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Blogues: (8) Lugares da memória

Lugares da memoria

A facilidade e a informalidade do acesso incorporam aqui um número cada vez maior de pessoas que transportam consigo uma experiência de vida e um acumular de referências capazes de se materializarem no fio da história. Tal como acontece com o testemunho oral ou com as cartas e os diários projectados no papel, são, por vezes, vestígios que contêm uma grande dose de erro, imprecisão ou subjectividade, mas nem por isso perdem necessariamente o interesse. Emergem então enquanto «lugares da memória» – territórios de materialização do passado colectivo, seguindo a expressão proposta por Pierre Nora – que servem para declarar informação, testemunhar representações, alimentar referências perdidas ou desfiguradas. Por vezes aproximam também as gerações.

[De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

    Cibercultura, Etc.

    Limbo

    A Igreja Católica acaba de eliminar o limbo – a morada das almas que, não tendo cometido pecado mortal, se encontram afastadas da presença de Deus – onde a tradição colocava todas as crianças que morriam sem antes haverem recebido o sacramento do baptismo. Considera agora que aquele reflectia «uma visão excessivamente restritiva da salvação». Em documento acabado de publicar, a Comissão Teológica Internacional, que depende da Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Tribunal do Santo Ofício), declara-se finalmente convencida de que existem «sérias razões teológicas para crer que as crianças não baptizadas que morrem se salvarão e desfrutarão da visão de Deus». Resta saber se esta decisão terá efeitos retroactivos e para que servirão as instalações até agora ocupadas por aquele serviço.

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      Blogues: (7) Oficina das palavras

      Teclado e Cha

      Um dos reparos que os puristas da língua fazem à escrita através da Internet centra-se no seu funcionamento como pólo agregador dos processos de destruição do seu próprio ideal de «pureza». A simplificação, a rapidez e a mistura de registos serão factores decisivos de contaminação. Mas se este risco existe – e fica por discutir se ele é necessariamente negativo – também é verdade que uma boa parte daquilo que de melhor e de mais original se tem escrito nos últimos tempos tem, pelo menos em Portugal, começado por aqui, só depois migrando para outros suportes. Incluindo-se nestas contas a prática de muitos jovens bloggers, capazes de treinar aqui a agilidade da escrita e a capacidade para pensarem de forma autónoma. Há poucos anos, por falta de meios e de um estímulo, a maioria deles jamais escreveria com regularidade. Reescrever, rasurar, remeter, são práticas partilhadas que podem aqui apurar a forma, a clareza, a fala.

      [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

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        Blogues: (6) Praça pública

        Speaker's Corner

        Espaços de todas as dimensões procuram leitores, abrindo-se aos comentários, conversando entre si. Os debates decorrem livremente, condicionados apenas pelo grau de informação e de cultura dos autores, pelo estilo de cada um, pela sua capacidade para ouvir e para seduzir por intermédio da escrita e da imagem. Apesar da ausência de um suporte físico estável e localizado, a expressão de opiniões afirma-se de um modo plural e, muitas das vezes, com um grande número de pormenores dada a (quase) inexistência de limites formais aquilo de que se fala e à forma como se fala. Muitas das mais substantivas polémicas públicas têm passado por aqui. Ou confluem naquilo que por aqui acontece.

        [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

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          Blogues: (5) Espalhem a notícia

          Jornal que voa

          As novidades correm depressa. Circulam informações que os jornais ou as estações de televisão omitem ou ignoram. Esclarece-se aquilo que permanece obscuro. Divulgam-se acontecimentos, frases, projectos, descobertas. Ao mesmo tempo, os meios convencionais recorrem às notícias veiculadas pelos blogues, ao seu estilo, às suas preocupações, o que não deixa de ser um sintoma. O hipertexto, como ferramenta de bricolage, perfura então o espaço hiper, colocando a notícia numa linha infinita. Pela mesma via, porém, também o erro circula, dissimulado, sob a forma de fraude ou de boato. Mas tal como nasce, assim se dissolve, mediado pelas vozes que o questionam e depuram.

          [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

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            Blogues: (4) Dating

            Dating

            O tímido revela-se expansivo, o solitário sociável, o misógino conquistador: como em todos os processos de sedução, também aqui a metamorfose acontece. Na blogosfera fazem-se amigos e conhecem-se pessoas, flerta-se, namora-se, engata-se. Imaginam-se aproximações a homens belos e magníficos, a belíssimas e magníficas mulheres, todos eles aparentemente perfeitos, aparentemente próximos. Tão sensíveis e tão logo ali. Combinam-se encontros em pracetas ou em bares obscuros. Alguns falham, outros permanecem. E a vida de cada um segue o seu caminho. Ou não.

            [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

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              Blogues: (3) Quarto dos brinquedos

              Brincar

              Convivendo todos os dias com a elasticidade dos novos processos da comunicação, muitos dos utilizadores dos blogues desinibem-se e começam a escrever pelo prazer de falar, sem hesitações, por vezes de uma forma quase automática. Ultrapassam os processos morosos da reflexão e da escrita da era pré-Internet, que trocam por respostas rápidas, concebidas como um jogo, transformadas em jogo: a permuta de frases inesperadas, o alarde das pequenas descobertas, a provocação, o ruído repentista, as private jokes, instalam-se como um hábito, como uma linguagem.

