Onde estará você a 23 de Janeiro? (3)
Descubra as diferenças.
[Fonte: revista Visão]
Descubra as diferenças.
[Fonte: revista Visão]
(sejam quais forem as latitudes)
(sejam quais forem os calendários)
Estava em Lisboa e anunciava as suas habilidades na Illustração Portugueza de 18 de Junho de 1910. Previu a queda do Império mas escapou-lhe o mais fácil.
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Sabemos alguma coisa sobre como podem as vítimas de um dia converter-se nos algozes do dia seguinte. Mas sabemos pouco, muito pouco, sobre como as mãos da opressão se podem transformar, num instante, ou em menos de um instante, nas das vítimas de uma outra opressão. Nada é fácil e tudo é complexo, como toda a gente sabe. Bem, quase toda.
Um obrigado à IC pela partilha. O título do post cita uma velha canção de LF.
Não irão faltar os jograis prontos a desqualificar, apenas porque configura uma pequena afronta ao actual governo da nação, a atitude de Paulo Nozolino ao decidir devolver o dinheiro do Prémio da Associação Internacional de Críticos de Arte/Ministério da Cultura de 2009 em repúdio por lhe ser exigido o pagamento de IRS sobre o total da importância recebida, mas não é todos os dias que alguém do campo das artes recusa receber 10.000 euros e exige que o seu nome nem sequer conste, de futuro, da lista dos premiados. Acontece, muito simplesmente, que um prémio por mérito artístico é um prémio por mérito artístico e não um serviço prestado em troca dos respectivos emolumentos. Pelo menos para quem não avalie tudo pela óptica do contabilista. Fica registada a atitude frontal do fotógrafo.
Adenda – Podemos conhecer aqui uma explicação detalhada do próprio Paulo Nozolino.
Sobre o caso que empurrou Torre de Dona Chama para as bocas do lado mais ocidental da Península nem tudo foi dito. Não se falou, por exemplo, do mau gosto dos blogues, geridos por pessoas jovens, citadinas, modernas, viajadas, de leituras, tolerantes e até «feministas», que recorreram sem pestanejar ao expediente fácil, de um voyeurismo camuflado, confrangedor e um bocado bimbo, traduzido na ilustração galhofeira dos seus posts sobre o tema com fotografias da professora Bruna em pose erótica retro-kitsch à anos 70. Era mesmo preciso?
1º de Maio | May Day
Posso aceitar a observação do livreiro Jacques Desse quando nos diz, a propósito do encontro com um singular Rimbaud adulto que descobrira entre um conjunto de fotografias à venda numa feira de antiguidades, que o poeta de Une Saison en Enfer aparece ali com «um ar de extraterrestre no meio dos outros, um pouco como se estivesse naquele e ao mesmo tempo noutro lugar». Por mim vejo-o antes, entre aquele grupo de bons burgueses a posar para a posteridade à entrada do Hotel de l’Univers, em Aden, lá pelos meados da década de 1880, como um sujeito normal, sem nada do jovem dandy dissoluto, ícone gay e arquétipo do poeta maldito, habitualmente associado ao famoso retrato tirado aos 17 anos. Como um tipo banal, conformado, que já deixara de escrever e exercia o melhor que podia a profissão de negociante de armas e café. Talvez pareça mais humano, embora mais triste.
Devia ser o Théâtre Royal de La Monnaie
Todas as cidades vivem saturadas da sua própria imagem. Em especial as pequenas, pela razão evidente de possuírem menos ângulos a partir dos quais é possível obter perspectivas inéditas. Habito uma cidade dessas: se acreditarmos apenas no que proclamam as prédica oficiais ou lemos nos seus jornais, a imagem que a maioria dos seus habitantes tem do local onde mora é inflexível, ainda que desgastada. Nela a história serve habitualmente de argamassa. Um grafito numa parede – entretanto apagado por vândalos disfarçados de funcionários municipais – proclamava em tempos: ISTO JÁ NÃO É AQUILO QUE NUNCA FOI. Sabedoria rara que proclamava o óbvio: toda a repetição é inútil, uma vez que só se conserva igual aquilo que cada um deseja que assim pareça. Por isso gosto de imaginar, imaginar mesmo, cidades perpetuamente instáveis, das quais é sempre possível esperar mais e esperar melhor. Mesmo quando se trata das aparentemente mais monótonas ou aborrecidas. E por isso me atraiu um livro de itinerários de Bruxelas que encontrei, publicado pela Casterman, contendo textos de Christine Coste e desenhos de François Schuiten (com Benoît Peeters um dos autores da esplêndida série de BD Les Cités Obscures). Aqui toda a cidade é revista de alto a baixo, projectando-se imagens desejáveis, ou imagináveis, da face aparentemente oculta da capital dos belgas. Gostaria de ver a minha cidade assim tratada. Dessa maneira talvez fosse incapaz de deixar de gostar dela.
E contava a fábula que aquele era o país mais feliz do mundo.
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=sbVml3P4FBY[/youtube] |
Esta imagem do fotojornalista italiano freelancer Pietro Masturzo acaba de vencer o prémio máximo da World Press Photo 2009. Captada em Teerão durante os protestos originados pela reeleição do presidente iraniano, nela podem ver-se algumas mulheres que da açoteia de uma casa gritavam a sua indignação. O impacto cénico e o contraste dos gestos dão a ver, retirando-as da sombra, a cólera dos manifestantes e a violência do regime que os leva a manifestarem-se. E o perigo que correm aquelas mulheres pela circunstância simples de terem sido fotografadas.
