Arquivo de Categorias: Opinião

Pensar a política por antecipação

Circulou na passada semana uma notícia sobre Sanna Marin, a jovem chefe da coligação de esquerda que neste momento governa a Finlândia, e a sua suposta proposta de redução da semana de trabalho para 24 horas, em quatro dias de seis horas diárias. As reações não tardaram, na maioria dos casos distribuídas pelo apoio entusiástico ou por uma rejeição muito hostil. Na verdade, tratou-se de um equívoco, pois aquilo que Marin de facto fez não foi uma proposta, mas apenas a projeção de uma possibilidade futura. Adiantada não agora, mas em Agosto de 2019, quando ainda nem era sequer primeira-ministra. Relembro o caso, não para repor a verdade, o que não valerá o esforço, mas como pretexto para a defesa da projeção de futuros enquanto forma essencial de fazer política.

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    Atualidade, Democracia, Opinião

    A polémica equiparação fascismo-comunismo

    O tema foi debatido há semanas com bastante mais paixão que razão, quando da aprovação no Parlamento Europeu de uma moção que equiparava nazismo e comunismo como de natureza igualmente criminosa e condenável. Por iniciativa do CDS, Iniciativa Liberal e Chega, a Assembleia da República prontamente discutiu um voto de aplauso à deliberação saída de Bruxelas. As bancadas da esquerda reprovaram-no por entenderem, com toda a justeza, que o paralelo estabelecido branqueava o nazismo. Todavia, o assunto é complexo e justifica alguma atenção, tanto pelo sentido histórico do paralelo, quanto pelos objetivos que a decisão visou.

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      Democracia, História, Opinião

      O peso negativo do conformismo

      Não existem causas fáceis porque não existem verdadeiras causas que não exibam bandeiras. Quer isto dizer que quando tomamos uma posição pública afirmativa que não seja de âmbito meramente individual e antes diga respeito ao coletivo, estamos a interferir com situações estabelecidas e a dar a conhecer uma proposta ou uma ideia, perturbando sempre quem delas discorda. O conceito de causa, aplicado, não a um efeito, mas a um conjunto de interesses partilhados pelos quais alguém se bate, impõe sempre esse envolvimento de natureza conflitual, sendo por seu intermédio que as sociedades passam de um estádio a outro e se afirmam na conquista de direitos mais amplos e de uma vida melhor, ainda que episodicamente possam também, como se sabe, viver alguns recuos.

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        Democracia, Olhares, Opinião

        Algumas notas sobre o Livre

        Começo por me colocar totalmente de fora do ambiente de recriminação, ressentimento e preconceito que tem envolvido esta nova fase da vida do Livre e o problema com a prestação política da Joacine Katar Moreira. Não é atitude que me interesse, até pelo tom de desproporcionada violência, alguma dela muito personalizada, que o tem envolvido. Quero também, antes de ir ao problema que pretendo tratar, deixar dois lembretes que julgo necessários.

        O primeiro liga-se ao momento em que, no início desta infeliz situação, tomei a defesa pública da JKM. Fiz aquilo que pensei dever fazer, que foi defendê-la publicamente da vaga de preconceito centrado no problema com a fala, no facto de ser mulher e na cor da pele. Voltaria a fazê-lo nessa mesma direção, se tal fosse necessário. Mas tinha-me apercebido já de alguns problemas com uma parte das suas escolhas e prioridades, voltadas para a sobrevalorização sectária de certas causas em detrimento de outras, subvalorizadas ou mesmo ausentes do seu discurso, apesar de não menos importantes no programa do Livre.

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          Apontamentos, Democracia, Opinião

          Sobre a tirania de parecer feliz

          Na mesa ao lado quatro raparigas discutiam de uma forma exaltada, trocando acusações e insultos. A discussão era feia, quase no limite da violência física, e parecia piorar a cada instante. Todavia, algo dava uma tonalidade caricata ao episódio: de cinco em cinco minutos uma delas levantava-se, erguia o smartphone e tirava uma selfie ao grupo. A cada um desses momentos correspondia a suspensão da gritaria e a exibição de súbitos sorrisos de felicidade, de inesperadas expressões de simpatia, de gestos destinados a provar no futuro uma amizade sólida e um momento de serenidade. Situações destas fazem parte do nosso quotidiano, habitado por uma omnipresente vontade de aparentar alegria e felicidade, mesmo quando estas são forçadas e teatrais.

