Ingmar Bergman ficava deprimido de cada vez que tinha de rever um dos seus filmes. Lembro-me de ter visto dois ou três deles no Kino Mladost e de ter sentido a mesma coisa. Foi na época em que faltava às aulas na universidade para ir ao cinema com a Ludjmila. Ou então para ficar com o Ján Jaros e o Miroslav a ouvir discos dos Plastic People of the Universe, enquanto fumávamos cigarros Vadek (é uma pena já não se fabricarem mais) e bebíamos shots de Becherovka uns atrás dos outros. Bons tempos, apesar de tudo. Bergman incluído.
Costumava comprarfolhas de papel mata-borrão para o consulado numa pequena papelaria que existia por detrás do Faculdade de Filosofia da Universidade Comenius, junto à rua Gondova. Foi aí que, numa certa manhã, encontrei estranhamente esquecido, dado ter sido obra muito procurada por professores e alunos do Instituto Superior de Acústica em meados dos anos oitenta, um exemplar de Anonymi Leutsoviensis Tractatus de Musica, a tese de Zsuzsa Czagány parcialmente redigida em Munique. Completamente inexplicável ficou, para mim, o facto de esta conter ainda, na página 3, uma longa e apaixonada dedicatória da autora a Mark Spitz, o antigo campeão olímpico de natação.
Luzes frágeis pelas quatro da madrugada. Os corredores vazios. De tempos a tempos, alguns passos, a porta que bate, água pelos canos, vozes que parecem palavras. Sem som, o televisor passa imagens indecifráveis. Lá fora, alguém desliga os faróis de um carro. Uma aparência de solidão.