Arquivo de Categorias: Opinião

A perigosa ascensão do Chega

A sondagem que acaba de ser divulgada esta sexta-feira, realizada pelo ISCRE/ICS para a SIC e para o Expresso, oferece números bastante impressionantes, quer sobre a previsível subida da extrema-direita do Chega, que atinge já os 21% das intenções de voto, contra 29% do PS e 27% da coligação PSD-CDS, quer sobre a possível descida global da esquerda à esquerda dos socialistas, que junta apenas 9% (com 5% do BE, 3% do PCP e 1% do Livre). À parte, a Iniciativa liberal, assumidamente de direita, reúne 5%, enquanto o PAN, que não se percebe bem se é carne ou peixe, mantém-se em 1%. São apenas indicadores, naturalmente, e há uma campanha pela frente, mas exprimem uma tendência muito preocupante, traduzida numa alteração visível de boa parte do mapa político que tem acompanhado a nossa democracia.

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    Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião

    Um anticamuseanismo ciclicamente retomado

    Através de um artigo que me foi enviado, acabo de tomar conhecimento da edição em França, ocorrida em setembro do último ano, do livro Oublier Camus (Esquecer Camus), da autoria de Olivier Gloag, académico francês que ensina em Ashville, EUA, na Universidade da Carolina do Norte. A sua preocupação central é denegrir a personalidade e a obra de Albert Camus (1913-1960), um dos autores do século XX mais lidos em todo o mundo, e também um daqueles que, pelo seu humanismo e preocupação com a dimensão ética da política, maior e mais duradoura influência tem mantido ao longo do tempo, incluindo até hoje, mais de seis décadas transcorridas após a sua bem trágica e prematura morte.

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      Artes, Biografias, Heterodoxias, Leituras, Opinião

      Defender a democracia com a história e com a lei

      Debate-se neste momento na Alemanha a hipótese de ilegalizar a Alternativa para a Alemanha (AfD), partido populista de extrema-direita que possui já forte representação no Bundestag e praticamente todas as sondagens colocam em segundo lugar nas próximas legislativas e estaduais, com cerca de 25% dos votos. Poderá mesmo vencer em estados mais orientais, como o da Turíngia. Entre outras medidas, a AfD propõe-se combater a imigração e sair da zona do euro, impondo ainda uma acentuada política de «germanização» do país e de aproximação à Rússia. Ao mesmo tempo, esteve há pouco envolvida num plano destinado, se chegar ao poder, a expatriar para um país africano não especificado um número indefinido de cidadãos «não assimilados», incluindo quem detenha já passaporte alemão ou direitos de residência.

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        Programas eleitorais apenas reivindicativos

        Leio com cuidado as propostas mais destacadas que os dois principais partidos à esquerda do PS adiantam para esta campanha eleitoral. Tenderia a dizer, não que «concordo com tudo», pois algumas apontam para medidas de governo dificilmente exequíveis, mas que estou de acordo com as áreas de intervenção governamental onde elas são necessárias, em alguns casos mesmo urgentes. Trata-se de medidas que aproximem a sociedade portuguesa de um melhor quadro de justiça social e de bem-estar nos domínios da habitação, da saúde, da educação, da justiça fiscal, da legislação laboral, da comunicação social, da corrupção, do clima, dos salários, das pensões e do combate à pobreza. Para todas, em diferentes escala, reivindicações concretas, que apontam para medidas possíveis e outras impossíveis, ainda que todas, sem a menor dúvida, muito desejáveis.

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          O Chega e a «república dos brutos»

          Quando surgiu, o partido Chega foi por muitos considerado apenas um irritante epifenómeno da nossa democracia, algo que nunca passaria de um grupo de saudosos do antigo regime, ocasionalmente reunidos em redor de um fala-barato oportunista, que aproveitava a voga internacional do populismo internacional para dar voz a uma extrema-direita que, no fundo, não se acreditava poder ganhar grande peso no país de Abril. Nesta altura, o seu inegável crescimento, com a generalidade das sondagens a atribuir-lhe um mínimo de 14 ou 15% dos votos nas legislativas de março – não sendo impensável que possa ainda crescer mais desviando muitos votantes do PSD – mostra que aquele olhar inicial era afinal bastante ingénuo.

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            O «clubismo» partidário, mal da democracia 

            A menos de dois meses das eleições legislativas, é boa altura para lembrar um dos males que ensombram este momento fulcral da vida das democracias representativas. Traduz a tendência para grande número de eleitores exercer o seu direito sem um conhecimento minimamente razoável dos programas e dos objetivos que lhe são propostos, sejam os do partido no qual habitualmente vota, sejam os daqueles que podem servir-lhe de alternativa ou de termo comparativo. Esta situação é agravada por um fenómeno análogo que ocorre em sentido inverso: a tendência dos partidos em disputa para simplificar em excesso as suas propostas e os seus discursos, procurando que estes sejam reconhecidos sem esforço pela ampla massa de cidadãos que não tem um efetivo interesse pelo debate político.

