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Palavras rápidas

As palavras e a crise

Quando tive a primeira gramática – se não me engano a de Pires de Castro, que já vinha do final dos anos trinta e herdei de um tio – fixei-me, como qualquer criança normal que prefere o misterioso e o inesperado, nas interjeições. Essas palavras-relâmpago, indeclináveis, que nunca mudam mas revelam sempre fortes estados emocionais e sensações súbitas. Que empurram sem nos deixarem pensar, que incentivam ou assustam dispensando frases que demoram demasiado tempo a pronunciar. Com algumas foram casos de amor à primeira vista: Apre! Irra! Arre! Ufa! Eia! Sus! Mesmo o Ai! e o Ui! pareciam bombons para quem achava ainda que a dor durava só um segundo. Existiam também aquelas que o padre confessor traduzia numa penitência infernal de dez salvé-rainhas, trinta pai-nossos e cinquenta avé-marias, como Porra! Merda! Chiça! e outras que os vocabulários impressos omitiam. A vida vivida foi trazendo mais, menos vulgares, imperativas, como Oxalá! Coragem! Força! Avante! Tchau! Uau! Já o assanhadiço Capitão Haddock ensinou-me as melhores: Raios! Coriscos! Ectoplasma! Equinoderme! Cercopiteco! Lembrei-me de todas elas por estes dias ao sentir na pele os pesados açoites do PECIII, ao ouvir as palavras dos economistas de uma nota só que pedem mais e mais sangue, ao ver os noticiários dos canais de televisão que se comprazem em deixar-nos mais deprimidos a cada minuto. Credo! Chega! Socorro! Rua! Ah! Aaaaaahhhhhh!

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    Sol e poeira

    Open Range

    Havia tempo. Tinha saudades de um western normal e previsível. Daqueles onde os maus, gananciosos e sem piedade, se encontram de olhos nos olhos com os bons, firmes quando é preciso mas sempre generosos, sob um sol toldado pela pólvora e pela poeira. Noite fora e sem pipocas, vi ontem, via RTP1, Kevin Costner e Robert Duvall em quase três horas de um filme assim.

    «Waite, Spearman, Button e Harrison tentam fugir ao passado, criando gado nas pradarias, onde a lei é a da Natureza. Os cowboys tentam seguir um código de lealdade e integridade e evitam a violência. Ao chegar a uma cidade dominada pela corrupção e tirania, no entanto, estes homens são forçados a entrar em acção.»

    No final de Open Range (A Céu Aberto, de 2003, dirigido por Costner), e em harmonia com o modelo, consumada a justiça o pistoleiro de boa índole pediu em casamento a moça compassiva – bem, já não era tão moça assim pois «já lhe despontavam as cãs» – que sempre esperara por ele. E a paz regressou à pradaria. Quando apareceu no ecrã o clássico «The End» transpirava um pouco e tinha na boca o sabor inconfundível de um filme «para maiores de 12 anos». Tinha saudades.

    [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=MyS53TALCY8[/youtube]
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      Não, obrigado

      camisa branca

      Não diria que é aquilo que mais temo perante a possibilidade de a crise política que se adensa nos empurrar para as mãos de Pedro Passos Coelho. O que pode acontecer aos destinos do país e à vida das pessoas, entregues de vez à volúpia da «cultura empresarial», afigura-se bem pior do que o aspecto de quem venha a gerir o estabelecimento. Mas é este, seguramente, um dos factores que me perturba. Ponderar como inquilino da residência de S. Bento um típico e obstinado beto dos eighties, seguido por um séquito de réplicas, é um pesadelo que me tem povoado as noites. Ser governado por alguém que aparenta querer impingir-nos a qualquer momento um pólo da Lacoste ou da Ted Lapidus, penteado «à Joe Dassin», de discurso tenso e redondo, soturno e previsível, ter de conviver diariamente com a seriedade enfatuada e a representação icónica do aborrecimento, constitui para mim uma preocupação adicional de ordem estética e ecológica. Talvez pareça um tanto frívolo e com angústias de baixa densidade política, mas não encontro nada que afaste de mim este enjoo. Já a cidadã Zulmira Ferreira, cujo voto vale rigorosamente o mesmo que o meu, pensa de forma muito diferente.

      Esclarecimento ao Dgmo. Público: Este post não é um apelo ao voto útil.

