O poder da concisão
De Henrik Lange, 90 Livros Clássicos para Pessoas com Pressa (Presença)
De Henrik Lange, 90 Livros Clássicos para Pessoas com Pressa (Presença)
A Câmara de Mantes-la-Jolie, nos arredores de Paris, considera que pendurar roupa à janela é «poluição estética» e deve ser proibido. A multa aplicada aos prevaricadores é de 38 euros. Parece que são mesmo alguns dos moradores de classe média da arrumada e linda Mantes que se encarregam de denunciar os seus vizinhos, chegando a remeter fotografias das farpelas delinquentes para as autoridades. O «higienismo paisagista» deixado à solta conduz a alarvidades desta natureza. Esperemos que a Junta de Freguesia de Alfama não se ponha com ideias e deixe as cuecas e os sutiãs do povo na paz das manhãs solarengas.
Admito que possa ser um sujeito um pouco sensível – e certas vezes irascível, já agora – mas escutar Nicolas Sarkozy a perorar com um ar grave sobre a liberdade dos povos e o derrube dos muros que os separam junto à Porta de Brandeburgo é coisa que me provoca urticária. Aliás a Porta de Brandeburgo, com a sua quadriga rebocando a deusa da Vitória, é já de si um cenário que incomoda um pouco. Transporta consigo maus presságios. Deviam implodi-la de uma vez por todas e fazer ali uma coisa catita. Um Luna Parque ou assim.
Não há volta a dar-lhe: a redacção do Avante! atesta pendularmente a sua visão bicromática do mundo. É-lhe insuportável uma realidade intrincada que escape à cartilha amarelecida e maniqueísta da «luta de classes». É verdade que a Queda do Muro de Berlim e o fim das «democracias populares» não trouxeram a felicidade à maioria daqueles que sob elas viveram. É verdade que muitos dos antigos cidadãos dos países que as experimentaram recordam com ostalgie, perante o desenvolvimento descontrolado de um capitalismo selvagem e agressivo imposto de cima para baixo, a antiga segurança de uma aparente paz pública (apesar de assente na repressão da liberdade e na agressão militar), de um sistema de saúde em regra gratuito (embora antiquado e com escolhas trágicas), de uma educação organizada e exigente (se bem que sectária e confundida com a propaganda), de um emprego garantido (muitas vezes associado a trabalho improdutivo e tecnologicamente obsoleto), de uma autoproclamada grandeza nacional (apoiada em manifestações de força e completamente invisível de fora para dentro). Mas torna-se profundamente patético invocar este descontentamento efectivo e legítimo para defender, uma vez mais sem qualquer exercício crítico, práticas de governação absurdas e regimes despóticos que a história felizmente enterrou. Todavia, é precisamente isso que o jornal do PCP acaba de fazer num artigo, com direito a longa citação do falecido «camarada» Erich Honecker, destinado a denegrir o resultado prático e o valor simbólico da Queda do Muro e a defender a caricatura do socialismo que este supostamente defendia. Ler aqui para crer.
Aquilo que os esforçados iberistas de Oitocentos não conseguiram através do publicismo, nem Franco obteve por se haver gorado o projecto de invasão de Portugal, está o futebol em vias de materializar. Segundo o jornal A Bola o primeiro passo está dado com a candidatura luso-espanhola à realização do Mundial de Futebol de 2018 (ou de 2022) e agora com a apresentação do logótipo da mesma, «inspirado na obra de um artista luso e outro castelhano (no caso, José Guimarães e Miró)» (sic). Gilbero Madaíl diz ao Record que este «transmite a ideia de união e vontade entre dois países que estão entrelaçados.» Sugere-se assim, graficamente, a hipótese de uma fusão que não deixaria de comover Seribaldo de Mas e Latino Coelho, de exaltar Xisto Camara e Henriques Nogueira, de deixar optimistas Pi i Margall e Oliveira Martins. A Señora Del Pilar e a Virgem de Fátima coligadas nos defendam do que aí vem.
