduz o encerramento de quem a expressa na sua pequena bolha. A dos que «já sabem» e preferem não tocar no assunto porque isso os aproxima de uma vulgaridade que abominam.

      Isto vem a propósito de uma experiência constantemente partilhada no contacto com os outros, em particular com quem assume posições públicas, seja a que escala for. A experiência de quem prega a justiça, a ética e a coerência, mas apenas em abstrato, jamais as aplicando à sua própria vida, à relação empática com os outros, ou à apreciação do comportamento objetivo do seu grupo ou da sua família política. Encontra-se por todo o lado, bem sei, mas na direita, estruturalmente assente na defesa do individualismo, da ordem e da desigualdade, acaba por ser uma contradição «natural». Nela bem menos chocante, afinal, do que quando ocorre entre pessoas situadas no espectro da esquerda, que é, ou deverá ser, tendencialmente solidária, igualitária e justa.

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        Três memórias de Sá Carneiro

        1. Aconteceu ao início daquela noite de 4 de dezembro de 1980. Estava no último ano do curso de História e vivia em Coimbra num quarto arrendado em moradia cuja proprietária, uma professora de piano já de idade avançada, fazia questão de se mostrar todos os dias assumida herdeira de uma família de republicanos, laicos e maçons. Daquela vez entrou quarto adentro sem bater à porta e num riso quase incontido deu-me a notícia da morte, no trágico acidente de aviação que tinha acabado de ocorrer, de Francisco Sá Carneiro, Snu Abecassis e Adelino Amaro da Costa. Não me parece hoje motivo de risota, e nem tal me pareceu naquela altura, mas o facto de ter acontecido o que aconteceu, como aconteceram outros sinais análogos perante o sucedido, pode hoje compreender-se se recuperarmos a memória de um tempo no qual Sá Carneiro era ainda, por muitos cidadãos, tomado como o mais perigoso líder da direita portuguesa.

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          Contra o império da banalidade

          Num livro publicado em 1974, Banalidades de Base, à época um razoável êxito editorial, Raoul Vaneigem, a par de Guy Debord um dos principais teóricos da Internacional Situacionista – movimento que entre as décadas de 1950 e 1970 influenciou bastante certos meios da vanguarda artística e intelectual ocidental –, considerou que as sociedades sufocam «sob o manto de banalidades, reproduzidas de geração em geração e adaptadas ao gosto de cada época, que fazem soar através dos séculos a sentença de morte e a vaidade aplicadas aos destinos humanos». Os situacionistas procuravam conferir ao conceito de mudança revolucionária uma dimensão intensamente vivencial, não apenas associada à transformação política, e a frase de Vaneigem procurava dar conta da importância, numa lógica de emancipação, do que havia a fazer para escapar à escravizante ditadura que a banalidade exerce sobre a vida de todos os dias.

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            25 de Novembro: o fim da festa

            A esta distância de 45 anos vemos de forma mais completa e compreensiva os acontecimentos de 25 de novembro de 1975. Sabemos que foi um momento intensamente dramático, integrado no processo de transição democrática que só terminaria com a ratificação, no 25 de abril seguinte, da nova Constituição da República, e com a realização, neste mesmo dia, das eleições legislativas de onde sairia o I Governo Constitucional. Para quem viveu intensamente o Processo Revolucionário foi isso, mas foi também muito mais: o dia que marcou o fim da bela utopia de igualdade e de fraternidade que deveria ser alcançada a pulso e rapidamente. Na manhã de 26 recordo-me de ter saído à rua – e de me ter cruzado com tantas pessoas em idêntico estado de tristeza – com uma amarga sensação de perda, de pesadelo e de fim de festa.

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              «Esta suposta democracia»

              Quase todos podemos hoje escrever para um público e, se não vivermos sob uma ditadura, emitir opiniões sobre seja que assunto for. A esfera pública ampliou-se numa pluralidade de espaços nunca antes vista, e, como lembrou Habermas, multiplicaram-se os processos dialógicos de comunicação, articulando opiniões, ideias, disposições morais e juízos normativos que passaram a orientar a vida social a uma escala sem precedentes. Isto é essencialmente positivo, uma vez que amplia o direito de cada indivíduo ou grupo a ter a sua voz escutada. Todavia, transporta também consigo perigos vários, pois se o debate público se transforma numa Babel de vozes e escolhas onde todos os argumentos se equivalem sem a mediação fornecida por critérios de verdade e de reconhecimento, sem qualquer responsabilização cívica ou ética e sob a forma de ruído, a democracia que a ampliação da pluralidade prometia converte-se naquela guerra de todos contra todos que pelos meados do século XVII Thomas Hobbes já temia. 

