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Do bem e do mal

Hegemonia do bem

Após ter lido na Visão uma declaração lamentável de José Mário Branco – músico que respeito e admiro sempre que não fala do seu programa oitocentista de regeneração da humanidade – qualificando Obama, na linha de um texto de Noam Chomsky que cita, como um mero «bandido bom», potencialmente mais perigoso do que esse «bandido mau» que não engana, chega-me às mãos um texto de Boaventura de Sousa Santos que aponta num sentido diferente, naturalmente menos simplista. Conhecendo-se as posições de BSS, nada suspeitas de simpatias para com os caminhos e as propostas da política americana mainstream, e reconhecendo-se a pertinência das dúvidas que mantém – o título do artigo define aliás uma interrogação: «A hegemonia do bem?» –, ganham particular significado as palavras das quais se serve: «Obama tem esse privilégio de oferecer ao mundo inteiro um momento glorioso de hegemonia do bem. Só por isso ficará na história.» O artigo completo pode ser lido aqui.

    Etc.

    Ou vai ou racha

    A gigantesca «Máquina do Génesis» entrou hoje em funcionamento no Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), tentando recriar a paisagem do Big Bang que teve lugar há cerca de 13,7 mil milhões de anos. Mas como a primeira colisão frontal de protões apenas está prevista para daqui a alguns meses, ainda não será desta que se dará o esperado Estoiro-Mestre. Todos contamos que os milhares de cientistas que andam há vinte anos a gastar rios de dinheiro para conseguirem simular os primeiros milésimos de segundo do Universo saibam mesmo aquilo que estão a fazer. Embora os mais avisados de nós saibam também que jamais existirá ciência certa.

    [Adenda] A acompanhar aqui.

      Etc.

      13 minutos

      08H35. A ligação wireless do hotel jamais nos deixa sozinhos. Está-se aqui e em toda a parte.

      . A encenação dos democratas foi muito americana, naquilo que isso tem de bom e de mau. O discurso de Obama foi forte, comovente, elegante, brilhante, com propostas num tom de campanha que se não ouvia desde Roosevelt. Se forem concretizadas em vinte por cento – mais que isso será impossível –, o mundo e a América talvez fiquem um pouco melhores.

      . Os republicanos escolheram como candidata à vice-presidência uma ex-vice-Miss Alasca que se auto-define essencialmente como «esposa e mãe». Criacionista, militante antiaborto (inclusive em casos de rapto ou violação), opositora do sexo fora do casamento, caçadora praticante e defensora da liberalização do porte de armas. Após uma decisão destas, ainda é menos possível ser-se indiferente ao resultado das eleições americanas.

      . Numa outra ilha, em Cuba, o músico punk Gorki Águila foi de novo preso e uma pequena e pacífica manifestação pela sua libertação foi abafada com uma pesada carga da polícia. Dois detidos e alguns feridos. Entre estes a blogger Yoani Sánchez. Gorki não é apenas um crítico do sistema, é um seu adversário. Sim, e daí?

      08H48. E agora vou-me à realidade lá fora. Está um dia seco mas muito bonito.

        Etc.

        O que eles querem (ou: o poder do amor)

        Um exercício fácil e recorrente, praticado por muitos bloggers, consiste em procurar saber quais são as palavras ou frases que por mediação dos motores de busca fazem chegar até aos seus blogues pessoas que neles não entrariam de outra forma. Há já muito tempo que o não fazia, aqui n’A Terceira Noite. Eis pois o top-30 actualizado dos termos mais invocados desde o seu arranque.

        amor – purga em angola – sexo – sexo oral – garganta funda – anos 60 – rui bebiano – gina lollobrigida – pornografia com crianças – pornografia – leitura – gianna maria canale – folclore regional – sofia loren – ciclopes – boletim meteorologico – colunex – vicio – rosalind franklin – pernas – che guevara – rabos – lindas – tango – mulheres vadias – kamasutra – puta – óculos para a noite – smoking – sapatos vermelhos

        Apenas por esta amostra, temo que os futuros arqueólogos da blogosfera possam ficar com uma impressão um pouco estranha a meu respeito. Espero que após lerem este post procedam à crítica das fontes e reconheçam a minha idoneidade.