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            Atualidade, Olhares, Opinião

            Berlim 89, trinta anos depois

            9 de novembro de 1989. Anoitecia e eu começava a jantar quando tive a invulgar sensação de estar a viver em direto a História. O televisor estava ligado e pude então assistir à «primeira revolução televisionada». Diretamente das ruas de Berlim para os lares do planeta, o Muro de betão erguido em 1961 e a ordem mundial que ele simbolizava desfaziam-se às mãos de uma multidão eufórica que não sabia aquilo que se seguiria, mas parecia possuída de uma consciência clara do que não desejava. Projetado a partir daquele momento, as convulsões do biénio seguinte levariam ao fim dos regimes europeus do «socialismo realmente existente», terminando em 26 de dezembro de 1991 com a dissolução formal e definitiva da União Soviética. Era o desabar do mundo vivido e observado por várias gerações.

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              Atualidade, História, Memória, Opinião

              Catalunha e irracionalidade

              Não vou aqui discutir os termos e possibilidades de resolução da questão catalã. São muito complexos e sobre eles não tenho convicções absolutas, nem grandes meios para as obter. Durante o franquismo fui, obviamente, pela independência total; jamais deixei, e assim continuo, a simpatizar bastante com ela. Pelo que sei dos livros e vi no local, a identidade catalã – histórica, geográfica, linguística, cultural, política, até ao nível das formas de ser, de estar ou de comer – é enorme e persistente. Também o é o seu historial de opressão e de resistência em relação aos poderes instalados em Madrid ou aos seus representantes locais. Compreendo e simpatizo com a vontade de independência ou de autonomia de grande parte dos seus naturais – não se sabe se a larga maioria, já que o referendo foi muito irregular -, embora tenha dúvidas sobre a forma que estas devem tomar e como chegar a elas.

              O que não é aceitável é a defesa da independência passar por um antiespanholismo cego. Uma Catalunha autónoma ou independente não pode ser construída contra os espanhóis e a sua democracia, nem, uma vez consumada, deveria ou poderia viver nessas circunstâncias. Terá sempre contra si, inevitavelmente, os nacionalistas espanhóis, os herdeiros do franquismo, a extrema-direita, mas não pode erguer-se contra a esquerda e os democratas do Estado espanhol, com quem deve conceber estratégias de entendimento, de colaboração e de vida. Isso parece já ter compreendido a Esquerda Republicana da Catalunha, ou mesmo o PSOE e a Unidas Podemos, mas continua a não entender quem, lá ou cá, equipara quem não entende, não concorda ou tenha dúvidas sobre uma independência total e imediata a bandidos e a fascistas. Como sempre, a irracionalidade a nada levará.

                Atualidade, Democracia, Opinião

                Racismo e preconceito

                Aconteceu já durante a campanha, mas foi após a eleição da Joacine Katar Moreira, a única deputada do Livre, que teve lugar nas redes sociais e também nos jornais uma vaga de comentários e opiniões negativos e hostis a propósito da sua gaguez. Todos produzidos em tonalidades várias, embora constantes, de ignorância e agressividade, mesmo quando tentaram proclamar-se construtivos e afirmaram estar «apenas a fazer um reparo». Alguns chegaram mesmo de pessoas das quais, pela sua personalidade, escolhas e responsabilidades, jamais pensei escutar tais disparates e injustiças. Tornou-se assim claro que a gaguez da Joacine Moreira serviu apenas de pretexto para a exibição despudorada de preconceitos habitualmente calados.

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                  Atualidade, Democracia, Direitos Humanos, Opinião

                  Não, não será a mesma coisa

                  Quando no dia 6 coloquei a cruz no boletim, votei no partido político do qual me vejo mais próximo, mas, tal como muitos milhares de eleitores, subscrevi também a «Geringonça», no que isto significa de adesão a uma solução razoável capaz de construir consensos à esquerda, de assegurar alguma estabilidade política e de manter a direita acantonada. Se tomei o gesto como a assinatura de um contrato, deverão, no entanto, ter-me escapado as letras miúdas, pois nada parecia levar a que o resultado final do processo fosse aquele agora anunciado.

