Arquivo de Categorias: Democracia

Vento que sopra de Espanha

Uma vez mais, as eleições no país que nos coube na sorte da história e da geografia ter aqui mesmo ao lado parecem pouco ter a ver connosco. A atenção da comunicação social portuguesa é reduzida, e a ocorrência do tema na opinião pública – se procurarmos ver, por exemplo, a sua presença nas redes sociais ou em debates na televisão e na rádio – é residual. E, no entanto, algo teríamos a ganhar se usássemos alguma da sua experiência como possível exemplo, ou como ponto de partida para olhar num plano comparativo a nossa própria vida comum. Assim aconteceria se, por exemplo, tivéssemos reparado no comportamento dos partidos que participaram na noite de ontem, quarta-feira, no último debate entre os principais candidatos a primeiro-ministro organizado pela RTVE.

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    O desastre estratégico de Putin

    Quem observar a realidade mundial pós-invasão putiniana da Ucrânia perceberá que os objetivos do seu mentor – reduzir a área de influência dos EUA e assegurar a continuidade de uma estratégia de expansão e domínio não menos imperialista – perceberá que eles se traduziram num rotundo falhanço. Não só a Europa, apesar das suas diferenças, se aproximou mais política e militarmente, como a NATO viu reforçados o seu poder e a sua retórica de legitimidade.

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      «Neonazi» é ultraje sério

      O tema deste artigo foi-me sugerido pela leitura de uma entrevista feita ao autor colombiano Héctor Faciolince, saída no diário Público, onde este relata a sua terrível experiência quando há alguns dias um míssil russo caiu na pizzaria em Kramatorsk, no Leste da Ucrânia, onde se encontrava. A explosão provocou 13 mortos, entre eles a escritora ucraniana Victoria Amelina, com quem estava a almoçar: «de repente estávamos no inferno», relata, ainda perturbado e a recuperar dos ferimentos. Lembra, aliás, que o ataque não foi um «dano colateral» da guerra, mas uma escolha deliberada e cirúrgica, associada ao facto do Ria Lounge ser «o restaurante onde todos os correspondentes de guerra na Ucrânia vão quando estão na cidade».

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        Sobre a utilidade das vanguardas

        Vivemos cercados por uma forma conformista de encarar o presente. Segundo ela, as sociedades que não se autodestroem apenas podem ser geridas pelos valores e limites impostos pelo neoliberalismo, apresentado como o mais perfeito e o último dos sistemas que atravessaram a história. Para este, como afirmava Margareth Tatcher e continuam a repetir os defensores do desmantelamento do Estado social, «não há alternativa». Esquece-se a ideia de progresso proposta pelos filósofos iluministas, que orientou os grandes ideais de transformação depois seguidos por mais de duzentos anos. Ao mesmo tempo, fixa-se o futuro num horizonte expectável, de cor cinza, como se a vida das sociedades fosse agora uma eterna repetição, abandonando-se a perspetiva linear do trajeto histórico, potencialmente moderna e libertadora, e retomando-se à tirania da noção circular do tempo, perante a qual nada de substancialmente novo há a esperar. 

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          O incrível branqueamento de Berlusconi

          Por incrível que possa parecer, estamos a assistir esta segunda-feira, em alguns órgãos de comunicação social e em recantos das redes sociais, a um branqueamento do trajeto de Silvio Berlusconi que acompanha a notícia da sua morte. É verdade que o empresário arrivista, devasso contumaz e político persistente «marcou Itália nos últimos 40 anos», mas fê-lo apenas porque, pioneiro na Europa da vaga de populismo que emergiu nos anos oitenta do século passado, foi por três vezes primeiro-ministro, marcando ao mesmo tempo o mundo dos negócios e do entertenimento no seu país.

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            «Peso da responsabilidade» e miséria do anonimato

            Esta crónica não tem um fundo moralista, embora possua um fundamento ético, no sentido proposto n’O Mito de Sísifo por Camus: «Todas as formas de moral se baseiam na ideia de que qualquer gesto tem consequências que o legitimam ou que o negam». Isto implica uma pluralidade de práticas e de valores, julgados nas diferentes construções culturais e políticas como legítimos ou como inaceitáveis. Neste contexto, o iluminismo produziu uma perceção peculiar da moral, capaz de combinar liberdade individual e dever para com o coletivo, e depois o romantismo fez dela estandarte. No século XX, que Michel Winock chamou «dos intelectuais», estes assumiram-na como fator-chave da conduta pública e do reconhecimento social.  