          Etc., Oficina

          Tour de France 2

          Uma das frases mais profundas que ouvi nos últimos tempos foi pronunciada ontem por um comentador que se referia à etapa decisiva do Tour-2008: «A História pode escrever-se no papel, mas faz-se em cima de uma bicicleta». Aprende-se muito a ouvir os noticiários desportivos.

            Etc.

            Pode um herói?

            Publicado originalmente no programa de sala de Platónov, de Anton Tchékhov. No Teatro Nacional São João, Porto. Encenação de Nuno Cardoso.

            Pode um herói sobreviver distante da luz? Teseu terá morrido infeliz por ter sido abandonado pelos atenienses, quando acreditava merecer todas as honras pela bravura que, sozinho e por repetidas vezes, revelara sob o olhar dos deuses. Napoleão não resistiu ao silêncio das noites em Elba e deixou-se amargurar até ao fim em Santa Helena. Garibaldi foi incapaz de suportar o primeiro dos exílios na ilha de Caprera. É próprio dos heróis lutarem ao sol, convivendo mal com a obscuridade e o esquecimento.

            A atitude heróica pode afirmar-se como uma disposição admirável, mas não o é sem pesados custos para quem a exercite. A força que o herói detém permite-lhe impor aos outros a dimensão exemplar das suas qualidades, mas estas definem sempre um compromisso entre o seu desejo de se distanciar da vulgaridade e as exigências de estabilidade e de normalização que pautam a sociedade que lhe serve de cenário. É sempre um errante, deambulando entre um mundo superior que só ele consegue vislumbrar e a realidade de uma vida terrena, estável e repetitiva, afundada na vulgaridade, que contraria a sua essência. Assume uma capacidade para criar o único e o novo – nos gestos, nas palavras, nas atitudes – como expressão da mais elevada forma de viver o humano, mas essa condição força-o a uma inexorável solidão, afastando-o da comunidade.

            Por isso o herói – como o anti-herói, que não é o seu oposto mas uma sua contrafacção, menos harmónica e mais frágil, contida em regra pela vaidade e pelo egoísmo – apenas o é num insulamento que cultiva. Este pode ser fonte de grandeza, mas também instrumento de uma queda que o conduz à decadência e à morte. Na Crítica da Razão Prática, Kant excluiu o culto do heroísmo da pedagogia da moral justamente porque este impõe um afastamento «dos deveres comuns e correntes» para com os outros, que aos olhos dos seus cultores parecem insignificantes e descartáveis. Estes auto-excluem-se de uma vivência partilhada, embora necessitem dela como quadro que valida esse destaque que sempre demandam.

            A figura de Platónov inscreve-se nesta categoria de ser que caminha a passo, apenas aparentemente seguro, entre a luz que espera de uma condição que estabelece para si próprio como rara, invulgar, e a sombra imposta por um meio que a não aceita como sua. Herói para si próprio, porque se presume singular e necessário, e anti-herói para os outros, que apenas o olham como um corpo estranho, irregular, ocasionalmente admirado, quase sempre desprezado, ou, no limite, invejado e odiado pela desfaçatez de transportar consigo o estigma da diferença.

            «A mim nada me pode estorvar. Eu sou como uma pedra imóvel. As pedras imóveis são para estorvar…», declara, sempre ostensivo, algures no primeiro acto. Amoral, crendo-se imune tanto à admiração como ao amor, à estima como ao ódio. «A felicidade individual é egoísmo», concederá mais adiante, «e a infelicidade individual é uma virtude!» Mas, ainda aí, o Platónov-personagem apenas retomará, no essencial, o mal de vivre romântico que não é comiseração mas êxtase, determinado pela condição própria do solitário.

            As estratégias de sobrevivência de Platónov passam ainda pelo cinismo e pela paródia. A vida comum parece-lhe abjecta e não hesita em afirmá-lo, mesmo correndo o risco de magoar os seus próximos. «Vamos beber pelo fim auspicioso de todas as amizades, incluindo a nossa!», atira a Anna Petrovna. As qualidades comuns e as grandes expectativas merecem-lhe a derrisão e inspiram-lhe o constante sarcasmo. Que alarga a si próprio, ainda que – uma vez mais – o faça para marcar a própria singularidade. Para Sofia Egoróvna: «Sem falar das outras pessoas, o que é que eu fiz para mim pessoalmente? O que é que semeei em mim, o que acalentei, o que fiz crescer?… Tenho vinte e sete anos, aos trinta serei o mesmo – não prevejo mudanças! Depois serei gordo e negligente, o entorpecimento, a completa indiferença por tudo o que não seja a carne, e por fim a morte! A minha vida está perdida!». «Admirem-me por isso!», faltar-lhe-á dizer.