Agradeço ao Pedro Correia por ter-me recordado a segunda grande paixão da minha vida. A primeira foi a Laranjina C.
Morreu Joseph Wiseman, de 91 anos. Ele foi o primeiro Dr. No, o satânico chefe da SPECTRE que se tornou arqui-inimigo desse inquebrantável serventuário da ordem capitalista que é o agente britânico 007 Bond, James Bond. O Dr. No viverá para sempre no lado mais negro dos nossos corações.
Virada então a página, percebo como estas semanas correram rápidas e um pouco estranhas. Vi-me a tomar partido em público, fui a um comício, e acabei até por me deixar envolver ligeiramente na crispação que atinge inevitavelmente as campanhas. Entusiasmei-me moderadamente, indignei-me um pouco, procurando, no entanto, não fazer o pino ou trepar paredes para fazer valer as verdades vacilantes e as convictas dúvidas que vou partilhando. Tal não aconteceu, no entanto, com gente estimável, atulhada de qualidades, inteligentíssima, com trabalho reconhecido, quiçá premiado, que se encheu de certezas e perdeu as estribeiras, tentando levar a montanha a Maomé e quase transformando a luta política, que em democracia apenas deve opor razões, numa carga da cavalaria apache. Influência perniciosa, presumo, do Lado Negro da Força. Ou então do vento suão, que como se sabe nos torna febris e imprevisíveis. Mas como sou admirador moderado de Ghandi, de São Francisco de Assis e da Madre Teresa de Calcutá – embora jamais perca um filme do Exterminador Implacável – estou sempre disposto a rir-me um pouco e a passar à frente. Sem transigir com as minhas óptimas e duvidosas razões, como é bom de ver.
Durante a entrevista concedida ao semanário Expresso deste sábado, Judite de Sousa considera que «se recuássemos dois ou três mil anos Francisco Louçã era o Cícero da Grécia Antiga». Sim, falamos de Marcus Tullius Cicero, o versátil romano que foi um grande orador, filósofo, escritor, jurisconsulto e político lá pelo século I a.C. Segundo Judite, Marco Túlio terá também viajado no tempo (aliás, não é preciso ser-se grande erudito para saber que mil anos de décalage para ele eram ginjas). Diz ainda que Obama é «o Cícero contemporâneo». É cada vez mais perturbante a forma como certos pivôs e jornalistas considerados de topo – que deveriam, ao menos estes, possuir uma formação sólida e não se verem como vedetas a quem é permitido dizer qualquer coisinha – ostentam ignorância e proclamam banalidades em estado gasoso como se fossem pensamentos lapidares. Já quase me esquecia: Judite declara na mesma entrevista ser levada a crer que «José Sócrates emprenha pelos ouvidos». O que não fará dele propriamente um grande Cícero. Nem dela uma especialista em freaks.
Cristina A., 48, com cadastro, tem todas as condições para colher a simpatia de muitas pessoas. Foi julgada e condenada em Coimbra por ter sido apanhada ao volante sem carta de condução, o que declarou fazer «há 20 e tal anos» sem sequer ter passado num exame de Código da Estrada («o que me faz confusão são as perguntas ranhosas», lamentou-se ela aos jornalistas). Admitindo que já foi apanhada oito vezes em situação idêntica, disse que apreendeu a conduzir no mato, «mas graças a Deus nunca tive um acidente». Isto apesar de já ter «batido os 200 quilómetros à hora». A sua maior ambição – como a de tantos de nós, aliás – é conduzir um camião. Quem não invejará um pouco, se não a vida, o descaramento de Cristina por acelerar assim, estrada fora, sem papéis?
Uma das causas do descontentamento popular que fez ruir as experiências europeias do «socialismo real» teve provavelmente a ver com os ditames da indústria nacionalizada do calçado e com os escassos modelos impostos aos cidadãos. Afinal quem não desejaria alterar o estado das coisas?
