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O meu problema com Leonard

Leonard Cohen
Tenho um problema com Leonard Cohen. Ou, pelo menos, com a imagem de poeta intoxicado, de habitante da penumbra e de beatnick renitente que de Cohen fui construindo entre livros (Let Us Compare Mythologies, logo em 1956), discos soberbos ou um pouco menos, concertos ocasionais e fotografias a preto e branco invariavelmente tiradas em bares e quartos de hotel. O canadiano de negro sempre me fez acreditar que a vida é dura e que só nas mulheres – as que se amam, aquelas que passam ao longe, as que apenas nos sorriem – é possível encontrar algum consolo. O problema consiste em continuar a acreditar nele.

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    Presságio

    Conversa numa manhã de Dezembro, entre cachecoles, quispos e bonés de xadrez. «Estás melhor, pá?» «Quase fino. Ao menos morro de boa saúde.» A piada domingueira, antiga, resulta sempre. Já que não podemos fintar a morte, fazemos pouco dela.

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      Little Groucho

      Depois de ver na NBC a entrevista de Jay Leno ao Borat (na pele de Borat) mais convencido fiquei de que o último «fenómeno de bilheteira» do cinema americano procura vender aos amnésicos uma cópia barata de Groucho Marx (sem o charuto, naturalmente). Embora para muita gente que nunca foi apresentada a Mr. Marx possa de facto parecer uma novidade, sente-se na boca o sabor de uma refeição requentada.

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        Marx/B

        Marx_B
        Na tentativa de parodiar a inadaptação de parte da esquerda britânica às mudanças do mundo pós-queda do Muro, Anthony Giddens falou de um certo «marxismo tendência Groucho». A frase pegou rapidamente. Foi citada, adaptada e abusada. Reparei, há dias, que já estão a chegar à universidade muitas pessoas incapazes de entenderem o alcance daquela gasta boutade do ex-director da London School of Economics. Bem sei que a maioria também não ouviu falar do primitivo Sócrates. Para não falar de Xenofonte, claro. O que não é propriamente muito animador. Mas reconheçamos que é grave, para a compreensão do mundo actual, jamais ter apreciado a inconfundível técnica de fumar charutos desenvolvida e divulgada pelo, julgo eu, segundo Marx mais conhecido de todos os tempos.

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          Anónimos & Companhia

          A forma, áspera e directa como é seu timbre, utilizada por Miguel Sousa Tavares para se referir ao universo dos blogues, é recorrente. Sousa Tavares – que há não muitos anos se declarou, na revista Grande Reportagem da qual era director, contra o uso dos computadores – está no seu direito de recusar, ou mesmo de desprezar, uma qualquer forma de comunicação. Esta ou outra. Todos nós conhecemos pessoas que também não gostam de ler jornais, ou que, confrontadas com o voice mail, adiam assuntos urgentes porque «se recusam a falar para máquinas», não sendo por causa disso que lhes deveremos desejar mal algum. Mas já me parece absurdo que, em crónica publicada no Expresso, o jornalista ataque os blogues, todos os blogues, para apontar o dedo ao mau jornalismo – aquele acrítico em relação às fontes, correndo atrás do boato mais abjecto – ignorando ao mesmo tempo que eles definem um dos meios de comunicação nas quais actualmente se escreve melhor português (e o pior também, naturalmente), se afirma um discurso mais livre, e onde se tem revelado, ou treinado na escrita, um grande número de pessoas, muitas delas jornalistas ou colaboradores habituais dos jornais.