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        Fantasia

        navegar é preciso

        Há bem mais de um ano que não controlava as frases depositadas nos motores de busca que transportam os leitores irregulares até este blogue. Mas devia fazê-lo mais vezes porque aprendo sempre imenso sobre as fantasias e os conflitos mais cavados de quem me lê de raspão. Nesta semana duas frases se destacam de todas as outras: «meninas vestidas de soldado» e «se eu gostasse muito de morrer». Em ambos os casos a minha imaginação, que por estes dias se tem sentido tristemente paralisada, libertou-se e voou à solta. E a sua?

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          Egas e Gilberto

          Vila Nova
          Ruínas da Casa de Vila Nova, quinta onde viveu D. Egas Moniz

          Com um bocado de preguiça para ir agora à procura de livros e de fotocópias que li e guardei há uma data de anos, sirvo-me da Infopédia para num exercício acrobático de copy-paste me referir a um dos mitos que povoaram a infância de muitos compatriotas de outras eras, identificando um dos esteios da linhagem de heróis e de santos, ou de santos-heróis, que um dia fizeram com que Portugal se tornasse Portugal.

          «Conta a lenda que, por altura do cerco a Guimarães, Egas Moniz, aio de D. Afonso Henriques, decidiu negociar a paz com o monarca castelhano Afonso VII. A troco da paz prometeu-lhe a vassalagem de D. Afonso Henriques e dos nobres que o apoiavam. Afonso VII aceitou a palavra de Egas Moniz. Um ano depois, D. Afonso Henriques quebrou o prometido e resolveu invadir a Galiza. Vestidos de condenados [e de baraço ao pescoço, prontos para a forca, rezam algumas vozes, RB], Egas Moniz e a sua família apresentaram-se na corte de D. Afonso VII, em Castela, pondo nas mãos do rei as suas vidas como penhor da promessa quebrada. O rei castelhano, diante da coragem e humildade de Egas Moniz, decidiu perdoar-lhe. Ao entregar-se, Egas Moniz ressalvava a sua honra e também a de Afonso Henriques, assegurando através da sua astúcia a futura independência de Portugal.»

          Acrescento alguns dados que me deu menos trabalho obter: Egas, filho de D. Munho (ou Muninho) Ermiges de Riba Douro e de D. Ouroana, pertencia a um das trinta famílias que originaram a nobreza de Portugal. Combateu os mouros entre 1106 e 1111, governou a região de Lamego a partir de 1113 e durante cinco ou seis anos. Foi por essa altura que o Conde D. Henrique lhe entregou como pupilo o irrequieto filho, Afonso Henriques, que D. Egas passou a acompanhar. O episódio lendário encontra-se associado ao termo do cerco de Guimarães pelo exército de Leão, ocorrido em 1127 (quando Afonso VII ainda era somente rei da Galiza e Leão; em breve sê-lo-ia também de Castela, juntando mais tarde Navarra e Aragão). Em 1136 Moniz tornar-se-ia figura fulcral da corte do nosso primeiro rei, morrendo dez anos depois, coberto de honras, propriedades e divinas bênçãos. A lenda, essa veio muito mais tarde, quando alguns dos seus descendentes requereram da monarquia algumas prebendas devidas pelo suposto testemunho de honradez que o seu avoengo ofertara.

          Julgo não ser de todo inopinada a associação deste episódio à ida do burguês licenciado D. Gilberto Madaíl, nascido no Congo mas português de quatro costados, e do jurisconsulto D. João Rodrigues, homens-bons do governo da Federação Portuguesa de Futebol, a Madrid, a fim de prestarem vassalagem ao Condestável D. José Mourinho, solicitando os seus préstimos para salvar a pátria futebolística da miséria e do opróbrio. Este recebeu-os com primor, brindando-os com uma lauta refeição, na presença de damas, moços da escuderia e de alguns menestréis, e tudo fez para que os enviados portugueses pudessem chegar à fala com o seu senhor, D. Florentino Pérez, alcaide-mor do Real Madrid, a fim de selar o desejado pacto. Infelizmente tinha D. Florentino a agenda muito preenchida e não os pôde receber, pelo que regressaram os gentis-homens portugueses aos seus territórios sem lograrem cumprir o preito de sujeição ao qual tinham sido cometidos. Ficaram assim impedidos por ora de acautelar os destinos do reino e de por tal via retomarem a lendária e exemplar gesta de D. Egas, que Deus conserve em sua guarda pelos séculos dos séculos.