              [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra]

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                Blogues: (2) Café

                Café

                Qualquer blogue pode ser um lugar de encontro. Recanto de café no qual um grupo de amigos, mais alguns convidados, mais uns quantos desconhecidos, se sentam (ou dele se retiram) sem pedir autorização. Juntos trocam ideias, contam algumas piadas, zangam-se um pouco, partilham as novidades, combinam almoços, idas a um concerto, ao futebol, a uma manifestação. Não jogam partidas de sueca, uma vez que o verdadeiro blogger não pode «perder tempo», pois vive em estado de permanente frenesim. Bebem, fumam, escutam, proclamam, sob/sobre os códigos de uma sociabilidade que simula uma outra.

                [De um conjunto de doze posts usados durante uma conversa sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra.]

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                  Blogues: (1) O eremita

                  Blogging_1

                  No princípio o blogger é um solitário. Escreve num registo antigo, vizinho dos velhos diários íntimos, mas destinado a ficar aberto sobre a mesa, a ser visto, a deixar-se devassar. Esta característica assegura a preservação daquele que permanece o tom dominante num grande número de blogues. Uma escrita confessional, pautada sempre pelos códigos do grupo, mais ou menos disseminado, mais ou menos irregular, visível ou invisível, ao qual o seu autor acredita dirigir-se. O blogger é, sob esta perspectiva, um eremita. Habita um ermo, mas com vista para a cidade e visto pela cidade.

                  [Este é o primeiro de uma dúzia de «postas» que utilizei, de forma aleatória, durante uma conversa pública sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra. Surgem aqui com algumas (pequenas e pontuais) alterações.]

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                    A Torre de Tatlin

                    A Torre de Tatlin

                    Aço, cristal, ferro. Erguendo-se altiva, perturbante, como um manifesto, sobre a cidade de Pedro. A Torre desenhada pelo arquitecto Vladimir Tatlin – uma grande espiral circundando uma pirâmide, um cone e um cilindro rotativos e concebidos para alojar escritórios e salões – deveria ter representado, em 1919, um signo visível da modernidade soviética. E da actividade de um Comintern que, nesse tempo de socialismo primevo, se propunha ainda unificar «todos os meios disponíveis, inclusive armados, para derrubar a burguesia internacional e estabelecer uma República Soviética internacional como um passo transitório à completa abolição do Estado». Recém-instalada em Petrogrado, a futura Leninegrado, a IIIª Internacional detinha uma missão grandiosa e imprevisível que a Torre, de uma forma assombrosa, deveria projectar junto daqueles que a pudessem observar. Jamais foi construída. Como o não foi também a revolução mundial que então se anunciava aos céus e à terra. Em breve os tempos revelar-se-iam outros, menos propícios para magníficas quimeras.

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                      Costeando Kamchatka

                      Kamchatka

                      O velho professor de Geografia gostava imenso de gozar com a nossa ignorância fazendo-nos perguntas absurdas sobre formações geológicas, rios e linhas de costa situados para lá dos Urais. Por causa dele, fui seguindo com o dedo os mapas de um velho Atlas, procurando alguma bibliografia adequada e ganhando uma certa relação de proximidade com paragens ignotas para a maioria dos meus concidadãos. Tornei-me assim, com mais dois ou três colegas da turma, um quase-especialista em questões siberianas, com interesses que se estendiam até ao ao Círculo Polar Árctico e, descendo depois uns quantos milhares de quilómetros, à inóspita península de Kamchatka. Talvez por isso, tenho vindo a seguir, com enorme prazer, Polaris, uma expedição em linha de Eduardo Brito.

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                        A múmia

                        O Mausoléu de Lenine, onde habita o fundador da extinta União Soviética, foi reaberto hoje ao público, após 59 dias fechado para obras, informou Serguei Deviatov, porta-voz do Serviço Federal de Segurança do Kremlin. Em declarações à agência russa RIA Novosti, Deviatov informou que todos os trabalhos dos cientistas responsáveis pela múmia concluíram que o túmulo pode ser visitado novamente pelo público. O director do Centro de Tecnologias Biológicas e de Medicina da Rússia, Valeri Bikov, afirmou que a múmia do fundador do Estado soviético se encontra em perfeito estado de conservação. Segundo Bíkov, o trabalho dos cientistas «permitirá conservar o corpo de Lenine por um tempo indefinido». O culto do mórbido prevalece: o Museu Britânico terá de esperar.

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                          Bloco de notas

                          Uma chamada de atenção para «Blogging, the nihilist impulse», um longo e excelente artigo do holandês Geert Lovink, teórico da comunicação, crítico e activista, publicado – em neerlandês, mas, descansem, também em inglês e com uma versão printable em pdf – no igualmente excelente e sempre estimulante Eurozine. E outra para as breves respostas do autor deste blogue ao inquérito acerca da blogosfera que tem vindo a ser revelado, no Miniscente, por Luís Carmelo.

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