            Quando anuncia o suicídio que verdadeiramente será incapaz de cometer – «Finita la commedia! Menos um canalha inteligente!» – enuncia ainda o carácter trágico e irrevogável da incompreensão diante do único, e a sua forma de percorrer este mundo sempre e sempre como um actor. De pé à boca de cena, fugindo de uma penumbra que acredita não ser para si e jamais merecer.

            No final, trespassado já pelo tiro fatal de Sofia, resta-lhe apenas o espanto de um momento, o derradeiro – «Espere, espere… Mas que é isso?» – que o herói, como o anti-herói, jamais concebe: o da morte que o remeterá ao implacável desfecho, à escuridão eterna. À vulgaridade.

            Pode ler aqui um texto de Filipe Guerra que consta do mesmo programa.

              Etc., Olhares

              Da fábrica dos sonhos

              Porque não sonhei eu com um iPhone3G? A maneira mais expedita de responder à pergunta será dizer: porque é bastante caro. Ou então: porque me afligiu o grau de compulsão e de desejo induzido e reproduzido pelos média à volta do pequeno objecto de consumo fabricado pela Apple. Vi mesmo olhos brilhantes na apresentação pública: um homem de barba grisalha procurando esconder a excitação, uma rapariga com o aparelho na mão falando da concretização do seu «maior sonho», outra chorando de emoção enquanto estoirava as economias de um ano inteiro. A verdade, porém, é que comigo esses argumentos poderiam ainda não ser suficientes para justificar a recusa, uma vez que por vezes gasto somas um pouco imorais em acessórios electrónicos que me acompanham para todo o lado. A forma mais exacta e honesta de justificar o desinteresse será então dizer que tenho um telemóvel, um PDA e um iPod que, juntos ou combinados, superam de longe as melhores expectativas que pudessem ter sido criadas em relação às reais capacidades do novíssimo iPhone.

              Sem dúvida que é mais útil – e somando os custos até poderá resultar mais económico – trazer no bolso um «tudo em um». Fino, leve e com um design realmente brilhante e sedutor. Ou mesmo sexy, como o considerará um geek ou aquele viciado em gadgets que a esta hora já andará à procura de uma capinha cor de abóbora para o seu aparelho. Mas quando vejo que a versão topo de gama deste novo brinquedo imaginado por Steve Jobs tem capacidade para uns limitados 16 gigas de informação multimédia, não possui câmara para videochamadas, oferece uma câmara fotográfica com uma resolução de apenas 2 megapixéis e sem flash, não deixa que troquemos a bateria, não traz rádio, nem teclado mecânico, nem um miniprocessador de texto decente, pergunto-me se valerá a pena gastar 600 euros apenas para ir atrás da publicidade da Optimus, da Vodafone e dos senhores da maçã. Para pairar na crista da onda, dar nas vistas em público ou encher de inveja os colegas de trabalho. Para mim, não vale: esperarei uns tempos até que a geringonça melhore bastante e desça de preço. Até lá, continuarei a torrar o pão com uma torradeira, enquanto telefono com um telemóvel 3,5G que custou metade do preço e deixa o iPhone a muitas milhas de distância.

                Atualidade, Etc.

                Ourivesaria

                Este post não é sobre futebol, mas sim sobre ourivesaria (e alguma argentaria também). Duas Taças dos Campeões Europeus ganhas pelo Benfica, a primeira e a última das Taças de Portugal que o clube conquistou, a Taça Latina, dois troféus relativos a Campeonatos Nacionais, camisolas utilizadas por antigas glórias do clube e uma das botas de ouro do Eusébio estão há quase um mês retidos na alfândega do aeroporto de Luanda. Não é que seja legítimo desconfiar de alguém que more nas imediações do Futungo de Belas – uma ideia absurda, sem dúvida –, mas é compreensível a ansiedade dessa nação benfiquista que aguarda o retorno dos sacros objectos à sua Caaba.