          Adenda: Raramente aqui trato de futebol, mas neste caso a preocupação com os destinos da pátria falou mais alto.

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            Malas aviadas

            [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=INkLVwtIr_I[/youtube]

            Nunca estive em Cuba e não sei se algum dia por lá poderei passear de sidecar, como Ry Cooder passeou sobre o asfalto estaladiço que debrua o Malecón. Durante um certo tempo, enquanto a ilha me serviu de cenário para projectar um outro mundo possível, tive alguma pena de não conhecer Havana. Depois, com os indícios que foram chegando – os sinais de fumo lançados pelos primeiros dissidentes, os relatos das conversas com pessoas que tinham visitado a ilha, as declarações transparentes dos responsáveis pelo regime – senti-me incapaz de por ali me fazer passear de chinelos e Kodak ao tiracolo. Não, não há sol, não há rumba, não há tabaco forte ou mulatas prestáveis, tudo coisas boas para o meu gosto simples, que me façam desviar os olhos da opressão. Jamais me sentiria lavado, sem culpa, a passear por uma prisão a céu aberto como turista remediado ou convidado de um congresso. Nada tenho contra as pessoas que por ali fizeram já o seu tour caribenho, mas conservo uma consciência politica demasiado empenhada para o fazer sem sentir que traía uns quantos princípios (senti o mesmo perto de Marraquexe, quando assisti contrariado a uma encenação triste da alegria berbere). No entanto, talvez agora o panorama mude um pouco: com o despedimento forçado de um milhão de funcionários públicos cubanos que rapidamente terão de encontrar algures uma qualquer forma de sobrevivência, talvez a vida cubana se possa ver forçada a dar um salto análogo àquele que ocorreu, nos anos setenta e oitenta, em certos países do leste europeu. Crescerá então, inevitavelmente, um mundo alternativo, underground e miserável, com o qual poderei conviver, ainda que dolorosamente. Nessa altura talvez possa desembarcar no aeroporto internacional José Marti. Com alguma sorte, verei uns sujeitos de óculos escuros, barbas brancas e peúgas verde-oliva um bocado puídas apanhando um avião em sentido contrário.

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              Os juros e a evolução da espécie

              juros

              Passei hoje três quartos de hora num banco à espera de ser atendido. Como cometi a imprudência de não levar nada para ler, pois acreditava ingenuamente que tudo seria rápido, tentei despistar o tédio respondendo a mails com recurso ao meu fiel iPhone. Com a consciência de estar a passar, junto dos circunspectos companheiros de infortúnio, por mais outro maluquinho do SMS. Cansado de dedilhar, levantei-me e cada vez mais impaciente comecei a andar de um lado para o outro lendo um a um todos os cartazes com anúncios de produtos financeiros. Desses que prometem a felicidade suprema desde que a paguemos em prestações mensais com taxas «indexadas à Euribor». Dei então com um anúncio especial, destinado «aos jovens». Prometia uma linha de crédito para pagar viagens, bilhetes para concertos, roupa (o cartaz chamava-lhe «moda»), gadgets electrónicos e, pasmem-se os e as mais inocentes, «experiências». «VALE TUDO!», proclamava o reclame em enormes caracteres. Endividar-se aos 18 anos e continuar nesse mesmo estado aos 68 deverá, entretanto, produzir alterações sensíveis no comportamento humano e no relacionamento intergrupal. Pode ser que a expressão «VALE TUDO!», aplicada pelas instituições credoras à grande massa de endividados, siga então essa evolução. Escravizando-os, por exemplo, já que não caberão todos nas prisões. E forçando-os a trabalhar como «cobradores do fraque». Isto se o sistema não estourar antes, claro, regredindo a espécie a esse estado natural de «guerra de todos contra todos» desenhado por Hobbes no Leviathan. O que justificaria, com toda a certeza, a suspensão imediata dos pagamentos de juros.

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                Quadro negro

                quadro negro

                Em Havana, Yoani Sánchez foi matricular o seu filho numa escola do ensino pré-universitário. Depois de ler um aviso ali afixado num quadro negro ficou na dúvida sobre se Teo iria entrar numa escola pública ou no serviço militar.