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                    Apontamentos, Atualidade, Etc., Opinião

                    «Apenas a verdade…»

                    Poderia ficar calado sobre este assunto? Sim, claro que poderia. E virá aquilo que vou escrever ajudar a resolver alguma coisa? É claro que não, nada. Implicará o parágrafo abaixo um assacar de «culpas» seja a quem for? Também não, a realidade é o que é, nada mais. Move-me apenas o contrariar da camuflagem da verdade e da reescrita da história que está a ser feita. Talvez seja uma mania de historiador. O assunto: o apoio do Bloco de Esquerda e do PCP ao governo do PS que agora cessa funções. Porque aquilo que aconteceu não foi bem o que está a ser contado como aquilo que aconteceu. Em parte por iniciativa de António Costa, na fase mais agreste da campanha eleitoral, mas também por pessoas que acompanharam mecanicamente as suas palavras. Não falo de cor, ou por uma impressão, mas atendendo a factos e a informações pessoais que me deixam contrariar essa reescrita.

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                      Apontamentos, Atualidade, Opinião

                      Notas e impressões (sobre as eleições)

                      Os resultados das eleições não foram surpreendentes. O PS ganhou como se esperava, ainda que sem a maioria absoluta que pretendia; o PSD teve uma descida menor do que aquela que se aguardava, em boa parte graças ao eleitorado fiel e aos ataques personalizados ao PS conduzidos nas últimas semanas; o Bloco de Esquerda manteve a sua importância central, se bem que sem a subida com a qual se contava; o PCP continua a descer, embora não tanto quanto se previa (já os «Verdes», esses evaporaram-se); o CDS caiu até ao limite, embora dentro do previsto; o PAN continua a subir num processo de apropriação de causas que não domina. E depois há os «pequenos partidos», aos quais a presença no Parlamento poderá permitir crescer.

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                        Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

                        Uma declaração de voto

                        Nestas eleições irei votar no Bloco de Esquerda. Entre 1999, ano da fundação, e 2011, colaborei muitas vezes com o Bloco e fui seu eleitor. Nesse ano afastei-me um tanto. Por dois motivos centrais: devido ao voto de desconfiança partilhado com o PCP e a direita que ingloriamente acabou por levar aos quatro anos do governo PSD-CDS; e porque me parecia possível e necessária uma aproximação a setores do PS já então disponíveis para a acolher. Devido a estas escolhas, nas eleições de 2015 participei na experiência de uma «candidatura cidadã» que visava estimular essa aproximação para derrotar a direita. O resultado dessa experiência foi inglório, mas o esforço de convergência viria depois a ocorrer sob a forma da Geringonça, com as conquistas, dificuldades e contradições que se conhecem.

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                          Atualidade, Democracia, Etc., Opinião

                          As redes sociais como barómetro

                          Esta crónica ocupa-se de um universo que muitos rejeitam ou consideram irrelevante. Não posso discordar mais desta atitude. Como acontece com o telefone ou a televisão, podemos virar as costas às redes sociais, mas não podemos viver sem elas. Oferecem excelentes possibilidades de aprendizagem, partilha e divulgação, bem como de encontros e reencontros, embora, é verdade, abram também espaço para a mentira, a exposição da ignorância e o ódio, levando a que frequentes vezes nos cruzemos com pessoas que na «vida real» evitaríamos. Só que existem, não irão desaparecer, e de um ou de outro modo influenciam poderosamente as nossas vidas. Por isso, não convém ignorá-las.

                          O enorme sucesso desta ferramenta de comunicação deve-se à facilidade de acesso, ao baixo custo e também a possibilidade de dar voz pública a quem habitualmente a não tem. Ao mesmo tempo, porém, permite que se escreva e se opine sem se ter o hábito de o fazer, podendo qualquer um afirmar o que deseje sem pensar duas vezes ou com objetivos pouco claros. É esta, aliás, a principal origem do seu perigo, sendo também por isso que muitas pessoas as rejeitam.