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              A asfixia da «cultura do ódio»

              O que aconteceu há dias com o futebolista brasileiro Vinícius Júnior, do Real Madrid, vítima de racismo durante o jogo com o Valencia realizado no estádio deste clube, com largos milhares de pessoas a urrar e a chamá-lo de «macaco» devido à cor da pele, não foi uma situação excecional. Nem diz apenas respeito ao universo do futebol, onde episódios desta natureza se têm multiplicado. Também não foi só um caso gravíssimo de racismo. Tratou-se sobretudo de um sintoma dessa negativa «cultura do ódio» que está a cercar as nossas vidas e é transversal ao desporto, à política, ao quotidiano e mesmo aos territórios da cultura e do lazer, supostamente mais tolerantes. 

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                O caso Vladimir Pliassov e a russofobia

                1. A propósito do «caso Vladimir Pliassov», o professor de língua russa e diretor do Centro de Estudos Russos da Faculdade de Letras Universidade de Coimbra, já aposentado embora dando aulas graciosamente, que depois de 35 anos de serviço foi agora afastado pelo Reitor, sem qualquer intervenção ou sequer conhecimento da sua própria faculdade, por real ou supostamente fazer «propaganda russa» e de Putin junto dos alunos e nas aulas, deixo aqui algumas palavras que em boa consciência não poderia deixar de escrever.

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                  Uma novela assustadora

                  Salvo para o jornalismo sensacionalista e para os profissionais da pequena política, já ninguém aguenta o episódio que envolveu o ministro Galamba e um seu ex-assessor. Independentemente dos detalhes do caso, e de poderem existir alguns de facto complexos, o menor esforço de racionalidade deveria ser suficiente para se perceber que na estrutura de funcionamento de um qualquer ministério existem deveres de confiança política e de reserva. No que está em causa, como na gestão de qualquer organismo de governo, que se saiba existe uma cadeia de autoridade e de responsabilidade, não fazendo cada um aquilo que bem entende. 

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                    Cerco às sedes e lições da história

                    Em 1975, após a viragem de 11 de março, começaram a ocorrer em Portugal, organizados por movimentos terroristas de extrema-direita – os partidos da direita democrática, incluindo o CDS, não participaram como tal nessas ações – cercos e ataques às sedes do Partido Comunista e de algumas organizações da esquerda revolucionária, sendo várias delas destruídas e chegando a haver pessoas agredidas. A violência começou no norte do país, incitada também por setores mais conservadores da Igreja católica, com influência sobre muitas pessoas despolitizadas, mas logo foi descendo no mapa. Parte do que se chamou «verão quente» passou por estes incidentes.

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                      Problemas e desafios da inteligência artificial

                      A inovação tecnológica esteve desde sempre associada a correntes de entusiasmo e adesão, mas também de rejeição e de descrédito. Por isso precisa sempre de persistência e tempo para enfrentar a pressão da desconfiança e, principalmente, do medo. Assim aconteceu em momentos como os da invenção e da difusão da imprensa, do surgimento da fotografia e do cinema, da expansão do telefone, da rádio e da televisão, da massificação dos computadores e da Internet, ou da propagação da leitura digital. Em qualquer deles, a tendência inicial foi para a desconfiança e para o boicote, tomando-se a sua recetividade como algo que os profetas da desgraça, em defesa do «status quo», sempre consideraram mero capricho de quem apenas procura a novidade.

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                        Cultura da denúncia e assalto à democracia

                        Todos os regimes autocráticos firmam a sua autoridade no uso arbitrário da força, na eliminação da divergência e na disseminação do medo. Para o conseguirem recorrem ao que Foucault chamou os mecanismos da microfísica do poder, combinação tóxica de vigilância hierárquica e sanção normalizadora que dá corpo à disciplina. Esta foi sempre particularmente severa sob as tiranias e as ditaduras, em especial naquelas que incorporaram o complexo totalitário, capaz de impor, nas palavras de Hannah Arendt, «uma dominação permanente de todos os indivíduos em toda e qualquer esfera da vida».

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                          Jornalistas… ou nem por isso

                          Não apenas por ter aprendido a ler através de um jornal diário, por escrever na imprensa há mais de cinquenta anos, por ter dado aulas ao longo de cerca de uma década num curso de jornalismo de uma universidade pública, ou ainda por tomar a comunicação social como crucial para o adequado funcionamento das sociedades democráticas, tenho o maior respeito pela profissão de jornalista. Sou amigo de alguns e de algumas, e conheço muitos que o são com um J bem maiúsculo, seguindo-os sempre que posso a agradecendo o seu trabalho. Estes vivem a sua difícil profissão com grande empenho, dignidade e valor.