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              Dois princípios para dois meses

              Ultrapassado o período do Natal e do novo ano, no qual boa parte das pessoas presta pouca atenção a tudo o que vai para além do seu círculo pessoal e familiar, entramos agora, aqui em Portugal, nos cerca de dois meses que nos vão levar às eleições legislativas antecipadas. Partilharei regularmente aqui o que me parecer poder ter algum interesse público. Para já, refiro apenas dois princípios sobre os quais tenho já poucas dúvidas.

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                Vai doer como o diabo, mas é indispensável

                Estamos a viver um período particularmente difícil e sangrento desse longo e dramático conflito que desde os finais do século XIX, e em especial a partir de 1946, tem como campo de batalha Israel e a Palestina, com reflexos imediatos nos países árabes da região, sobretudo no Líbano, na Jordânia e no Egito, e incessantes ondas de choque que atingem o mundo inteiro. Estas têm sido muito ampliadas na guerra iniciada a 7 de outubro com a ofensiva-surpresa dos grupos Hamas e Jihad Islâmica, apoiados pelo Irão, lançada a partir da Faixa de Gaza contra os colonatos judaicos, algumas cidades israelitas próximas e instalações militares.

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                  A hipocrisia de um certo discurso «da paz»

                  Imersos em experiências e práticas culturais profundamente influenciadas pelos valores essenciais do cristianismo, sendo ou não crentes crescemos confrontados com o versículo do Evangelho de São Lucas «Paz na Terra entre os homens de boa vontade», que dá o mote, em particular nesta altura do ano, a uma retórica generalizada de rejeição da guerra e de louvor da paz. Porém, a frase exprime uma contradição nos seus termos ao diferenciar os seres humanos que considera «de boa vontade» dos demais. Aliás, judaísmo, cristianismo e islamismo, as religiões do Livro, integram na sua experiência histórica palavras de aprovação da violência quando esta castiga quem abandone ou combata a «verdadeira» fé.

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                    Importância da crítica e pobreza do proselitismo

                    Em mais de quatro décadas como professor universitário, insisti sempre num princípio de pedagogia que julgo fundamental. Referia-o logo no primeiro dia em todas as aulas e seminários: muito mais do que armazenar conhecimento, importa o desenvolvimento da capacidade crítica. Juntando logo que, ao contrário do proclamado pelo senso comum, criticar não significa «dizer mal», ou ser-se acintoso com alguém de quem discordamos, mas exprimir convictamente uma dúvida ou hipótese alternativa destinada a abrir perspetivas dinâmicas e a impedir que alguma teoria ou interpretação possa ser tomada como indiscutível e definitiva.

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                      A cidadania entre a responsabilidade e a cobardia 

                      O historiador britânico Tony Judt publicou em 1998 um estudo, O Peso da Responsabilidade, entretanto traduzido pelas Edições 70 (com introdução minha), que deveria ser de leitura obrigatória em cursos de história contemporânea, ciência política, sociologia ou jornalismo. O título condensa de forma perfeita a proposta do autor: partir da vida e da obra de três pensadores franceses com grande impacto público no seu tempo para mostrar de que forma, embora fossem pessoas com percursos, convicções e atitudes bem diferentes, coincidiram no entendimento do seu papel de intelectuais de perfil público como instrumento vital da cidadania. 

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                        Erros e desculpas

                        Leio esta manhã um artigo do Público – «Quando os políticos pedem desculpa pode ser por “sobrevivência” ou por “estratégia”», assinado por Mariana Tiago – que me parece conter uma perspetiva negativa e perniciosa para a observação pública da democracia. Pelos dois motivos que brevemente exponho. Em primeiro lugar por qualificar os «políticos» como uma espécie à parte, na qual a dimensão humana tem sobre si uma camada da conveniência e de calculismo que, a meu ver obviamente, se aplica apenas a alguns. Olhar os «políticos» como gente à parte – «eles», diz-se por vezes – é próprio do discurso populista, e se o artigo não se integra neste universo, na realidade alimenta-o. Em segundo, por não incluir uma única referência à dimensão ética que deve desejavelmente conter a atividade política e cidadã. Para a autora do artigo, e aparentemente, também para as pessoas que ouviu para o escrever, os «políticos» são necessariamente pessoas ambiciosas e opacas, não podem ser- e alguns são-no – apenas honestos, tanto quanto possível transparentes, e capazes de genuinamente reconhecer os seus próprios erros. Podendo esta prática reforçar até a grandeza de quem a assume.
                        [originalmente no Facebook]

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                          O inaceitável cerco ao PS

                          Que fique muito claro: tendo muitíssimas pessoas amigas, ou que admiro, seja pelo que fazem ou apenas como seres humanos, na condição de militantes, de simpatizantes ou de votantes do Partido Socialista, sempre mantive em relação a este uma razoável distância crítica. Apenas por uma vez votei PS nas legislativas, jamais o fiz nas autárquicas e, nas presidenciais, só coincidimos no apoio dado a Mário Soares e depois a Jorge Sampaio. Afora estas ocasiões, somente em algumas importantes campanhas cívicas nos aproximámos.