                  Apontamentos, Etc.

                  Sorrisos e turbantes

                  Quando será que um certo feminismo, como uma determinada esquerda, aceitarão que a luta social não tem necessariamente de ser sempre sisuda, monástica, zangada e maniqueísta? E que vivemos num mundo muito mais desordenado – e polissémico, se quiserem utilizar o chavão – do que o era o mundo de há trinta ou quarenta anos atrás? E que sátira e ironia nem são a mesma coisa nem cumprem idêntica função? A consideração devida a pessoas com o passado de Maria Teresa Horta não pode ser desculpa para aceitarmos posições como aquela que aqui se refere (link recolhido deste post da Maria João), e que se voltam até contra a causa que pretendem defender. Além de que aceitar que algo possa ser imune ao riso é pactuar com a limitação das liberdades. E é dar um pouquito de razão aqueles que têm uma grande vontade de enviar rapidamente para o mais fundo dos infernos o caricaturista holandês que brincou com o turbante do Profeta. Lembram-se das últimas cenas de La Vita è Bella, de Begnini?

                  P.S. em 24/11/2008: Teresa Horta repete hoje, em carta do leitor no Público, o mesmo tipo de argumento. Está no seu direito de o fazer, evidentemente, mas é pena não ter percebido. Lembrar-se-á ainda da Mosca do Diário de Lisboa, nos inícios da década de 1970? Ou será que já na época lhe não achava graça?

                    Etc., Opinião

                    Hidrogénio (eu também tive um sonho)

                    Não sei se este post me irá custar caro, mas eu também tive um sonho e vou contá-lo. Nesse sonho Hugo Chávez voltava a fazer rondas como oficial de dia, o rei Abdullah abraçava o sufismo e José Eduardo dos Santos praticava jogging sem seguranças no Calçadão de Copacabana. OPEP era um nome de refrigerante com sabor a limão. Todos os carros circulavam movidos a hidrogénio e o petróleo apenas servia para fazer shots marados. As bombas da Galp tinham sido transformadas em sex-shops e os autocarros «movidos a vontade de vencer» eram vendidos aos turcos. Sonhei com tudo isto esta noite, quando adormeci depois de ter visto os anúncios dos novos automóveis ecológicos – ou a um passo de o serem – da Honda e da BMW.

                    [isto não é publicidade]

                    [YouTube=http://www.youtube.com/watch?v=yxk8YNKLyo8&eurl=http://hydrogendiscoveries.wordpress.com/category/bmw/]
                      Devaneios, Etc.

                      O outro Bono e a Tricolor

                      Para lá da retórica «de esquerda», que fica sempre bem no discurso voltado para uma parte significativa da opinião pública e do eleitorado que em Espanha ainda a valoriza – por aqui os socialistas há já muitos anos que quase prescindiram de tal coisa –, quando chega o momento de se confrontarem com a firmeza dos princípios e a preservação intransigente da memória os adeptos «psoeístas» do realismo político vacilam, refugiam-se na «legalidade» e contemporizam com os branqueadores de passados. Mas existe quem não vá na cantiga.

                        Etc.

                        Polaroid (Printed in China)

                        Apesar da tradição bem conhecida que foi capaz de construir ao longo dos 25 anos de vida como editora, a Taschen não deixa de surpreender pela crescente qualidade das suas produções, pela capacidade para oferecer a um público não especializado álbuns sempre inesperados, e pelo preço a que consegue colocá-los nas livrarias. Comprei hoje um magnífico The Polaroid Book saído já em 2008. Soube-me bem desembolsar apenas 8 euros por uma edição belíssima e quase luxuosa de 350 páginas, mas, sem exageros ou duplicidade, custou-me encontrar na última página a declaração Printed in China e procurar imaginar as longas horas de trabalho duro e mal pago, as mãos gretadas e as estantes provavelmente vazias, dos operários que a produziram. O prazer, acreditem, diminuiu um pouco. Porém, e como toda a gente, em breve esquecerei o detalhe e continuarei a ampliar a biblioteca com livros a baixo preço.

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