                Acerca del uniforme: Las hembras no usarán más de un par de aretes. Las camisas y blusas se usarán por dentro. No se les harán pinzas, recortes para ajustar al cuerpo o que queden por encima de la saya o pantalón. No sustraer los bolsillos. Las sayas deberán tener  un largo de 4 centímetros por encima de  las rótulas de las rodillas. No se permitirán sayas pélvicas, decoloradas o con marcas de planchado. Los pantalones deberán ajustarse a la altura de los zapatos. No se permiten pantalones pélvicos. Las hembras no usarán maquillaje. No se permiten pulsos, collares, cadenas ni anillos. Los atributos religiosos no podrán estar visibles. Los zapatos serán cerrados y las medias blancas y largas. No se portarán MP3, MP4, celulares. Los varones no usarán aretes, presillas ni piercing. Los cintos deberán ser sencillos y sin hebillas excéntricas, grandes o a la moda, estos deberán ser de color negro o carmelita.

                Acerca del cabello: Los pelados, peinados y afeitados deben ser los correctos, eliminando toda excentricidad y modismos ajenos al  uso del uniforme. No se permite en los varones: el pelo largo, pintado, pinchos largos, ni figuras en el cabello. Las hembras no usarán aretes colgantes. Las prendas a usar en el cabello deben ser: azul, blancas o negras. Estas tendrán un tamaño acorde. El cabello de los varones no debe exceder los 4 centímetros.

                Um obrigado pela dica à Joana Lopes.

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                  Desesperar é preciso

                  discussão

                  Sublinho Santiago López-Petit, em A Mobilização Global, enquanto penso nesta cultura do um contra o outro apresentada como único cenário do futuro sem esperança em nome do qual tudo nos é pedido.

                  «Estamos sós face ao mundo. Ou, o que é o mesmo, interiorizámos aquilo que os nossos governantes nos repetem incessantemente: ‘a vossa situação depende apenas de vós mesmos’. E acreditamos que é assim. Temos nós próprios que sair do atoleiro, o que dito pelas palavras próprias da cultura empresarial significa que temos de nos avaliar continuamente. Contra nós mesmos, contra os trabalhadores dos outros países que se esfalfam por conseguir a mesma produção cobrando menos. Incerteza que gera insegurança, insegurança que produz medo. Medo do outro que é como eu. Medo do outro, que é estrangeiro, porque não é como eu. (…) O [novo] estado de natureza alastra como um mar enfurecido até cobrir-nos por completo.»

                  E mastigo a certeza de que a esperança apenas pode nascer do desespero.

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                    Requiem marítimo

                    Sagres

                    Como a larga maioria dos portugueses, pouco andei de barco ou em meios de locomoção afins. Mesmo os trajectos africanos foram percorridos de avião. Recordo-me de umas quantas remadelas em lagos artificiais ou modestos riachos, de duas viagens de cacilheiro e de uma travessia do estreito de Gibraltar. Também andei algumas vezes de «gaivota». Ou melhor, pedalei com força para deslocar o veículo. Muito mais do que isso só a bordo do Kon-Tiki de Thor Heyerdahl, do Calypso de Jacques Cousteau, do Relâmpago do Corsário Negro e no paquete onde se desenrolou aquele enredo «anarquista» – que valeu uma proibição em diversos países – de Monkey Business, o filme dos Irmãos Marx. Para além, claro, de ter ido por diversas vezes ao fundo com o Titanic. Isto é, apenas andei embarcado em imaginação. Mas sei o suficiente de História e de caminhos marítimos para perceber que o navio-escola Sagres tem funcionado como definitivo avatar da nossa autorepresentação enquanto «navegantes». Por isso a proibição de atracar em Macau dada ao veleiro pelo governo chinês é particularmente humilhante. E por isso não é aceitável que as autoridades portuguesas se limitem a achar o facto mais ou menos normal. Sem um lamento, um protesto, um epitáfio. Restam-nos assim os ferry-boats fretados. E, a mim, realizar a adiada travessia do Atlântico entre Portimão e o Funchal. A bordo do indomável Volcán de Tijarafe.