Na imagem, uns sapatos Tisza Cipő fabricados em Martfű, na Hungria. Uma marca extremamente popular até aos anos oitenta, pois era a única disponível no mercado.
Cristiano Ronaldo providenciou há dias um milagre que não foi devidamente divulgado fora da Região Autónoma da Madeira. Uma britânica com mais de 80 anos perdera-se do grupo em que seguia quando participava num passeio turístico junto à levada do Caminho dos Balcões, no Ribeiro Frio. A tentativa de resgate foi rapidamente lançada, mas não estava a resultar. A noite aproximava-se e o temor de que ela pudesse ser fatal para a turista começava a crescer. O desânimo instalava-se já quando, subitamente, se ouviu de uma ravina uma voz que bradava: «Cristiano Ronaldo! Cristiano Ronaldo! Cristiano Ronaldo!». Era mesmo a senhora que estava perdida, assim reencontrada. Não conhecendo uma única palavra de português, servia-se do nome do jogador de futebol para procurar salvação.
Provavelmente ainda voltaremos a ouvir falar deste caso, quando um dia se tratar da canonização do futebolista madeirense. Sim, que Aurélio Agostinho, o bispo de Hipona, também tivera a reputação de levar uma vida de devassidão e intemperança, com muita espetada em pau de louro e fímbria de manto pelo meio, antes de reconhecer que a sua missão terrena era outra: a de transportar o mais comum dos mortais até à Cidade de Deus. E acabaria canonizado.
Ingmar Bergman ficava deprimido de cada vez que tinha de rever um dos seus filmes. Lembro-me de ter visto dois ou três deles no Kino Mladost e de ter sentido a mesma coisa. Foi na época em que faltava às aulas na universidade para ir ao cinema com a Ludjmila. Ou então para ficar com o Ján Jaros e o Miroslav a ouvir discos dos Plastic People of the Universe, enquanto fumávamos cigarros Vadek (é uma pena já não se fabricarem mais) e bebíamos shots de Becherovka uns atrás dos outros. Bons tempos, apesar de tudo. Bergman incluído.
Iuri Bradáček
Durante o último mês, no topo das expressões introduzidas nos motores de busca para se chegar a este blogue encontrou-se «estrela de cinco pontas».
Beijos não se oferecem, trocam-se. Abraços não se dão, confundem-se.
Iuri Bradáček
Цивья со свим мужем Шимоном владели большим участком земи в Рамат аШароне. Они завещали его городу и в их честь на части этого участка разбит парк.
Iuri Bradáček
Uma mancheia de varonis mancebos «ligados ao blogue 31 da Armada», imbuídos de um compreensível e ilimitado bem-querer pela santa monarquia – pois tal coragem, por certo apenas a varonis mancebos é pela Padroeira outorgada –, trepou heroicamente até à varanda do Paços do Concelho de Lisboa e, com lídimo pundonor, hasteou no mastro da mesma um rectângulo de pano azul e branco. De acordo com os amigos dos jovens trigésimo-primeiristas (mas o que são «pessoas ligadas ao blogue 31 da Armada»? será o 31 da Armada uma ONG? uma seita? um bando? uma comandita?), o feito foi obtido apesar do pesado rumor das botifarras e das armas aperradas alardeado por essa «forte vigilância policial» que, como todos sabemos, percorre «a noite profunda» das nossas vilas e cidades para aterrorizar as famílias no seu honrado descanso. E para impedir que desde o mais insigne dos palácios ao humilde tugúrio do trabalhador estas afixem nos limiares das portas, tal como intimamente desejam, lindos azulejos com o brando semblante do Senhor Dom Duarte. Tais beneméritos da Pátria, a quem faltou apenas aquela Dona Aldegundes que não falhou a Paiva Couceiro – «é avante portugueses/é avante não temer», cantarão entrementes –, apenas podem ter a nossa compreensão. Sempre agitam mais este querido e tonto mês de Agosto que os blogues regimentais. Deus os guarde assim.