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Os fantasmas descem à cidade

«No começo não há sangue, os indícios são inofensivos.»
(Hans Magnus Enzensberger, Perspectivas da Guerra Civil)

A violência de rua está nas primeiras páginas. Em Atenas, Roma ou Madrid, ela emerge como manifesto visível dos protestos dos mais lesados pela crise artificial, rigorosa e prolongada que afeta as sociedades do sul europeu. Em Lisboa – como em Dublin, que não fica a sul mas para lá vai resvalando – o ruído de uma indignação agressiva e da chuva de pedras caindo sobre os escudos da polícia é ainda ténue, resultado provável de uma maior predisposição cultural para a resignação, mas quando o último dos limites for ultrapassado cá chegará também. Não se trata de uma paisagem agradável, embora ela seja provavelmente necessária, ou pelo menos compreensível, uma vez que a ausência de uma resposta forte e sonora apenas acentuaria a condição de impunidade que domina os responsáveis últimos por toda esta situação. Esta não é, no entanto, a pior das violências a temer, uma vez que será sempre episódica e localizada. O mal, o verdadeiro mal, está na diminuição brutal dos direitos que a Europa está a viver e no descrédito da democracia, produzindo todas as condições para que o uso da força seja mostrado como instrumento de salvação e, em consequência, para que comece a moldar-se um futuro sombrio no qual as liberdades serão limitadas e os cidadãos viverão iludidos e humilhados.

Aproximam-se então dois cenários ainda há pouco considerados longínquos ou julgados impossíveis, apresentados como hipóteses académicas ou resíduos de um passado que pertencia apenas aos livros de História. O primeiro destes cenários subentende a emergência de um autoritarismo caracteristicamente conservador e de direita, de raiz populista, que apoiado no descontentamento dos cidadãos e no descrédito dos partidos tradicionais, possa tomar o poder através de eleições, destruindo depois o próprio regime, como aconteceu na Alemanha com a República de Weimar. Nada desta figuração se apresenta à vista desarmada, mas qualquer um percebe que, no presente momento, basta que apareça um nome e se reúnam algumas vontades para que a serpente saia do seu ovo. O segundo cenário não é, porém, menos dramático. Ele supõe o crescimento rápido de uma esquerda antiparlamentar, apoiada no entendimento da violência como «parteira da História» e nos velhos princípios do autoritarismo de matriz leninista, estruturalmente defensora da centralização do Estado e da repressão da divergência, observada sempre como «contra-revolucionária». Esta é uma possibilidade que, nas condições presentes, pode também ser imposta pelo voto de protesto anticapitalista da maioria dos cidadãos, de acordo com um panorama ainda há bem pouco tempo considerado delirante mas agora inteiramente plausível.

Num e noutro dos casos, é sempre o espetro da força e da coerção, a redução compulsiva do pluralismo e dos direitos individuais, que em nome de urgências maiores, como a necessidade de pão para a boca ou a sobrevivência do Estado-Nação, nos ameaça. Não de longe, mas já aqui, talvez mesmo ao virar da esquina. Estão praticamente reunidas, como dirá a cartilha, as condições subjetivas para que ele apareça à nossa frente. Resta esperar pelas objetivas, que podem não tardar muito. O filme, que parece de terror, está a correr depressa, demasiado depressa.

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    Ódio ao funcionário público

