Arquivo de Categorias: História

O beabá do 25 de novembro e a direita

O aproveitamento simbólico, pela direita e pela extrema-direita, do 25 de novembro de 1975, a data que de alguma forma fechou a fase mais dinâmica do processo revolucionário de 1974-75, só pode ser suscitado pela ignorância da história, por puro oportunismo, ou, mais provavelmente, por ambas as coisas. Por ignorância porque nem sabem, ou nem querem saber, que os vencedores dos acontecimentos que tiveram lugar nessa data foram, do ponto de vista político, os setores moderados do MFA e o Partido Socialista. Por oportunismo porque tudo lhes serve para, no seu cinquentenário, minimizarem o significado e o impacto dos 25 de Abril, que na verdade desvalorizam, quando não odeiam visceralmente e desde há muito. Vão, desta forma, celebrar, como data sua, um acontecimento para o qual não meteram prego nem estopa. Dele se aproveitando agora, após cinquenta anos a ganharem coragem para o fazer.

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    Ainda a necessidade e o perigo das vanguardas

    A palavra vanguarda é usada no vocabulário comum como metáfora de origem militar que alude ao destacamento especial dos exércitos destinado, durante as campanhas, a seguir muito à sua frente, tendo por objetivo reconhecer os caminhos que deveriam percorrer, observar melhor as forças do inimigo e realizar pequenas incursões destinadas a feri-lo ou a testá-lo. Atualmente a designação é associada a indivíduos, a experiências e a movimentos que, nos planos vivencial, estético, filosófico ou político, se mostram bem à frente das sociedades de onde emergem, propondo, ensaiando e materializando vias e dimensões caraterizadas pela ousadia, pela raridade e pelo pioneirismo.

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      Atualidade, Democracia, História, Opinião

      Por Olivença, «marchar, marchar»?

      Há bastantes anos, conheci um rapaz que durante algum tempo insistiu em que eu me inscrevesse como fiel «Amigo de Olivença». Isto é, que me tornasse militante da causa dos que pretendem repor a soberania portuguesa e alentejana sobre aquela cidade raiana da Estremadura espanhola. Apesar de reconhecer a legitimidade do retorno de um território que, após a assinatura pela Espanha, em 1817, do tratado de Viena, esta reconheceu como português, não me pareceu causa sequer longinquamente prioritária, pelo que recusei aquela aproximação, passando até a referir privadamente o episódio como piada.

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        O mito das criancinhas e Trump

        Ao longo de décadas, um dos mais utilizados mitos usados por governos e partidos de orientação anticomunista foi a divulgação – a par de lendas sobre imaginárias injeções letais atrás da orelha impostas aos idosos – de que sob os regimes controlados pelos comunistas estes, por mera perversão, «comiam criancinhas ao pequeno almoço». A influência do mito foi tão forte e de tal modo transversal que ainda por volta de 1977 estive em debates em aulas onde alunos universitários, meus colegas à época, defendiam a veracidade desta ideia mirabolante.

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          Excesso de presente e usos da história

          O historiador François Hartog chamou «presentismo» a uma forma de encarar o tempo que desvaloriza o passado e despreza o futuro como dimensões da experiência humana, valorizando apenas o presente. Para quem a assume, esquece-se o que ficou para trás e apagam-se as utopias abertas ao futuro, visto como mera repetição da realidade atual, instalando-se a descrença na hipótese de mudanças substantivas. Resta então o presente como modo de orientação no tempo, tomando-se o anteriormente vivido como uma névoa ou uma sombra, e encarando-se o que virá sem réstia de esperança. Os «presentistas» habitam, pois, um eterno presente, que julgam o único lugar do possível. Uma perceção que não cai do céu, mas resulta da conjugação de cinco fatores. 