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                            Novo pensamento único e cultura global do ódio

                            Ditaduras e tiranias, seja qual for a forma que tomam ou os princípios de teor político e ideológico que as justificam, assentam no uso arbitrário da força, na supressão da divergência e na instalação do medo. Conseguem-no, num primeiro momento, recorrendo a mecanismos destinados a silenciar toda a discordância: a polícia política, uma censura férrea, o controlo dos meios de comunicação, tribunais obedientes ou leis antidemocráticas que excluem ou controlam o voto livre, o pluralismo e o exercício da crítica. São estes os instrumentos habituais de imposição de uma ordem única que se crê eterna e se pretende incontestada. Porém, para quem os promove, eles ainda são insuficientes, sobretudo em sociedades cada vez mais complexas e dinâmicas.

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                              O 25 de Abril – ontem, hoje e amanhã

                              A data do 25 de Abril (escrito sempre com maiúscula) transporta consigo uma profunda carga simbólica. Não apenas por evocar o dia fundador da nossa democracia, mas por integrar também uma memória da longa e heróica resistência ao fascismo, da luta pela liberdade de viver e de opinar, do combate pela dignidade dos direito fundamentais e da esperança num país mais solidário e mais desenvolvido. A um ano de cumprir os seu quinquagésimo aniversário, permanece sem dúvida, para a maioria dos portugueses e das portuguesas, um momento fundamental de celebração e de identidade democrática.

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                                As formas de tratamento, como todos os processos usados para verbalizar a interação humana, mudam de acordo com o tempo e os lugares. Em Portugal sempre foram complexas, e nos Estados de língua oficial portuguesa, por vezes consoante as regiões como acontece no Brasil, essa complexidade é replicada. Em Formas de Tratamento na Língua Portuguesa, livro de Lindley Cintra publicado em 1972, descreve-se particularmente a formação, em boa parte por decreto régio da primeira metade do século XVIII destinado a realçar as hierarquias, das fórmulas mais cerimoniosas. Como aquele intimidatório «Vossa Excelência» que alguns ainda utilizam. No geral e em todas as línguas, essas fórmulas tendem sempre a transformar-se, acompanhando a natural evolução vocabular e o contexto cultural e social em que esta sempre ocorre.

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                                  Disse, repeti e insisto ainda: se tivesse a cidadania brasileira, teria votado Lula sem qualquer hesitação. Nas últimas presidenciais e nas anteriores, perdidas para Bolsonaro. Isto não significa que concorde com todas as suas posições, ou com muitas práticas do PT, sobretudo algumas do passado, mas que o que me aproxima dele – aquilo que dele aproxima todas as pessoas de esquerda – é muito mais importante do que o que nos pode pontualmente separar. Por isso, é com a maior satisfação que vejo as imagens da sua chegada esta sexta-feira a Portugal para uma visita de vários dias que culminará a 25 de Abril.

                                  Sublinho, todavia: satisfação, não entusiasmo. Uma reserva que se deve a posições recentes sobre política internacional que me parecem muito erradas e mesmo nocivas. A mais comentada refere-se à culpabilização da Ucrânia, e dos seus aliados ocidentais, pela guerra de invasão e destruição levada a cabo pela Rússia. Mas outra, menos referida nas notícias, é ainda pior, e diz respeito ao que proclamou em Pequim: a inscrição do Brasil numa «nova ordem internacional» que tem a ditadura chinesa e a tirania russa como eixo. Uma escolha inaceitável para um defensor da liberdade e dos direitos humanos.

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                                    Até a situação se encontrar esclarecida, não comentarei publicamente em detalhe o caso relacionado com o CES, do qual sou investigador sénior desde janeiro de 2002. Tenho uma posição sobre ele e sobre pessoas envolvidas, mas não me parece que neste momento a minha perspetiva acrescente algo de positivo a um processo entretanto objeto de inquérito. Não posso, porém, deixar de manifestar repulsa pela forma como várias pessoas que se afirmam investigadores/as do mesmo Centro – umas sê-lo-ão, outras são ou foram apenas colaboradores/as ocasionais – estão a recorrer sistematicamente ao anonimato, do qual alguma comunicação social se está a servir profusamente para revelar isto ou aquilo, ou para acrescentar invenções e suposições, numa exibição de péssimo jornalismo sempre no sentido de agravar o alvoroço público diante de um caso sério e que merece todo o cuidado. Em democracia, onde quem possui as suas razões tem todo o direito de as exprimir e de as defender, o anonimato chama-se cobardia e deve ser alvo de desprezo. E quem dele se sirva como arma de arremesso ou para obter público também.

                                    Adenda (escrita cerca de 48 horas depois) – A minha referência ao anonimato não se reporta, quero deixar isto bem claro, às eventuais vítimas de assédio. Em alguns casos ele é compreensível. Refere-se, sim, às pessoas, homens e mulheres, que aproveitam a situação para, sem darem a cara e se responsabilizarem pelo que afirmam, tentarem resolver ou agravar conflitos pessoais, inimizades ou ressabiamentos.

                                    [originalmente no Facebook]

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