    O mealheiro

    No texto anterior falei do medo, neste falo do ódio. Porque neste momento é ele que nos rege. Imposto por pessoas que já não partilharam os conflitos, os debates, as causas e as expectativas que cavaram o fim do regime velho, gente que desde o ninho fundou a sua estreita noção de democracia no menosprezo da solidariedade social. Menosprezo apoiado num padrão de autoridade imposto por um Estado apenas destinado a arbitrar a defesa do interesse individual, a vertigem do poder do dinheiro e da especulação financeira, a exploração desregulada do trabalho assalariado. Não um governo ao serviço do interesse coletivo, da dimensão partilhada da existência e de uma dignidade fundada na justiça e na equidade distribuídas sem outro limite que não o do esforço e do talento de cada um. São pessoas que odeiam em particular, com «ódio de classe» – sempre odiaram mas agora têm pretextos para o mostrarem sem restrições –, a noção de interesse público e, em consequência, a atividade dos milhões que por ele, ao longo de décadas, deram e continuam a dar o melhor do seu esforço. Dos que nele se formaram, para ele convictamente trabalharam, e, tantas vezes, por ele foram perdendo a juventude, o quinhão de felicidade que lhes cabia, até a saúde. O ódio ao funcionário público, o remoque populista ao seu lugar na sociedade, tornou-se assim uma das molas reais do discurso oficial e da capacidade decisória do atual governo. Não tanto no exercício do direito à crítica dos excessos e dos desmandos do funcionalismo – obviamente existentes e que sempre mereceram a censura e a retificação – mas devido à vinculação do padrão de atividade profissional dessas pessoas a uma noção de interesse coletivo, de desenvolvimento comum ou de desígnio nacional, que tais aprendizes de Milton Friedman apenas invocam quando serve os valores do seu universo mesquinho fundado na desigualdade. Mas será possível governar um país odiando, e em consequência humilhando, uma parte tão significativa dos seus cidadãos?

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      Unir a luta para mudar de vida

      Protesto

      Se excetuarmos os ricos, os néscios, os especuladores e a enfatuada babugem do poder e do sistema partidário que lucra sempre com a gestão da desgraça alheia, todos os portugueses – incluindo por certo os moradores no distrito do Funchal – acordaram hoje em estado de choque com as medidas do próximo Orçamento de Estado divulgadas por Passos Coelho. Não se tratou apenas de um golpe de tenaz sobre o poder de compra e até sobre a mera sobrevivência material da maioria da população, em particular a da outrora chamada classe média, propondo assim matar o doente com base na terapia escolhida. Nem foi só um exercício descarado de inabilidade política, revelando a incapacidade absoluta para apontar uma saída, uma escapatória, um gesto de ousadia capaz de deixar nos cidadãos, pelo menos, a presunção de que aquilo por que vão passar serve para alguma coisa. O discurso de Coelho foi sintomático da incapacidade para encontrar um caminho, ou sequer de conceber uma alternativa a ponderar, por parte de um universo político cobarde e pouco inteligente que só reconhece a administração daquilo que existe, desinteressando-se do caminho que leva ao que pode existir. Dito de outra forma: incapaz de perceber que a negra crise na qual mergulhámos de cabeça é uma crise de sistema, e que a única solução é mudá-lo. Não é deixar que nos afundemos levando connosco o melhor das nossas vidas.

      Mas a tragédia que estamos a viver não passa apenas pelo facto de quem nos gere ser atavicamente incapaz de outro estímulo que não seja o do pau e o da cenoura açulados por Frau Merkl e os seus cúmplices. Passa também por o setor em condições de criar uma outra possibilidade permanecer desde há largos anos incapaz de a pensar e de a propor, separando o essencial do acessório, com uma maleabilidade tática, uma consistência e uma força política e moral em condições de mobilizar os cidadãos. O protesto, naturalmente, é necessário, incluindo o protesto de rua que é nesta altura o único escutado por quem tem a faca e o queijo na mão. E por isso é importante que as manifestações deste sábado sejam concorridas e vibrantes, ainda que não se concorde integralmente com o discurso político que enforma algumas delas. No entanto, não adianta muito clamar contra a injustiça, bradar contra os ataques aos direitos das pessoas comuns – e não apenas «dos trabalhadores» – se não existe a possibilidade de, em termos práticos, definir uma plataforma de entendimento para a alternativa. Capaz, em consonância com uma forte opinião pública e um movimento social amplo e não-sectário, de apontar para uma saída credível. O pior de tudo, neste momento, não é apenas a aproximação do espetro da miséria e do estilhaçamento brusco da qualidade de vida da maioria dos cidadãos: é a ausência de esperança e do enunciar claro da probabilidade de uma saída. E aqui também os partidos, movimentos e correntes políticas críticos do neoliberalismo e dos seus desmandos têm responsabilidades. Eles têm sido incapazes de criar uma real alternativa, refugiando-se, desde há décadas, na mera política do protesto. Preocupados com a reivindicação e o combate pelo poder, mas não com uma larga convergência de objetivos e a sustentabilidade de um futuro solidário projetado para além do imediato e das fronteiras dos Estados. Ora como só a preparação deste futuro pode abrir uma clareira na floresta cheia de lobos e despenhadeiros na qual andamos às voltas, é tempo de mudarem de estratégia. E com a maior urgência.

