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Kindlemania (2)

O Kindle e o amigo

Cumprindo o prometido, passo a relatar as primeiras impressões do meu contacto com a máquina-Kindle e com aquilo que com ela é possível maquinar.

Começo pela maneira como tudo aconteceu. Fiz a encomenda à Amazon americana por volta das três da manhã desta Segunda-Feira e às nove e meia de Quarta já a campainha tocava para o estafeta da DHL fazer a entrega. Tudo rápido e transparente – pude seguir o trajecto do volume a partir de Cincinnati, Ohio, através do Atlântico e meia Europa fora – superando em eficiência o melhor que poderia esperar. A abertura da caixa fez crescer a boa impressão: o aparelho é ainda mais bonito e leve do que a propaganda anunciava, e a capa em pele, vendida pela própria Amazon, adapta-se perfeitamente, quase sem aumentar o volume do aparelho. Ajuda aliás a criar a sensação de se ter nas mãos uma coisa viva, que se nos cola à pele como o velho livro em papel, e que não é bem aquele tipo de objecto cheio de tecnologia capaz de se descontrolar. Os comandos são simples, intuitivos, fáceis de utilizar e fui capaz de automatizar a maioria dos passos fundamentais em pouco mais de 24 horas de utilização.

É preciso entretanto notar duas coisas importantes. Em primeiro lugar, que o Kindle não é um computador. Serve apenas para ler, encomendar livros electrónicos e tomar notas sobre os mesmos. Não é retro-iluminado e não tem reflexo (quanto mais luz sobre o ecrã incidir melhor se lê), não faz qualquer ruído em stand by ou a trabalhar, salvo um pequeníssimo clique que assinala o virar de página, quase não precisa de energia (parece que um utilizador intensivo pode passar três semanas sem ter de o ligar à corrente). Em segundo lugar, que o Kindle não é uma imitação do livro em papel. A relação física é bastante diferente, o processo de habituação demorará inevitavelmente algumas semanas, e, evidentemente, existem coisas que fazemos com os livros em papel desde os meados do século XV e que aqui não são nem serão possíveis. Ou pelo menos não podem fazer-se da mesma maneira. Nomeadamente os processos de anotação e consulta – mais até do que de leitura – que precisam ser reaprendidos ou reinventados em termos de técnica e de rotinas.

Para já, o mais complicado é mesmo resistir à possibilidade de, com um só clique, comprar livros, jornais e revistas atrás de livros, jornais e revistas. Sob este aspecto, e para além do domínio do inglês – é provável que a explosão da oferta de conteúdos nas outras línguas mais faladas ainda demore dois ou três anos a acontecer –, o limite é a conta bancária. Por isso há que ter juizinho e ver bem onde é que metemos os dedos para não nos entalarmos. Daqui por umas semanas ainda voltarei ao tema, nessa altura com mais alguma experiência acumulada.

[continua]

    Cibercultura, Etc.

    Agora não, talvez depois

    Num acesso súbito de imodéstia, pensei em escrever um post crítico mas optimista sobre os caminhos previsíveis da nossa vida colectiva num tempo próximo presente. Mas fui incapaz, não me saiu uma ideia, não consegui ver mais longe do que um palmo à frente do nariz. O nevoeiro está cerrado, o terreno escorregadio e falta-me uma lanterna.

    nonsense

      Apontamentos, Devaneios, Etc.

      Palavras rápidas

      As palavras e a crise

      Quando tive a primeira gramática – se não me engano a de Pires de Castro, que já vinha do final dos anos trinta e herdei de um tio – fixei-me, como qualquer criança normal que prefere o misterioso e o inesperado, nas interjeições. Essas palavras-relâmpago, indeclináveis, que nunca mudam mas revelam sempre fortes estados emocionais e sensações súbitas. Que empurram sem nos deixarem pensar, que incentivam ou assustam dispensando frases que demoram demasiado tempo a pronunciar. Com algumas foram casos de amor à primeira vista: Apre! Irra! Arre! Ufa! Eia! Sus! Mesmo o Ai! e o Ui! pareciam bombons para quem achava ainda que a dor durava só um segundo. Existiam também aquelas que o padre confessor traduzia numa penitência infernal de dez salvé-rainhas, trinta pai-nossos e cinquenta avé-marias, como Porra! Merda! Chiça! e outras que os vocabulários impressos omitiam. A vida vivida foi trazendo mais, menos vulgares, imperativas, como Oxalá! Coragem! Força! Avante! Tchau! Uau! Já o assanhadiço Capitão Haddock ensinou-me as melhores: Raios! Coriscos! Ectoplasma! Equinoderme! Cercopiteco! Lembrei-me de todas elas por estes dias ao sentir na pele os pesados açoites do PECIII, ao ouvir as palavras dos economistas de uma nota só que pedem mais e mais sangue, ao ver os noticiários dos canais de televisão que se comprazem em deixar-nos mais deprimidos a cada minuto. Credo! Chega! Socorro! Rua! Ah! Aaaaaahhhhhh!

        Atualidade, Devaneios, Etc.

        Sol e poeira

        Open Range

        Havia tempo. Tinha saudades de um western normal e previsível. Daqueles onde os maus, gananciosos e sem piedade, se encontram de olhos nos olhos com os bons, firmes quando é preciso mas sempre generosos, sob um sol toldado pela pólvora e pela poeira. Noite fora e sem pipocas, vi ontem, via RTP1, Kevin Costner e Robert Duvall em quase três horas de um filme assim.

        «Waite, Spearman, Button e Harrison tentam fugir ao passado, criando gado nas pradarias, onde a lei é a da Natureza. Os cowboys tentam seguir um código de lealdade e integridade e evitam a violência. Ao chegar a uma cidade dominada pela corrupção e tirania, no entanto, estes homens são forçados a entrar em acção.»

