Arquivo de Categorias: Fotografia

Mario De Biasi

Mario De Biasi

À medida que o volume de informação vai crescendo e se desdobra, que a sua velocidade de circulação dispara, e a multidão de sound bites e de dados irrelevantes tende a sobrepor-se ao que consegue sobreviver àqueles «quinze minutos de fama» dos quais falava Andy Warhol, tendemos a perder o rastro ao que permaneceu durante décadas como âncora da nossa memória ou como fundação da nossa maneira de olhar o mundo. Se, como sugeriu Marc Augé num pequeno e luminoso texto de 1998, é verdade que sem esquecimento não existe memória, pois de outra forma iríamos perder-nos no sorvedouro imenso de um passado esmagador, também é verdadeiro que a ampliação dos meios de informação e de comunicação tende agora, cada vez mais, embora paradoxalmente, a conservar o que é fugaz e a apagar o que permanecerá na lembrança de mais do que uma geração. Só isto explica que nesta altura deixemos morrer no esquecimento, quase sem uma palavra, homens e mulheres que durante tanto tempo nos acompanharam no reconhecimento do mundo, ou que nele conduziram os que mais de perto nos precederam. (mais…)

    Artes, Fotografia, Memória, Olhares

    De um Portugal português

    Enquanto este blogue respira uns dias para ganhar outro balanço, aqui vai um post publicado há um pouco mais de quatro anos. Talvez não esteja muito desatualizado.

    Portugal Anos 50Numa tarde destas, enquanto me esforçava uma vez mais por dar algum sentido aos livros acumulados sem grande nexo, reencontrei um conjunto de postais reproduzindo fotografias de Gérard Castello Lopes tiradas ao Portugal dos anos 50. Foram editadas em 1999 na companhia de pequenos textos de dois Antónios. «Outros tempos, outros lugares», sublinhava um deles, o Tabucchi, na contracapa. O outro, o Barreto, falava de um país passado que Castello Lopes revirou e nos ofereceu contrariando uma quase crónica escassez de imagens. Mas será realmente assim? Estaremos a olhar aqui para um país inteiramente outro, mergulhado num sono coletivo e prolongado do qual só na década de 1960 teria sido possível despertar? Revejo as imagens e encontro em quase todas elas vestígios de um Portugal que me parece o de sempre, diverso daquele que hoje habitamos mas nem por isso imóvel, nem por isso falho do movimento que é parte da memória comum. Na qual continua a apoiar-se aquilo que nos aproxima, ajudando a desenhar a comunidade que imaginamos. (mais…)

      Atualidade, Fotografia, História, Memória

      Imagem, «real» e realidade

      Susan Sontag

      Os seis ensaios que este livro de Susan Sontag foram publicados entre 1973 e 1977 na New York Review of Books, e logo de seguida editados em conjunto, rapidamente convertidos em clássicos dos estudos sobre a semiótica da fotografia. Passando quase incólumes pelas últimas décadas, abordam um assunto – o lugar central que a fotografia detém na cultura contemporânea – que não só permanece inteiramente atual, como tem sido reforçado até no seu interesse devido aos progressos ocorridos entretanto no domínio da captação, da reprodução e da disseminação da imagem. Como seria de esperar pelo seu entendimento do papel da crítica, Sontag excluiu de todo uma observação estritamente técnica da prática fotográfica, que pudesse desligá-la do quadro social dentro do qual é produzida e consumida. Abrangentes e reflexivas, as observações que vai propondo dialogam constantemente, de um modo erudito e sedutor, com a filosofia, a sociologia, a história, a estética e a pintura, partindo sempre do princípio segundo o qual, atualmente, «tudo existe para terminar numa fotografia». (mais…)

        Artes, Fotografia, Olhares

        Teerão 2011

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        Masculine World
        Fotografia de Vahid Rahmanian

        Em «Na Caverna de Platão», um dos mais conhecidos ensaios de Susan Sontag sobre fotografia, esta arte/técnica é descrita como «um dos principais meios de acesso à experiência, a uma ilusão de participação». Repetida como o é agora, banalizada pela inclusão de câmaras de alta definição nos pequenos telemóveis que se levam para todo o lado, a evidência das imagens, como diz ainda a ensaísta, romancista e ativista americana, propaga uma perceção «voyeurista» do mundo, «que nivela o significado de todos os acontecimentos». Uma leitura estritamente estética desta situação – se é que é possível tê-la sem um artifício de análise – permite uma certa euforia, determinada pelo excesso de representações e pela qualidade das imagens. Mas uma leitura mais conscientemente política deixa-nos consternados, uma vez que o efeito de banalização induzido pela proliferação reduz o impacto social daquilo que é representado. Penso nisto enquanto observo Masculine World, uma fotografia do iraniano Vahid Rahmanian que retrata mulheres de Teerão a viajarem numa carruagem de metro interdita a homens, e percebo como à beleza dos seus rostos, ao hipotético mistério dos corpos que se velam, se sobrepõe, ainda assim, uma noção de tristeza, de dignidade diante da indignidade e de injustiça que supera distâncias e transcende fronteiras. E admito que Sontag se tenha mostrado demasiado pessimista.