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        Os prémios e os melhores

        A caminhoA decisão de anular, numa altura em que estavam já marcadas e anunciadas, as entregas dos prémios de 500 euros destinados aos dois melhores alunos de cada escola secundária pública, é, obviamente, uma vergonha e um ato de maldade pura. Atirou para o lixo as expectativas dos jovens premiados, muitos deles com dificuldades económicas, e deu-lhes um mau sinal sobre a forma como o Estado deve ser (ou não deve ser) considerado «pessoa de bem». Ensina-se assim o cidadão de amanhã a não confiar em ninguém. Desde logo, e em primeiro lugar, em quem dirige a coisa pública. Algumas das escolas, tentando minorar a deceção dos seus alunos mais esforçados, estão agora à procura de entidades privadas que possam, a troco de alguma publicidade, ajudar a reduzir um pouco os danos.

        O caso vem trazer para primeiro plano um problema, periodicamente debatido, sobre o qual existem posições divergentes, transversais até na relação com o mapa político e partidário. A saber: justifica-se ou não a existência de prémios destinados a laurear os melhores alunos? Algum pensamento devoto do ensino «centrado no aluno» – já malevolamente cunhado de «eduquês» – considera que não, entendendo ser apenas necessário criar condições para que todos se sintam motivados. No dia ideal em que tal acontecer, só não terá boas notas quem não quiser ou for mesmo burrinho. Numa área à gauche, mais voltada para a «criação das condições objetivas», pensa-se que a atribuição de prémios contraria o igualitarismo, amplia os contrastes sociais e coloca sobre os ombros dos jovens uma responsabilidade que deve caber ao Estado. À direita, os prémios são muitas vezes defendidos, mas como instrumento de gradual composição de um escol, de uma meritocracia, que assenta na definição de uma elite de futuros «mandantes» com lugar de destaque numa sociedade devidamente ordenada. Na qual é suposto mandar quem sabe (e pode) e obedecer quem deve. (mais…)

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          Brinquinho madeirense

          brinquinho

          De vez em quando é necessário escrever sobre temas que nada trazem de novo, que apenas relembram verdades conhecidas, limitando-se a dizer o óbvio e a fazer ecoar o que já todos sabem. Este post vai ser assim, pois vai falar da Madeira e de Alberto João Jardim, assunto sobre o qual já se disse e já se escreveu tanto que se tornou real e virtualmente impossível inovar grande coisa. Além disso, episódio algum pode surpreender e criar uma situação sobre a qual poderemos lançar um novo olhar, pois nada do que possa ocorrer espantará quem não tenha acordado agora de um coma prolongado ou chegado de uma estadia em Marte.

          Li e concordo parcialmente com um post do Daniel Oliveira saído no Arrastão («Responsabilizar criminalmente Jardim pela dívida é desresponsabilizar a democracia»). Penso também que a situação madeirense não é da responsabilidade única da clique partidária instalada na ilha ou dos seus mansos patronos (e patrocinadores) de Lisboa, implicando igualmente uma legitimidade democrática que corresponsabiliza a larga maioria do eleitorado regional. Aceito ainda que em determinadas circunstâncias – e muito em particular nas atuais – reeleger o arruaceiro da Quinta Vigia converte os eleitores da Madeira em «cúmplices de um crime.» Que face aos dados esmagadores dos quais dispomos agora, confirmar nas urnas a continuidade do primeiro responsável pela prática continuada de um crime público altamente doloso é partilhar com ele a responsabilidade pelos seus atos e pelas pesadas consequências que transportam consigo.