          Miguel Sousa Tavares tem entretanto razão na indignação que mostra por ter sido alvo, em blogue anónimo, de uma acusação de plágio. Acusação que, ainda que pudesse (ou possa) ser fundamentada, perde toda a credibilidade por ter sido feita de cara encoberta. O uso do anonimato – não do pseudónimo que, se consistente, pode até ser algo de substancialmente positivo – é um fenómeno antigo. Como o são os autores das cartas por debaixo da porta, dos bilhetes compostos com letras recortadas, dos graffitti em casas de banho públicas ou dos telefonemas com a voz distorcida. Eles podem sempre dizer aquilo que entenderem e na forma que lhes apetecer: ofender, caluniar, ameaçar, inventar, pôr na boca de A o que A jamais disse, dizer que «C disse a B que A». E sem possibilidade de contraditório, uma vez que pessoa alguma, com vergonha na cara e no seu perfeito juízo, aceita participar num jogo viciado com oponentes invisíveis.

          Eis, pois, um assunto sobre o qual vale a pena reflectir e que merecerá, crescentemente, algumas precauções e iniciativas – incluindo no que se refere à actividade dos fornecedores de serviços em linha – no campo da segurança dos dados e da responsabilização de quem comunica. Como ando nisto há para aí uma dúzia de anos, participei em dezenas de projectos online destinados a defender a liberdade de expressão, escrevo habitualmente também em blogues e continuo a assinar tudo aquilo que escrevo com o meu verdadeiro nome, creio que posso dizê-lo sem que me confundam com um partidário da censura.

          Leia-se também aquilo que sobre o mesmo assunto escreveu o Rui Ângelo Araújo [31.10.2006]

            Cibercultura, Etc.

            Eles ainda preferem as loiras?

            Marylin e a leitura
            Levanta-me uma dúvida a edição pelo Público, a partir de amanhã, de um conjunto de 10 DVD que recordam os 80 anos sobre o nascimento da «eterna jovem e bela Marylin Monroe». Será que a mais famosa falsa loira da história gera ainda o avassalador efeito erótico que produziu na época de O Pecado Mora ao Lado, de Os Homens Preferem as Loiras, ou mesmo de Misfits (que não integra esta colecção)? Sucessivas gerações de homens e de mulheres reconheceram nela um ideal de sensualidade, ou mesmo de ousadia sexual, no limiar – «poo poo pidoo!» do que era então possível situar entre o publicamente aceitável (para as famílias que iam ao cinema) e o intimamente perturbador (nas capas de revistas para cinéfilos). Apenas comparável ao furor que, num sentido menos clássico, logo de seguida despertou Brigitte Bardot. Sei que em sociedades onde vigora uma ética religiosa muito estrita e o corpo feminino deve mostrar-se velado e submisso, Marylin continua a patrocinar sonhos muito quentes e húmidos. Passar-se-á o mesmo no nosso mundo de modelos anoréxicas, enfeites sado-maso e corpos andróginos? Aposto que o nível etário dos coleccionadores dos DVD do jornal da Sonae vai integrar maioritariamente homens, supostamente heterosexuais e com mais de sessenta anos. Mas gostaria muito de me enganar.

              Cinema, Etc.

              Et pluribus unum

              Graxas
              A Sociedade Portuguesa de Graxas dedica-se, hoje como outrora, à nobre arte da «fabricação de graxas, pomadas, cremes e outros artigos similares». E tem, no seu passado de labor em prol do calçado luzidio, anúncios tão eloquentes como este (datado de 1963 e que tomo de empréstimo ao blogue Às duas por três). Que me perdoem os amigos benfiquistas que virem na exibição deste documento qualquer insinuação um tanto dúbia e despropositada relativa a actos menos gloriosos. Estão enganados. História é história.

                Etc.

                3′ 47” vezes 20

                Nick Drake
                Diz-me C. que tem lido os meus últimos posts e lhe pareço amargo. Sabes, é verão, o calor aperta e, como sempre nesta altura do ano, ando um bocado cansado. Só isso, garanto, porque de resto vivo no melhor dos mundos. Aqui não se sentem as bombas, apenas os mosquitos e o ruído do elevador. Encosto-me à janela, vou fumando um cigarro e murmuro Northern Sky. A ouvir em paz um dos meus mortos preferidos.

                  Etc.