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                            Atualidade, Cibercultura, Democracia, Opinião

                            O perigo e o erro da História «certa»

                            O regresso da extrema-direita ao primeiro plano do debate político nas sociedades democráticas tem dado um papel de relevo aos chamados «usos da História». Por isso, é um erro atribuir a esta disciplina um lugar neutro, limpo, silencioso, supostamente acima dos interesses e dos conflitos. Se vivemos a era da globalização, permanecemos ainda herdeiros das estruturas políticas nascidas no século XVIII, o que, como notou Marc Ferro, se reflete em muitos dos problemas e dos confrontos que enfrentamos. Estes continuam a passar por batalhas em redor da democracia e da liberdade, do papel do Estado e dos nacionalismos, do lugar da solidariedade e do individualismo, dos direitos humanos e da igualdade, bem como pelos processos de transformação que seguem modelos e ideais contraditórios, associados a diferentes interesses.

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                              Ensaio, História, Memória, Opinião

                              As democracias e o poder dos brutos

                              As redes sociais servem, como toda a gente sabe, ou então deveria saber, tanto para coisas úteis ou mesmo magníficas, quanto para outras bem horríveis e sinistras. Depende sempre de quem as usa, da forma como o faz, da linguagem que usa, dos interesses que representa ou dos princípios que segue. De entre as coisas boas, apesar de relacionada com outras detestáveis, tem servido para denunciar as decisões, escolhas e imposições de figuras tão insanas e perigosas como Bolsonaro, Trump, Salvini, Orbán e agora, ainda que numa outra escala, Boris Johnson.

                              O problema que se coloca é que, apesar das proclamações de espanto ou de indignação, quanto mais impensáveis e intoleráveis são as suas afirmações e iniciativas – ou as dos seus acólitos – maior apoio eles têm entre a larga maioria daqueles que os elegeram e apoiam. As democracias parecem estar entregues ao poder dos brutos, dos ignorantes, dos trolls – em parte por intervenção das próprias redes e de uma comunicação social que esquece a sua dimensão cívica – e isso precisa ser rapidamente pensado e alterado. Antes que as trevas nos submerjam a todos.

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                                Social-democracia: equívoco ou solução

                                Quem se interesse de modo crítico pela história das ideias políticas conhece a ambiguidade que há mais de cem anos acompanha o conceito de social-democracia. Declarações de Catarina Martins ao Observador, nas quais considerou existir uma dimensão social-democrata no programa do Bloco de Esquerda, trouxeram de novo alguma atenção a esse equívoco, tantas vezes alimentado por circunstâncias históricas, mas também pelo desconhecimento e pelo dogmatismo. Nada tem isto a ver com o PSD, partido liberal cuja inadequada designação resultou das circunstâncias de Abril, mas antes com os setores que à esquerda olham o conceito com aprovação ou descrédito.

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                                  Democracia, História, Opinião

                                  A opinião e os burros

                                  Publicadas em jornais, blogues ou redes sociais, as crónicas de opinião – tenham a forma de curtos artigos ou de breves notas – são sempre escritas de forma rápida e circunstancial, ao sabor dos acontecimentos ou dos acasos, bem como das impressões por estes causadas nos seus autores. Isto confere-lhes inevitavelmente uma forte margem de transitoriedade, incerteza e imprecisão. São também muitas vezes experimentais, sem tempo para amadurecimento e revisão. No entanto, quem as escreve sabe como são acusadas de tudo: de parcialidade, incompletude ou ligeireza, sendo ainda habitual que os seus autores vejam o que exprimem interpretado muitas vezes de forma abusiva, confundindo-se a parte com o todo e tomando-se como definitivo aquilo que jamais o pretendeu ser.

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                                    Apontamentos, Olhares, Opinião

                                    Da ténue linha entre silêncio e indiferença

                                    A propósito do encontro de organizações da extrema-direita que decorreu em Lisboa este sábado, voltou a circular uma ideia tão errada quanto perigosa. Aquela que, perante determinados acontecimentos controversos ou escolhas perigosas e condenáveis, ou então diante de boatos e de mentiras, considera que o melhor é não falar deles, não tomar uma posição clara e pública, não enfrentar quem os projeta, sendo preferível deixar passar o momento. Justificando-se esse ponto de vista com a errada lógica segundo a qual toda a referência pública que lhes seja feita estará a oferecer publicidade àquilo que não deveria tê-la. Supostamente, sem essa publicidade permaneceriam insignificantes.

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                                      Atualidade, Democracia, Opinião