          Só que, em parte porque conheço razoavelmente a Madeira e observo os madeirenses para além do que o fazem os continentais-«cubanos» vulgares de Lineu – nos últimos trinta anos, por razões familiares, tenho conservado uma intensa ligação à ilha que me permite ter dela e dos seus habitantes uma mais completa perspetiva de insider –, tenho uma perceção particularmente aguda do modo como as condições objetivas em que decorre a vida social e política do arquipélago impossibilitam a compreensão, pela larga maioria dos seus moradores, desse grau de gravidade e de cumplicidade. As razões são múltiplas e por isso limito-me a anotar as mais óbvias. (mais…)

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            O Queer Lisboa e Israel

            lbgtisrael

            O mínimo que se pode dizer da decisão da organização do Queer Lisboa 15, o festival de cinema gay e lésbico já a decorrer neste fim de semana, no sentido de, por pressão do movimento Panteras Rosa e do Comité de Solidariedade para com a Palestina, se recusar a ter entre os apoiantes a Embaixada de Israel – à qual, como é óbvio, havia previamente pedido o apoio que agora declinou – é que se trata de um gesto deplorável. Por certo que um eventual apoio das embaixadas da França ou da Itália, cujos governantes não são propriamente defensores das causas dos povos ou das minorias, não seria posto em causa. E sabendo que, por muito que a política externa e interna israelita seja agressiva e injusta, e (sublinhe-se) neste momento é-o de facto, tal não invalida que Israel seja um país onde se realizam eleições livres, onde se exerce uma mais do que razoável liberdade de expressão, onde os movimentos LBGT são fortes e livres de atuarem, e onde existe até uma oposição cada vez mais visível que se bate por uma sociedade mais justa e multiétnica. Coisa que, como é sabido, nem mesmo após as recentes «primaveras árabes» está minimamente garantido na generalidade dos Estados vizinhos, onde gays e lésbicas são brutalmente perseguidos pelo facto de o serem. A única explicação é, a meu ver, um não-assumido antissemitismo (e antissionismo) que culpa Israel por existir. Não-assumido, repito, o que piora as coisas.

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              Noventa dias

              direitaesquerda

              Sempre me pareceu, ainda o executivo de José Sócrates palmilhava alegre e impante as estradas de Portugal, que o ramerrão de certa esquerda de acordo com o qual PS e PSD são «as duas caras da mesma moeda», não sendo inteiramente falso em termos de macropolítica, projetava um enorme equívoco. Queiramos ou não, foi esta perceção, ainda que expressa de forma ligeiramente mais elaborada, que levou parte dessa esquerda a assinar de cruz a condenação à morte do anterior governo, projetando, numa atitude de contranatural cumplicidade, a mais do que previsível vitória da coligação que sustenta o atual. Foi insensata, pueril e profundamente danosa essa escolha. O governo do PS seguiu, é certo, caminhos ínvios e sinuosos, incapaz de escapar a pressões externas e ao manobrismo da parte mais insana do seu próprio aparelho, inábil para projetar uma política inteligente, independente e corajosa que permitisse buscar um caminho coerente, eficaz e socialmente aceitável no crítico contexto internacional que já se vinha desenhando. Mas bastaram noventa dias de governo PSD-CDS para se notar a diferença, para bem pior, em áreas cruciais. Independentemente do que foi preciso e possível negociar com a troika, das condições em que o anterior governo rosa teria também de ceder em algumas coisas – e fá-lo-ia com toda a certeza –, este, azul-laranja, tem aproveitado para «ir mais longe». Um «mais longe» que não é senão, em áreas críticas como a saúde, o ensino e a solidariedade social, o tentar aplicar em poucos meses, numa lógica de irreversibilidade, o programa que desde 1974 a direita e o patronato mais mesquinho e ultramontano jamais foram capazes sequer de propor. Os trabalhadores, as mulheres, os jovens, os idosos, a classe média, a quem estão a empobrecer e a retirar às cegas direitos absolutamente fundamentais, a quem em nome de um «saneamento financeiro» injusto e sem horizonte estão a roubar a esperança, que o digam.