          Artes, Fotografia, Olhares

          O meu Beat Hotel

          As paredes sujas, a velha secretária, a máquina de escrever, as folhas de papel, os químicos, o lápis e a esferográfica, os cigarros, a caixa de fósforos, o cinzeiro cheio de beatas, os óculos. Só a lupa está ali a mais. Num devaneio da memória, diria que se trata da reconstituição museológica do meu espaço de trabalho em São Martinho do Bougado, concelho da Trofa,  na casa de piso único, térreo, sem quarto de banho ou cozinha, onde em 1974 vivi cinco meses de clandestinidade. Mais prosaicamente, é «apenas» a recordação fotográfica do habitáculo de William Burroughs no Beat Hotel de Paris. (Fotografia de Jed Birmingham)

            Apontamentos, Devaneios, Fotografia

            O olhar fotográfico

            Desde a primeva visão gravada por Joseph Nicéphore Niépce, em 1826, a partir da varanda da sua casa em Vincennes, a fotografia testemunha a dimensão expressiva do silêncio. Sinal primário da arte fotográfica, a suspensão no tempo da imagem captada com a câmara retira o fotografado do tumulto dos dias, complexificando e alterando a sua primitiva e mais simples conformação simbólica. O trabalho do silêncio intervém assim na construção de sentidos que de outro modo permaneceriam indizíveis. Roland Barthes falava, em A Câmara Clara, de um «saber fotográfico» absolutamente único e intraduzível. Palavra alguma o pode explicar. Resta-nos olhar. Olhar sempre.

              Apontamentos, Artes, Fotografia

              Simetria semiológica

              Reparará quem segue este blogue que em seis anos quase não se publicaram fotografias de políticos portugueses no ativo. Chegou o momento de proclamar urbi et orbi os três motivos pelos quais isso sucede. O primeiro prende-se com o mais genuíno snobismo: este blogue vive da e para a polis, mas não é um blogue de politiquinha, daqueles que se ocupam quase a full-time (e fazem bem, cumprem a sua função) dos rodriguinhos de São Bento, das fífias de Belém e atividades afins. Por isso, quando fala deles, gosta de relativizar o seu papel nas preocupações do leitor. O segundo é de natureza meramente estética: A Terceira Noite pode ter alguns posts fraquinhos (ou até o podem ser praticamente todos), mas esforça-se por ser um prazer para os olhos, um lugar visualmente incitante, ou então tão relaxante quanto uma massagem ayurvédica acompanhada pelo som de vagas marítimas. A maioria das imagens pessoais disponíveis destruiria esse equilíbrio, como um par de peúgas brancas usadas com um fato escuro. O terceiro motivo é o mais fácil de expor: o blogue preparava-se para este breve momento de simetria semiológica, esgotando de uma vez a quota para os próximos seis anos.

              [fotografia extorquida à página facebook de maquinistas.org]

                Apontamentos, Devaneios, Fotografia, Olhares

                Duarte Belo / Páginas Tantas

                Esta segunda-feira, dia 6 de fevereiro, pelas 18H30, decorre a segunda sessão do programa Páginas Tantas, organizado em Coimbra pelo TAGV – Teatro Académico de Gil Vicente e pelo Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra. Nele se irá falando de livros e de literatura, das artes e dos artistas, e de outras coisas úteis. Em cada sessão estará presente um/a convidado/a que irá conversar com o público sobre o seu trabalho. Desta vez será Duarte Belo (Lisboa, 1968), autor de extensa e importante obra na fotografia portuguesa contemporânea. Esta centra-se principalmente no levantamento fotográfico da paisagem e das formas de ocupação do território, sendo de destacar as obras Portugal — O Sabor da Terra (1997) e Portugal Património (2007-2008). Este trabalho deu origem a um arquivo fotográfico pessoal de mais de novecentas mil fotografias.A partir do dia 6 o TAGV terá em exposição trabalhos do autor. Mais informações no blogue do programa.

                  Fotografia, Novidades, Olhares