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                      This is what dreams are truly made of

                      Bebé

                      No Verão os sonhos acontecem. No mundo do futebol em particular. Djelmar transferiu-se para o Deportivo de Villanueva del Fresno e afirmou «viver um sonho». Britinho assinou por dois anos pelo F.C. de Mogofores e declarou à Trombeta das Beiras ser esse o seu «sonho de menino». Kadu passou do Libertadores do Ceará para o Recreativo de Mocoró e afirmou à torcida mocoroense ser a mudança um sonho feito verdade. Mas nada de comparável ao que aconteceu com Tiago Manuel Dias Correia, Bebé, o rapaz nascido no Cacém que ainda há um ano jogava futebol de rua e agora, praticamente sem experiência de futebol profissional, foi vendido pelo Guimarães ao Manchester United por 10 milhões de euros. Sem formação que não a obtida em ruelas empedradas, pracetas de subúrbio e campos carecas. Sem longos anos a dar cabo dos olhos com livros ilustrados e monitores magalhânicos para «adquirir competências». Presumivelmente sem saber inglês técnico. Claro que Bebé nos diz, deslumbrado, ser «um sonho» poder jogar de vermelho no relvado de Old Trafford. Quem somos nós para o fazer cair na realidade?

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                        Ambição

                        biblioteca portátil

                        Não sou um sujeito venal. Não penso, como alguns banqueiros ou os jovens turcos, que «todos temos um preço», diferenciando-se os mais honestos apenas por ganharem menos do que os nada escrupulosos. Ainda assim, a alguém que me queira oferecer um utensílio destes, entregarei a alma de imediato sem exigir recibo. Ele sugere-me um salvo-conduto para a felicidade suprema – como se sabe, ela é leve e portátil – e essa não tem preço.

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                          Mrs. Peel

                          Mrs. Peel

                          Diana Rigg faz hoje 72 anos. Nunca foi uma star, nove em cada dez, das que entravam em banheiras cheias de espuma para anunciarem o sabonete Lux, mas a partir de certa altura foi Emma Peel, a companheira pró-activa e multitarefas do agente John Steed na série de televisão The Avengers, Os Vingadores, rodada entre 1961 e 1969. Steed era um agente do MI6 com aspecto de inglês «típico»: chapéu de coco, fraque sem ruga, um inseparável guarda-chuva muito bem enrolado e a omnipresente dose de fleuma. Já Mrs. Peel destoava da tradicional ajudante, sedutora, um tanto tola e absolutamente secundária na trama das outras séries. Pelo contrário, o trabalho pesado – socos, cabeçadas, fugas impossíveis, activação de engenhos explosivos e uns quantos tiros bem aplicados – ficava sempre por conta da agente em roupa futurista de cabedal negro, dotada de vastos conhecimentos de karaté e praticante de elevado nível de boxe tailandês. Aqui residia, aliás, o ineditismo da série, a sua marca caracteristicamente sixtie e vagamente feminista (Barbarella, a série de BD e o filme de culto, foram contemporâneos dos Vingadores). Talvez por isto a série de televisão se tenha tornado rapidamente popular. Diana Rigg foi também uma fugaz «Bond girl» e a madrasta má numa versão da Branca de Neve, mas será para sempre a intrépida – e  por isso singularmente sexy – Mrs. Peel.

                          Duas adendas em vídeo: Mrs. Emma Peel + Emma Peel in tight leather catsuit…

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                            Mudando de planos

                            O mirone

                            Comprei o tal número da Playboy portuguesa com o objectivo de um dia o doar, em conjunto com uma colecção completa da Gaiola Aberta e números avulsos do Mundo Ri, a uma qualquer biblioteca pública ainda não subjugada ao império do digital. Coloquei também a hipótese de fazer passar pelo scanner, para ilustrar este post, uma daquelas fotografias, pespegadas na revista, de um Cristo com aspecto de baixista dos Delfins acompanhado de uma menina «estrepitosa» (como se dizia na era da Gaiola Aberta e do Mundo Ri). Puro equívoco: a arte ostentada é medíocre e, Jesus Christ!, não vale a pena desfear um blogue que tanto me custa a polir.

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                              A escolha

                              O teutónico polvo Paul, bem como um crocodilo e um panda ligeiramente menos mediáticos, escolheram a Espanha. Um periquito indonésio decidiu-se pela Holanda. Como sempre, tomarei o partido dos mais fracos.