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                            A crise e o escrutínio

                            1. É imprudente, e apenas resultado da ambição de poder ou de cegueira política, exigir eleições antecipadas neste momento. João Miguel Tavares, de quem habitualmente divirjo (e muito), explica porquê: o PS detém uma maioria absoluta no Parlamento; existe uma altíssima probabilidade de as próximas eleições virem a produzir uma solução governativa muito mais instável do que a actual; o PRR, com um Governo em gestão e meses de campanha eleitoral, poderá nunca vir a ser executado na totalidade; a TAP e o aeroporto ficarão congelados; a entrada em vigor do Orçamento do Estado será posta em causa; o PS não terá tempo para assimilar o que lhe aconteceu; e o PSD e a comunicação social não terão tempo para escrutinar Luís Montenegro e a sua equipa.

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                              O imperativo da paz e as «identidades assassinas»

                              Uma frase de Camus, deixada em 1945 no jornal clandestino da Resistência Combat, proclamava que «a paz é a única batalha que merece a pena ser travada». Exprimia um sentido de justiça e um imperativo ético cuja formulação permanece atual. Neste artigo ajuda a sublinhar a necessidade de um combate pela paz entre a Palestina e Israel, possível num quadro de equilíbrio apenas alcançável através da solução de dois Estados independentes, livres e cooperantes, recomendada desde 1974 pela ONU com base na divisão territorial anterior a 1967. Após oito décadas de conflito sangrento e traumático, da intensa presença de ódios instalados, de interferências externas potencialmente trágicas e do sofrimento dos povos, sobretudo do palestiniano, ela será sempre dificílima de obter; no entanto, as alternativas são piores.

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                                Uma situação editorial incompreensível

                                Sou dos que se formaram e viveram grande parte da vida na cultura do livro e do papel, sabendo, todavia, que já se torna difícil, quando não impossível, acompanhar o mundo de hoje de uma forma próxima e atualizada se nos cingirmos a ela. Como sei que para a larga maioria das pessoas mais jovens, sobretudo no mundo industrializado, em boa parte ela já foi totalmente substituída. Porém, apesar de ter vindo nos últimos anos a doar boa parte da minha biblioteca física, ainda tenho perto de 12 mil volumes, sendo, ao mesmo tempo, leitor diário de ebooks e textos em pdf.

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                                  Atualidade, Cibercultura, Leituras, Olhares, Opinião

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                                  Sobre os terríveis acontecimentos e o cenário de guerra e destruição agora ampliados em Gaza e Israel, cito dois historiadores progressistas israelitas que se lhes acabam de referir. Enquanto para Alon Pauker, «os extremistas, tanto em Israel como em Gaza, alimentam-se uns dos outros e não se preocupam com as vidas das pessoas», para Eli Barnavi «o ataque do Hamas resulta da combinação entre uma organização fanática islamita e a política idiota de Israel.». Estamos, obviamente, perante pessoas moderadas, de uma espécie, se não em vias de extinção, pelo menos com grandes dificuldades de afirmação em Israel. O mesmo acontece, aliás, do lado árabe, onde as palavras sensatas de quem apela à solução política e partilhada do conflito como a única que pode evitar a continuação da opressão e do sofrimento do povo palestiniano são igualmente raras e carecem de grande coragem por parte de quem as profere, considerando a força e os métodos da intolerância, do islamismo radical e do jihadismo.

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                                    Atualidade, Democracia, Direitos Humanos, Opinião

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                                    Todos os dias presente nos noticiários – mais recentemente a propósito dos combates pelo clima ou de vertentes da luta feminista – o ativismo é uma prática positiva e crucial da cidadania. No sentido filosófico, o termo aplica-se a uma doutrina ou argumentação que privilegia a transformação da realidade em detrimento de uma abordagem que seja sobretudo especulativa. Já no plano mais objetivamente político, usa-se como sinónimo de protesto continuado ou de militância dedicada em prol de causas ou de combates de interesse e impacto públicos. Por vezes em condições de ultrapassar ou de complementar a mais formal e programática atividade partidária. 

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