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            As vidas, as obras e a complexidade de tudo

            De tempos a tempos, quando por alguma razão – seja uma polémica, um prémio recebido ou o seu desaparecimento físico – se destacam nos jornais ou nas redes sociais figuras com um recorte público, é fácil surgirem arrebatados testemunhos, sejam os de quem apenas as elogia ou, no lado oposto, aproveita o momento para as denegrir. Umas e outras tendem a desvalorizar a complexidade do humano e o facto, sem exceções, de jamais alguém ter apenas realizado coisas formidáveis ou só cometido erros, oferecido unicamente beleza ou defendido ideias detestáveis. E, todavia, um grande número de pessoas tende a olhar as demais, sobretudo aquelas que se destacam da mediania, apenas sob uma perspetiva unívoca, dividindo-as de forma, singelamente dualista, apenas em indiscutivelmente «boas» e inequivocamente «más». 

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              Um mapa «da Palestina» negativo e danoso

              Está a circular profusamente pelo Facebook e outras redes sociais, deixado inclusive por pessoas que muito prezo ou de quem sou amigo, e que acredito terem sobre o tema posições mais equilibradas e racionais, e não apenas emotivas e epidérmicas, um suposto mapa «da Palestina», legendado em árabe e na perspetiva do Hamas, destinado a celebrar o combate do povo palestiniano pela sua independência. A causa é, sem qualquer dúvida, justíssima, para mais nesta altura tão dramática para a população de Gaza, e essa lembrança é adequada. O mapa em causa, todavia, além de estar manifestamente errado, por muito incompleto, parte de um pressuposto político, vindo de determinado grupo, que é negativo e danoso para a própria causa palestiniana.

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                O 25 de Novembro que foi (e o deles)

                Muito tem sido escrito por aí, nestes tempos mais próximos, sobre os acontecimentos de 25 de Novembro de 1975. A começar por reflexões de pessoas, historiadores e não só, que sabem do que estão a falar, e a terminar em banalidades ou atestados de ignorância. Limito-me, pois, a um banal parágrafo. Para resumir muito resumidamente, vou ao essencial: o que aconteceu naquele dia traduziu-se historicamente numa vitória do Partido Socialista, da «ala moderada» do MFA e, em consequência, do modelo constitucional da democracia representativa. Marcou também, como toda a gente sabe, o termo da fase necessariamente experimental e mais intensa da nossa revolução democrática. Recordo-me de, na manhã do dia seguinte, ter acordado tristíssimo e com uma sensação amarga de «fim da utopia». A tentativa de aproveitamento da direita e da extrema-direita para os seus objetivos revanchistas, procurando construir um sentido simbólico sem qualquer referente histórico ou o menor fundo de verdade, é patética. Mas também significativa e perigosa, sobretudo por estar a inquinar a opinião pública.

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                  Schutzstaffel e extrema-direita

                  A Schutzstaffel, palavra composta alemã que em português se pode traduzir por «tropa de proteção», é vulgarmente conhecida pelo seu acrónimo SS. Sim, refiro-me à força de elite composta por voluntários à disposição de Hitler, a quem jurava absoluta fidelidade, sujeita a critérios de seleção apurados e destinada a executar as operações mais difíceis e cruéis, que os militares e polícias normais muitas vezes tinham relutância em realizar. De 1929 até o colapso do regime em 1945, a SS foi a principal agência de segurança, vigilância e terror na Alemanha e na Europa ocupada, sendo particularmente responsável pelas ações de extermínio, muitas indiscriminadas, e pelo funcionamento mecânico e implacável dos campos de concentrações.

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                    Devaneios, História, Opinião

                    A Palestina, Israel e a paz como causa comum

                    Existe um alarme global associado aos últimos desenvolvimentos do conflito palestiniano-israelita e às suas ondas de choque. Longe da inquietação ou da indignação sentida pelos que, sobretudo na Europa ou nos Estados Unidos, no conforto das suas vidas, dele colhem apenas o eco, os povos da região, muitos israelitas, mas em particular a população civil de Gaza, têm vivido de forma dramática esta nova fase de violência generalizada. Começou a 7 de outubro de 2023 com o ataque infame do movimento islamita Hamas sobre populações civis de Israel, prosseguindo com as brutais represálias do governo de Benjamin Netanyahu, lançadas em escala absolutamente desproporcionada e destinadas a reduzir ainda mais as áreas sob controlo palestiniano.