              Nota escrita a posteriori: Este post teve algum feedback na bloga. A maior parte limita-se a registar ou a acentuar a «originalidade» da posição de alguém que foi e permanece muito crítico do PS dos anos de governo. Outra, porém, vê nele uma declaração de apoio a este partido, coisa que só pode «ler» quem de facto só lê aquilo que quer ou não sabe pensar se não a branco e vermelho. Ou então não entende que qualquer mudança política que venha a reconduzir a direita ao seu lugar passa por um debate entre os socialistas e um diálogo efectivamente paritário com eles. E por alterações nas atitudes de irredutibilidade política que roçam a teimosia. Em alguns casos, um pouco tristes, a estupidez.

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                Guerra e cumplicidade

                isto não é ficção

                A crítica contemporânea da velha ideia de «guerra justa» apoia-se muitas vezes num erro grosseiro. Parte de um princípio fácil de reconhecer por quem da vida social tenha uma perspetiva não contaminada pela paranoia da violência: todas as guerras são más, todas elas são devastadoras, provocam sofrimento e pavor, deixam um rasto sujo e traumático de perda, estropiamento e morte. Entende por isso tal crítica que tudo deva ser feito para que sejam evitadas ou para que cessem. Mas atrapalha-se num equívoco, capaz de contrariar as grandes intenções que lhe estão na matriz, quando sublinha, fundada nos valores do relativismo cultural mais inflexível, a impossibilidade de aplicar à violência armada graus de ética e de justiça. Sob a influência dessa perspetiva, considera que o justo para uma das partes envolvidas não o é necessariamente para a outra, e, em consequência, desconfia de quem se proponha estabelecer critérios capazes de graduar responsabilidades na aferição do mal.
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                  Não há revoluções perfeitas

                  Não há revoluções perfeitas e ainda bem que assim é. As revoluções imperfeitas que procuraram fazer-se passar por perfeitas transformaram-se rapidamente em instrumentos de uma ordem social imposta, tendencialmente despótica, crescentemente violenta e opressiva, que de revolucionário manteve apenas o rótulo e a retórica. Aconteceu com todas aquelas que irromperam depois de deixarem amadurecer os «grandes princípios» e os programas que deveriam ser aplicados com mão de ferro após a vitória da nova ordem. Aconteceu como a francesa, a russa, a chinesa ou a iraniana. Por isso são sempre mais admiráveis as revoluções inacabadas, como a portuguesa, a checa ou a egípcia, que nasceram de princípios vagos e sem um programa claro, que apenas prepararam o terreno para uma mudança de longo curso, inevitavelmente complexa e contraditória, a percorrer em ziguezague, que só a realidade vivida poderia ou poderá ditar.

                  O que importa nas revoluções imperfeitas é pois o instante, o ponto de viragem, o momento de fuga em relação ao passado, a possibilidade de transformar, a consciência de se viver um tempo rigorosamente único de libertação colectiva de uma ordem injusta e indesejada. O que nelas conta é acima de tudo, e talvez exclusivamente, o voltar anárquico da página. Por isso, antes a projecção da esperança e a consciência da possibilidade da mudança – ainda que esta vá alterando os sentidos, e possa trazer consigo muita desilusão – do que o conformismo e a inacção perante as tiranias bloqueadas. Ou a expectativa de um sinal que mostre o momento ajustado para a tal revolução exemplar, feita com os aliados absolutamente certos e em nome da inquestionável «linha justa». É nisto que deveriam pensar um pouco os cépticos crónicos das revoluções desprogramadas, para quem, como na popular chula do Minho, «p’ra pior já basta assim». Estou a falar da Líbia, obviamente.