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                A América e os dias que aí vêm

                Olhamos as circunstâncias que antecederam e acompanharam estas eleições presidenciais na América e tendemos, de forma natural, a esperar um futuro próximo muito incerto, com todas as probabilidades de decorrer num cenário de conflituosidade intensa e prolongada. A hipótese de um conflito civil, que alguns catastrofistas sugerem como possibilidade, não é crível por muitas razões. Anoto apenas duas, das mais importantes: de um lado, a memória de longa duração que os norte-americanos partilham ainda da guerra que entre 1861 e 1865 dividiu a nação, originando cerca de 800 mil mortos entre militares e civis; do outro, o facto de não existirem hoje antagonismos, ou móbeis de conflito, suficientemente fortes e imperativos para impor um desenlace tão extremo. Aliás, ocorrem até fatores de proximidade que tenderão sempre a moderar um hipotético conflito generalizado, nomeadamente no que diz respeito à defesa interna do sistema político, da economia liberal e dos valores do individualismo, bem como a um certo sentido da continuada responsabilidade perante a cena política mundial, que coexistem, ainda que em grau variado, entre pessoas e grupos que têm estado em campos opostos. Permanecem, porém, escolhas e atitudes incompatíveis e exaltadas que irão impor a instabilidade e a violência.

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                  Dilemas da esquerda política em tempo de crise

                  Em artigo publicado em outubro na revista Public Seminar, Mitchell Abidor desenvolveu uma útil reflexão sobre os caminhos plurais da esquerda política e a necessária resistência que esta tem o dever de levar a cabo contra a vaga autocrática, revanchista e populista que procura servir-se das democracias e das contradições do Estado social para os fazer desmoronar. O escritor e tradutor norte-americano apoia-se para o efeito na experiência histórica da Frente Popular, que, dirigida por Léon Blum, governou a França entre 1936 e 1938, juntando a SFIO (o embrião do futuro Partido Socialista), o Partido Radical e o Partido Comunista (que apoiava os dois primeiros, sem, todavia, participar diretamente no Governo), mas incorporando igualmente toda uma nebulosa de outros movimentos e personalidades da esquerda e do antifascismo.

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                    Porque há tanta gente desta?

                    Vença quem venha a vencer, os resultados das eleições presidenciais norte-americanas têm suscitado uma dúvida legitima, mas que exprime alguma ingenuidade política. Quem a exprime parte do princípio segundo o qual os Estados Unidos da América são uma sociedade «civilizada», no sentido tradicional do termo, que deveria por isso excluir práticas e valores como os exibidos por Donald Trump e os seus numerosos apoiantes. Surge então a dúvida natural: «Como pode tanta gente defender um homem assim? Como pode ela ser tão cega após quatro anos de governação desta personagem egocêntrica, mentirosa, agressiva e tão primária?» O mesmo problema coloca-se na abordagem da situação vivida em Estados europeus, questionando o apoio hoje dado a posições políticas conflitivas e irracionais que questionam os princípios mais básicos do convívio democrático e da solidariedade humana. Olhemos, porém, o caso americano.

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                      Entre a decência e o ódio

                      Não existe vida fora da política, uma vez que não tomar posição política é, como se sabe pelo menos desde Aristóteles, uma escolha política. Por muito que nos façamos de inocentes, sempre representamos um papel no teatro social e do poder, mesmo quando nos proclamamos «apolíticos». Mas já existe vida fora da ideologia, uma vez que podemos estar ou não de acordo com uma metanarrativa da história, como podemos construir a nossa própria mundividência, ou simplesmente não pensar muito nisso. Existe, assim, uma diferença aguda entre a política ativa, empenhada, militante, e a escolha ocasional de uma causa ou de uma barricada.