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                      Atualidade, Democracia, Etc., História, Opinião

                      Coimbra, o movimento estudantil e o 25 de Abril

                      É muitas vezes evocada a importância do movimento estudantil na resistência ao Estado Novo e o seu importante contributo para a queda do regime caduco e injusto que o sustentou. Infelizmente, esta evocação é com frequência bastante parcial, sendo acompanhada de um esquecimento de vários dos seus importantes momentos, escolhas e protagonistas. Esta tendência determina perspetivas incompletas, que relativizam o papel crucial e de longo fôlego, para a vitória da democracia, da intervenção política e cultural de sucessivas gerações de estudantes. Nos cinquenta anos de Abril, vale a pena mencionar esta lacuna centrando a atenção no caso de Coimbra e nos últimos anos do anterior regime.

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                        Coimbra, Democracia, História, Olhares

                        Uma homenagem e um equívoco

                        É hoje, 17 de Abril, quando se completam 55 anos sobre o episódio que desencadeou a «crise académica» de 1969, inaugurado em Coimbra pelo PR um mural de homenagem àquele momento que é centrado em Alberto Martins, então o presidente da AAC e o seu mais conhecido protagonista, dado o papel que teve ao pedir a palavra em nome dos estudantes. Parece-me bem e justo, embora discorde da forma como o episódio, que teve uma natureza coletiva e distendida no tempo, continua a ser recordado e representado como centrado num momento e numa só pessoa, que «apenas» foi instada – como a própria ainda há dias reconheceu num debate em que também participei – a falar em nome de todos.

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                          Longe da vista, longe da cabeça

                          No século XIX um conjunto de teóricos urbanistas defendeu, diante do crescimento das cidades e da sua população marginalizada e politicamente instável, a necessidade de afastar as «classes pobres» para as periferias das cidades. Assim, pensavam, se reduziria o perigo que representavam para os poderosos, e os centros urbanos seriam mantidos mais bonitos, mais limpos e mais tranquilos. Na Paris dos meados desse século foi particularmente importante a atividade do perfeito Barão Haussman, o «artista demolidor». O projeto de renovação da cidade que levou a cabo teve como objetivo, além de tornar a cidade de certo modo mais bela e imponente, pôr termo às constantes revoltas populares e barricadas. Ao mesmo tempo, serviu para expulsar os antigos moradores das ruelas centrais e aqueles que, havia pouco tempo, ali tinham afluído vindos das áreas rurais. Para a burguesia parisiense, em breve essa população se tornou uma realidade quase inexistente, confinada a escassas e necessárias atividades importantes para o aprovisionamento da capital.

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                            O tal mapa de 1947

                            A propósito do mapa da Palestina que anda por aí a ser reproduzido, datado de 1947, um ano antes da fundação do Estado de Israel, destinado a «provar» que não existia ali nenhum território chamado Israel. Desde já, isto não é verdadeiro, pois a designação existe na região há pelo menos três mil e trezentos anos. O primeiro registo histórico do termo Israel surge na Estela de Merneptá, documento epigráfico que celebra as vitórias militares do faraó Merneptá, datado do final do século XIII a.C. Depois, os judeus nunca deixaram de habitar a região, apesar de terem recomeçado a afluir em maior quantidade sensivelmente a partir de 1850, e mais ainda após o Holocausto. Depois ainda, toda aquela região, no mapa genericamente designada Palestina – na origem «terra dos filisteus» -, é uma manta de retalhos cultural, política, linguística e religiosa, combinada com traços comuns a todos os povos, incluindo judeus e palestinianos. Israel é também plural, apesar dos esforços dos conservadores belicistas e da extrema-direita sionista para o impedir. Finalmente, e para não cansar: imediatamente antes da independência de Israel o território, que havia sido controlado durante séculos pelo Império Otomano, era-o pela Grã-Bretanha. Situação colonial que se vivia na data do tal mapa. Quando não sabemos ou não queremos saber, um direito que nos assiste, o melhor é não falarmos à toa.
                            [Originalmente no Facebook]