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                                Problemática albanesa

                                Hoxha

                                Depois do post anterior sobre Ismail Kadaré e (um pouco) sobre o seu último livro, retorno à problemática albanesa, uma vez que esta não me sai da cabeça. Não por ser problemática, mas por ser albanesa. Acontece que sempre me pareceu profundamente injusta a menorização – por comparação com o impacto do exemplo chinês – da influência do «país das águias» na projecção, à gauche do PCP, de uma alternativa ao regime caduco do «Salazar que ri», como alcunhava o povo a Marcello Caetano. Mas a verdade é que para muitos marxistas-leninistas-maoístas, esvaziada por uma vez a Grande Revolução Cultural chinesa, Enver Hoxha é que estava a dar. E se ninguém se proclamava hoxhista era só porque a palavra soava mal e podia prestar-se a confusões pouco conciliáveis (ou talvez não) com a moral proletária. Muitas horas de nocturno descanso foram consumidas a ouvir a onda curta, vociferada em português do Brasil, que começava assim: «Aqui Rádio Tirana, voz do Partido do Trabalho da Albânia e do marxismo-leninismo, a sua doutrina sempre jovem e científica». Ao que se seguia invariavelmente uma versão bastante singular da Internacional, umas frases do camarada Hoxha «sobre a situação política mundial», as últimas novidades da guerrilha do Araguaia e 15 minutos de música folclórica do distrito de Gramsh, província de Elbasan.

                                No que me toca, a problemática albanesa teve ainda um outro impacto, associado a um certo virar de página. Em Abril de 1977 veio a Portugal uma delegação do Partido do Trabalho da Albânia – episódio já mencionado pela Ana Cristina Leonardo na sua Pastelaria –, destinada a ornamentar o primeiro comício público do PCP(R). Num último assomo de convicção pessoal na força da tal «doutrina sempre jovem e científica», ainda fui de camioneta até ao comício no Campo Pequeno para saudar os camaradas albaneses. O momento parecia festivo: muitas bandeiras vermelhas, faixas com palavras de ordem como «os ricos que paguem a crise» e «abaixo a democracia burguesa», música do GAC, julgo que também alguns retratos de Estaline, de Mao e do camarada Hoxha. Mas a festa esmoreceu rapidamente com a entrada em cena da delegação albanesa: um pequeno grupo de idosos de rosto impassível, com chapéus à Al Capone, lenços de Cachemira impecavelmente dobrados no pescoço à maneira dos galãs dos anos 40, e enormes sobretudos cinzentos a contrastarem com o sol de Abril, que conservavam abotoados enquanto batiam palmas daquela forma compassada e aborrecida que podemos observar agora no You Tube. Uma viagem no tempo em forma de pesadelo. E nós que tanto desejáramos encontrar antigos guerrilheiros de porte enérgico e uniforme de partisan, se possível de cartucheira a tiracolo, prontos a esmagar «o imperialismo e o social-imperialismo», empenhados em dar-nos a força da qual tanto precisávamos para resistir à longa ressaca do 25 de Novembro! Creio que o meu entusiasmo esmoreceu logo ali um bom pedaço. E meses depois tinha-me convertido num «independente de esquerda» um tanto problemático. Graças, em parte, à falta de graça dos camaradas albaneses. A juventude não perdoa. Na época dir-me-iam que a «ideologia de classe» também não.

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                                  O nosso Kim Philby

                                  Miguel de Vasconcelos

                                  Falo um pouco de futebol, que é de momento aquilo que nos vale para não entrarmos todos em depressão profunda. O senhor António José Conceição Oliveira, mais conhecido por Toni, antigo jogador e treinador de futebol e figura pela qual até mantinha uma certa simpatia, foi contratado pela selecção da Costa do Marfim para informar o seu Mister – Sven-Goran Eriksson, o conhecido cidadão sueco que foi em tempos anunciante da aguardente Macieira – dos prós e dos contras da equipa portuguesa. Não se trata de uma ligação profissional prévia, que imporia naturalmente deveres de lealdade, mas sim de um contrato recente, feito de propósito para quem o assinou vender informações ao inimigo e trair a sua pátria. Temos pois, finalmente, o nosso Kim Philby. Ou um novo Miguel de Vasconcelos. A escolha é vossa.

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