Em Machine de Vision, de 1988, Paul Virilio anunciava a instauração de uma democracia-espelho capaz de fazer regredir as antigas formas de reflexão colectiva. Escrevia aí que «o exibicionismo e o voyeurismo, reforçando-se mutuamente, passaram a determinar o fetichismo da imagem opticamente correcta, na qual o padrão das aparências integra e remata a opinião pública». Baudrillard falava também da «condenação à morte» de toda a referência exterior à própria imagem, determinada pela sua exuberância e proliferação. Isto não me apavora, apesar de ser um rato dos papéis. Não encontro aqui ameaça alguma. Vejo só um imenso repto à nossa capacidade para projectar e ampliar mundos comunicantes. Não uma megacatástrofe, mas uma viagem desafiante em mar revolto.
| recuperado por acaso de um post publicado há seis anos
Folheio Havana Style, um daqueles álbuns de 8 €uros da série de bolso «Icons», da Taschen. Carrega dezenas de fotografias de ruas, prédios e interiores – belas, estranhas, incómodas – de uma Havana Velha olhada de fora como ilha dentro de uma ilha e território de caça do exótico e do kitsch retro. Na realidade, um engodo turístico para advogados de província, cabeleireiras de sucesso e pequenos empresários, desembarcados em fluxo no Aeroporto Internacional José Martí, que sobrevive apoiado em doses compactas de nostalgia e de propaganda de uma pobreza honrada. Para muitos dos que chegam após consulta os folhetos da agência de viagens, com a música rebobinada dos anos cinquenta a partir do trabalho peregrino de Ry Cooder, trata-se da demanda e do reencontro com um tempo imaginado de sol, suor, cocktails e sémen. Para os que perseguem o rastro deixado pela pureza revolucionária dos barbudos da Sierra, é antes um lugar de culto, de consumação imaginária da igualdade, de preservação de uma «democracia avançada» essencialmente anti-ianque. Mas para quem observe sem preconceitos, pondo de parte o ruído dos habitantes que se beijam, bailam, bebem e fazem por viver ruidosamente de costas para as ondas no Malecón, é sobretudo esse lugar triste, pobre, decadente, sem esperança, que os escritores cubanos contemporâneos não se cansam de descrever. No qual a ferrugem, o mofo, o cheiro a gasóleo e a decrepitude, nada têm de sedutor.
Lembro-me de há uns doze anos atrás ter ensaiado – na época um passo em falso, ainda não tinha chegado o momento certo – um olhar sobre o passado colonial que parecia então tão improvável quanto impopular. Na altura, os estudos sobre a Guerra Colonial apenas começavam a gatinhar e, para quem se interessava pelo assunto, a única paisagem humana aceitável era composta pelos militares da tropa, pelos guerrilheiros que se lhes opunham e pelas populações africanas que enchiam a única paisagem visível. Os outros, bem, os outros tinham andado por ali, é verdade, mas era como se não tivessem andado: as centenas de milhares de portugueses de diferentes gerações que tinha povoado os territórios de Angola e de Moçambique nos anos de guerra deviam permanecer invisíveis, dentro do cordão sanitário da memória que protegia o bom povo do seu cheiro pestilento.
Eram ainda os «retornados», gente apátrida, culpada de ter existido, de sobreviver, e de, por isso, carregar consigo a memória de um passado que deveria ser apagado. E, no entanto, sem essas centenas de milhares de homens, de mulheres, de crianças – brancos, sobretudo brancos, mas também mulatos, cabritos, uns quantos negros assimilados – a realidade da última vaga da colonização, da guerra sangrenta, das independências paridas com dor, da inquietante experiência pós-colonial tal qual ela se define hoje, jamais teria existido. Fosse qual fosse o juízo de valor que pudesse ser feito em relação à colaboração de uma grande parte dessas pessoas na manutenção do jugo colonial – e eu fi-lo também, e bem negativo –, elas existiam, e tinha atravessado experiências de vida que não poderiam ser apagadas. A História de Portugal, de Angola, de Moçambique, de São Tomé, das outras antigas colónias, jamais poderá ser feita, percebemo-lo agora, sem se dar vida – retirando à maior parte desses seres humanos os qualificativos simplistas de algozes ou de cúmplices – a toda essa outra vida que ficou para trás mas que nos preenche.
Por isso, para que tudo isso possa ser reconhecido, e possam sair dos escombros pedaços de existência injustamente esquecidos, são indispensáveis livros recém-editados como o Caderno de Memórias Coloniais, de Isabela Figueiredo (na Angelus Novus), e Moderno Tropical, de Ana Magalhães e Inês Gonçalves (da Tinta-da-China). O primeiro é um magnífico, e ainda raro, exemplo de uma literatura autobiográfica saída do universo caseiro dos torna-viagem regressados do lado sul do Equador. Aqueles que respiram todos os dias connosco mas deixaram parte constitutiva das suas vidas num tempo que se perdeu mas se pressente ou se adivinha: «Ao domingo à tarde a rádio passava Nelson Ned cantando Domingo à Tarde. Ao domingo à tarde íamos ao cinema.» O segundo reintroduz-nos nessa arquitectura colonial de última geração, agora semivazia, decrépita e visivelmente abandonada, erguida em Angola e Moçambique entre 1948 e 1975, que nos leva de volta a uma certa «beleza nostálgica das cidades da África lusófona». Das cidades do asfalto, naturalmente, pois são estas que aqui preenchem a paisagem humana. Dois livros que vomitam vida por todos os lados, e que não deixarão indiferentes quem os percorrer. Padeça-se ou não dessa espécie de vírus, ainda não cientificamente identificado, e muito menos provido de antídoto, conhecido entre nós por bichinho de África.