                      É aqui que entra o barómetro da decência, no sentido mais cristalino tomado pelo conceito: o da dignidade, da correção, da civilidade, da honradez, que se definem, é certo, num plano ético abstrato, mas que permitem um vasto leque de comportamentos, pautados pelos princípios básicos do convívio humano. A palavra é essencial quando, confrontados com o apoio momentâneo a escolhas políticas com as quais não nos identificamos, as colocamos apenas no patamar mínimo da decência. Assim encaro a escolha dramática desta noite: um confronto muito básico, mas crucial, entre o limiar da decência e o precipício do ódio.

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                        Preocupar-se com as eleições nos EUA

                        Ao lado do grande volume de posts e ligações relacionados com as eleições de hoje nos Estados Unidos da América, encontro comentários nas redes sociais, alguns deles de homens e mulheres de quem gosto bastante, que questionam o excesso de referências sobre este importante momento que estão a circular. Não me refiro a duas ou três atitudes desta natureza: só no meu feed do Facebook, sempre a rolar dado grande volume de contactos, apareceram à vontade uma vintena. Entendo bem o eventual incómodo pela repetição do tema, pois nem sempre estamos disponíveis para os mesmos assuntos e certas vezes o excesso acaba por enfartar um tanto, mas neste caso trata-se, a meu ver, de um erro de pontaria. As eleições nos EUA, a política dos EUA, a vida quotidiana nos EUA, têm uma influência direta na do planeta e até no ar (político e cultural) que se respira, principalmente nesta parte do mundo em que habitamos.

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                          Eleições nos EUA – Lembram-se do sapo?

                          Insuportável, mas também bastante perigoso, o constante ramerrão que se escuta por aí, proveniente dos setores minoritários, embora muito militantes, para os quais as duas partes envolvidas em contenda nas eleições presidenciais americanas deste 3 de novembro «são a mesma coisa». Com a pequena nuance que um ou outro dos seus representantes até concede: «são praticamente a mesma coisa». Para eles, tanto faz.

                          Trata-se, na verdade, dos nostálgicos da Guerra Fria, quando o mundo bipolar era simples, a preto e branco, capitalismo versus socialismo sem grandes nuances, e o imperialismo, «estádio supremo do capitalismo», ainda tinha a forma e usava os mesmos processos descritos por Lenine na conhecida obra publicada em abril de 1917. Tudo se desculpa até, em consequência, aos atuais governantes da Rússia ou da China, Estados onde o seu poder centralista e autoritário – no segundo caso, sem sequer manter o simulacro de democracia que o primeiro ainda ostenta – se ergue «positivamente», na lógica do presente equilíbrio internacional que concebem, contra o lugar ocupado pelos Estados Unidos. Estes, seja quem for que os governe, são e serão «sempre os mesmos», salvo, para essas pessoas, no dia em que por um passe de mágica um locatário da Casa Branca caído do céu decida dissolver o país ou, em alternativa, acabar com o papel que nele desempenham a propriedade privada e a economia liberal.

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                            Eleições nos EUA e cachimbo da paz

                            Estamos quase a 3 de novembro, o dia das eleições presidenciais nos Estados Unidos da América. Todas as sondagens e tendências do voto por correspondência apontam, ainda que com números desiguais, para uma vitória da dupla Biden/Harris, enquanto as desgrenhadas manobras de última hora levadas a cabo por Trump parece estarem até a ter um efeito negativo junto da estreita mas determinante percentagem de eleitores indecisos. Cada vez se percebe melhor que o presidente-«bully» contará quase apenas com os seus indefectíveis, recrutados sobretudo entre as pessoas com menos instrução, ou então fanatizadas pelos grupos cristãos fundamentalistas, racistas ou de extrema-direita. É claro que, no campo democrata, nada estará absolutamente garantido antes da madrugada do dia 4, ou, se os resultados estiverem ainda muito equilibrados, talvez só o venha a estar alguns dias depois, mas pode dizer-se, já com alguma certeza, que salvo uma grande surpresa os democratas obterão mais delegados no colégio eleitoral que os republicanos. E quanto ao voto popular, esta é já seguro, se bem que Al Gore e Hilary Clinton, em 2000 e 2016, tenham ganho deste lado e perdido no outro, aquele que é realmente decisivo para instalar o inquilino da Casa Branca.