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                              A Coreia do Norte e a falsificação da História

                              Ao ver na AppleTV uma excelente série que percorre oitenta anos da história da Coreia, e ao procurar aferir da veracidade das inúmeras referências históricas, dou de caras com um facto poderoso que ignorava e com uma mentira que tomava por verdade, ainda que manchada por algum exagero do qual já suspeitava. Em Pachinko, de Soo Hugh, estreada em 2022 e falada em coreano, japonês e inglês, uma saga familiar baseada no romance homónimo da escritora coreana-americana Min Jin Lee, encontra-se um cenário que reporta a relação complexa e traumática da Coreia com o Japão ao longo do século XX. O facto que ignorava tem a ver com a dimensão do domínio japonês sobre a península, exercido entre 1910 e 1945, ter sido traduzida na redução à escravatura, ou pelo menos à servidão, da quase totalidade da população local, com, níveis de repressão e de crueldade sem comparação à escala europeia.

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                                Democracia, Etc., Ficção, História, Olhares

                                O meu 11 de março: uma memória

                                11 de março de 1975, data sobre a qual se completam hoje 48 anos, corresponde, como sabe quem na época já tinha razoável tempo de vida ou quem estudou alguma coisa sobre a a nossa história recente, ao dia no qual, iniciada e gorada a tentativa de golpe de Estado de direita que tinha António de Spínola como «cabeça de cartaz», a revolução portuguesa se radicalizou. Superando anteriores hesitações, passou-se então à ocupação de muitas empresas e propriedades rurais, bem como a um processo acelerado de nacionalizações, incluindo a da banca. Dando-se também início a uma fase da revolução na qual o socialismo foi definido como meta por quase todos os partidos democráticos. Ao ponto de a nova Constituição a ter integrado logo no artigo 2º.

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                                  Apontamentos, Democracia, História, Memória

                                  Um ano de sofrimento, hipocrisia e esperança

                                  Completa-se hoje um ano sobre o início da guerra na Ucrânia, determinada pela súbita invasão russa imposta pela política imperial e belicista de Vladimir Putin. Um ano que, na altura, apressados analistas, alguns deles oficiais generais, anunciavam ir durar «no máximo, uma semana». Um tempo determinado em primeiro lugar pela sistemática e brutal destruição de boa parte do país invadido, pelo imenso sofrimento do seu povo, pela devastação de vidas e de esperanças, e por um número, ainda indeterminado, mas na escala dos largos milhares, de mortos, entre civis e militares. Contando-se também entre estes muitos cidadãos russos, alguns deles mercenários e ex-presos de delito comum incorporados com a promessa de um perdão, embora a maioria sejam recrutas e reservistas incorporados à força, às dezenas de milhar, pelo regime de Moscovo.

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                                    Para além e para aquém de Kiev

                                    Ao longo de vários séculos a população da Europa viveu atormentada por uma sombra ameaçadora que os historiadores designaram «o medo do turco». Isto é, o constante receio subjetivo de uma conquista otomana que virasse o seu mundo ao contrário. Ao mesmo tempo, setores da elite cultural ocidental foram alimentando uma dimensão de fascínio por esse universo, instalado a oriente, que a maioria desconhecia tanto quanto temia. Num e noutro dos casos, o sentimento dominante era o de grande estranheza perante hábitos, crenças, valores e formas de organização política e social substancialmente diversos daqueles que, apesar da pluralidade de regimes e sociedades, eram basicamente compartilhados pela generalidade dos europeus.

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