        No final de Open Range (A Céu Aberto, de 2003, dirigido por Costner), e em harmonia com o modelo, consumada a justiça o pistoleiro de boa índole pediu em casamento a moça compassiva – bem, já não era tão moça assim pois «já lhe despontavam as cãs» – que sempre esperara por ele. E a paz regressou à pradaria. Quando apareceu no ecrã o clássico «The End» transpirava um pouco e tinha na boca o sabor inconfundível de um filme «para maiores de 12 anos». Tinha saudades.

        [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=MyS53TALCY8[/youtube]
          Cinema, Devaneios, Etc.

          Fantasia

          navegar é preciso

          Há bem mais de um ano que não controlava as frases depositadas nos motores de busca que transportam os leitores irregulares até este blogue. Mas devia fazê-lo mais vezes porque aprendo sempre imenso sobre as fantasias e os conflitos mais cavados de quem me lê de raspão. Nesta semana duas frases se destacam de todas as outras: «meninas vestidas de soldado» e «se eu gostasse muito de morrer». Em ambos os casos a minha imaginação, que por estes dias se tem sentido tristemente paralisada, libertou-se e voou à solta. E a sua?

            Devaneios, Etc., Oficina

            This is what dreams are truly made of

            Bebé

            No Verão os sonhos acontecem. No mundo do futebol em particular. Djelmar transferiu-se para o Deportivo de Villanueva del Fresno e afirmou «viver um sonho». Britinho assinou por dois anos pelo F.C. de Mogofores e declarou à Trombeta das Beiras ser esse o seu «sonho de menino». Kadu passou do Libertadores do Ceará para o Recreativo de Mocoró e afirmou à torcida mocoroense ser a mudança um sonho feito verdade. Mas nada de comparável ao que aconteceu com Tiago Manuel Dias Correia, Bebé, o rapaz nascido no Cacém que ainda há um ano jogava futebol de rua e agora, praticamente sem experiência de futebol profissional, foi vendido pelo Guimarães ao Manchester United por 10 milhões de euros. Sem formação que não a obtida em ruelas empedradas, pracetas de subúrbio e campos carecas. Sem longos anos a dar cabo dos olhos com livros ilustrados e monitores magalhânicos para «adquirir competências». Presumivelmente sem saber inglês técnico. Claro que Bebé nos diz, deslumbrado, ser «um sonho» poder jogar de vermelho no relvado de Old Trafford. Quem somos nós para o fazer cair na realidade?

              Atualidade, Devaneios, Etc.

              Sublinhado

              jornal

              «Dêem-me um jornal onde se use hoje uma voz perifrástica ou tão só um tempo composto e onde o mais-que-perfeito não tenha sido soterrado sob o pau para toda a obra do perfeito simples.» A constatação foi feita por Manuel António Pina num JN dos idos de Maio de 2006. Entretanto estes quatros anos e picos de vida colectiva doideca e intensa trouxeram consigo a vitória de um outro contributo estilístico: a presentificação do condicional. Diria mesmo que me parece.

                Etc., Olhares

                Fiel ao touro

                tourada

                Das touradas consigo entender a embriaguez do sol a pique e da poeira à solta, dos cheiros acres e bestiais, dos trajes de luces, das mantilhas negras, amarelas, em tons de rojo. E o fulgor das verónicas, das compridas chiquelinas, dos olés, dos é-lás, da música vibrante do passo doble às ordens do inteligente. Creio que também consigo alcançar – sem com ela simpatizar – um pouco da afición que experimentou Hemingway, apenas sensível ao «ventre rasgado dos cavalos» e às solidariedades masculinas tecidas em redor da corrida. Mas mantenho-me fiel ao touro. Na expectativa da volúpia suprema da cornada com justa causa. E da vingança do oprimido.

                Nota – O Parlamento da Catalunha aprovou hoje, por maioria, uma lei que proíbe as corridas de touros a partir de Janeiro de 2012. Desde 1991 que uma lei análoga está em vigor nas Canárias.

                Quase 24 horas depois, três apêndices suscitados por algumas interpelações.

                # Claro que não sou indiferente ao facto dos militantes e simpatizantes independentistas apoiarem entusiasticamente a nova lei catalã. Só se fossem tolos é que o não fariam, uma vez que o documento aprovado contraria a centripetia cultural castelhana e constitui um gesto de afirmação autonómica. Discutir sobre se isto é bom, mau ou assim-assim leva-nos a um tema diferente.

                # A minha referência à solidariedade com o touro foi, evidentemente, irónica. Mas apesar de continuar a gostar de mastigar um bom pedaço de lombo e de não simpatizar com o fundamentalismo animal, mais preocupado com os bichos do que com as pessoas, não suporto o sofrimento desnecessariamente infligido a um ser vivo. Seja ele um touro ou uma truta. E defendo uma ética da anti-violência como factor de um avanço civilizacional construído também pelo exemplo.

                # Sei muito bem que os apaixonados da tourada como «festa», «desporto» ou «arte» jamais aceitarão esta presunção. Por isso a resolução do problema nunca poderá resultar de um consenso. Passa pelo combate político. «Transversal», provavelmente.

                  Atualidade, Etc., Olhares

                  Devagarmente

                  summer in the city

                  Os seguidores mais vigilantes e as sectárias mais inflexíveis já repararam numa quebra apreciável no ritmo das actualizações deste blogue. Chegaram até mails sobre o assunto. Estou em condições de assegurar que não se passa nada que não possa relacionar-se com o Verão, este maldito calor e o inalienável direito dos trabalhadores a um pouco de preguiça. Assim seguiremos, devagarmente, até ao miolo de um Agosto previsível.

                    Apontamentos, Etc.