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                              O intelectual público, agora

                              Em 1993, numa conferência proferida em Reith, na Áustria, Edward Said definiu a condição do intelectual público como a de alguém que se esforça por produzir e divulgar um ponto de vista, partilhando-o e estimulando expectativas junto de um público ao qual se dirige, defrontando os entraves que sempre lhe são colocados. O intelectual público, homem ou mulher, é assim alguém que pensa por si próprio, sempre com o objetivo prioritário de dinamizar a reflexão coletiva e de questionar a ordem do mundo, embora não necessariamente de a fazer ruir. Por isso lhe são postos os entraves de que fala Said: se é um pensador, um comunicador e muitas vezes um dissidente, exercendo a sua atividade, de uma forma necessariamente pública e aberta, incomoda sempre aqueles que impõem a sua autoridade apoiados na ignorância e na manipulação do cidadão comum.

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                                Uma opção de lamentar

                                Desde já uma declaração de intenções, destinada a que estas linhas não sejam imediatamente traduzidas num «ataque» político que não pretende ser: à exceção das eleições legislativas de 2015, em que até fui candidato de um projeto então «perdido à nascença», tenho sido, desde a sua fundação em 1999, da qual estive próximo, eleitor e regular «compagnon de route» do Bloco de Esquerda. E desta forma tenho vontade de continuar. À parte uma ou outra divergência pontual, a maior discordância formal – que na altura verbalizei de forma pública e ainda hoje mantenho -, ocorreu em 2011, quando do enorme erro politico que conduziu à dissolução do parlamento e abriu as portas, como já se esperava, aos quatro catastróficos anos do passismo. Aliás, vi-me então acompanhado por muitos militantes e eleitores «bloquistas», com quem partilhei essa fortíssima discordância. Nesse ano, o Bloco caiu dos 9,82% para os 5,17%.

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                                  Duas canções sobre a América

                                  O mote desta crónica prende-se com as eleições norte-americanas de 3 de novembro e combina o título de uma conhecida canção, God bless America, escrita por Irving Berlin durante a Primeira Guerra Mundial, e transformada no curso da Segunda em hino patriótico, com o de uma outra, This is not America, da autoria de David Bowie, gravada em 1985 com o grupo do guitarrista Pat Metheny. No último parágrafo esclarecerei o sentido deste jogo.

                                  Depois de ao longo do século XIX os Estados Unidos da América terem sido encarados como lugar de fuga e de exílio para milhões de perseguidos e espoliados, como espaço de oportunidades ou enquanto pátria da liberdade, a partir do século passado boa parte do pensamento progressista passou a vê-los como sede ou fautor dos maiores males da humanidade. O impacto da Revolução Russa de 1917, e depois o da Guerra Fria, bem como as lutas de libertação nacional, iriam forçar em muito essa aversão. Sucessivos governos e alguns setores da sociedade norte-americana tudo fizeram, aliás, para merecê-la. As grandes disparidades sociais, o apoio a tiranias sanguinárias, o desvario imperial e belicista, a cultura do quotidiano tantas vezes pautada pelo poder do dinheiro e da ignorância, pelo fanatismo e pelo racismo, foram, aliás, fatores que ajudaram a ampliá-la. Mesmo sabendo-se que ali continuava a existir esse grande espaço aberto onde se mantinha a liberdade de viver, de trabalhar, de pensar e de opinar, bem como a de lutar por uma sociedade mais justa.

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                                    Contra o rancor e a cultura do ódio

                                    O percurso humano foi sempre profundamente marcado pela violência e pela guerra. Os primeiros relatos históricos – muito curtos, expostos a partir de 3000 a.C. nas tabuinhas sumérias em argila e depois nos grandes monumentos em pedra da Antiguidade Oriental – foram, aliás, os de batalhas que exaltavam os vencedores e amaldiçoavam aqueles que os tinham afrontado, celebrando o seu massacre. A reconstituição das sociedades pré-históricas aponta no mesmo sentido: uma representação do mundo em cujo centro estava a luta pela sobrevivência e pelo poder com o exercício do confronto com o outro como principal experiência. E apesar de as primeiras civilizações terem procurado observar ocasiões de paz, estas foram sempre breves pausas entre largos períodos mergulhados em tensões e conflitos armados. A cronologia da história universal mostra como, até ao presente, pouquíssimos foram os anos sem guerras ou tumultos determinados pelo desejo de aniquilação do odiado adversário.

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