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                    Responsabilidade ou servidão

                    Na Genealogia da Moral, Nietzsche evoca a «longa história das origens da responsabilidade» para mostrar como esta categoria foi impondo uma disciplina do dever que tornou previsível o comportamento humano. Sob esta perspectiva, ela pode traduzir uma forma de sujeição moral que reduz a margem de liberdade e transforma o indivíduo num ser conformista. No entanto, as coisas não precisam ser necessariamente assim: o «homem da mais vasta responsabilidade», capaz de construir a sua própria ética através da vontade, pode, para o filósofo, caminhar no sentido contrário, promovendo as suas próprias regras como um acto de liberdade. A dissociação entre responsabilidade e conformismo será aliás, décadas depois, particularmente sublinhada pelos existencialistas. Sartre projectou em 1946 a conhecida tirada a propósito do ser humano estar condenado a ser livre: «condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer». Liberdade e responsabilidade aproximar-se-ão assim num núcleo ético que determinará o comportamento de muitos dos elementos de uma geração, a saída dos horrores da Segunda Grande Guerra e da experiência do «totalitarismo ideológico», à procura de um novo conceito de empenhamento cívico e de independência moral. Em The Burden of Responsability, significativamente traduzido na edição francesa por La Responsabilité des Intellectuels, um livro sobre a intervenção autónoma e a contracorrente de Blum, Camus e Aron, Tony Judt lembra a relação desta forma de entender a «escolha responsável» como uma atitude de compromisso de cada um para com os outros, mas também para consigo mesmo.

                    Obviamente, nada disto é tomado em linha de conta pelas figurinhas que, diante do espectáculo terrível dado pelas hordas de pré-adolescentes lançados em actos de violência nas cidades inglesas – e presumivelmente em outras, apenas à espera da oportunidade – vêm agora para os jornais e televisões falar de uma «responsabilidade» que para elas é sinónimo de obediência e de respeito unívoco pelos valores mais tradicionais proclamados no domínio da acção do Estado, da família, das igrejas ou das instituições militares. Que existe um crescente défice de responsabilização social na atitude de muitas pessoas jovens na sua relação com os outros pode até ser verdade. É inegável o alastramento de uma geração de cidadãos que nasceu e cresceu, em numerosos casos, a diferir constantemente para os outros – para os pais, a escola, o Estado, os patrões, no limite para a polícia e os tribunais – a gestão da sua própria vida. Mas este não é seguramente o caso da maioria esmagadora destes jovens em incontrolada fúria, os quais, obviamente, não nasceram em berço de ouro ou em famílias que de tanto os protegerem ou os ignorarem os transformaram em criaturas «irresponsáveis» cujo lugar é uma casa de correcção. As razões são aqui, com toda a certeza, muito mais complexas. É fácil, no entanto, vir agora com o ladainha da responsabilidade, ou da ausência dela, para legitimar atitudes autoritárias que muitos destes psicólogos sociais de pacotilha estão desejosos de ver colocadas em prática, se necessário com o uso da força, por aquelas que proclamam como as «instituições fundamentais da sociedade». Retomando a acepção sartreana, se «o homem é condenado a se fazer homem, a cada instante de sua vida, pelo conjunto das decisões que adopta no dia-a-dia», pode dizer-se que, contrariando-a, esta gente deseja que as coisas avancem no sentido inverso. Que o ser humano se «faça homem» tornando-se mudo e obediente. Este não pode ser o caminho para resolver o enorme problema que temos em mãos.

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                      Erva no asfalto

                      London 2011

                      Com uma vocação natural para tomar o partido dos mais fracos, tenho dificuldade em orientar-me quando tento perceber de que lado estão os bons e os maus nos motins que incendeiam a periferia de Londres e de outras cidades inglesas. Mas porque a vontade de justiça não é impeditiva de pensar um pouco, contorno a perspectiva simplista que tende a explicar o que está a acontecer desculpabilizando «os miúdos» bons – que por impulso partem, batem, queimam ou roubam – e apontando o dedo acusador apenas ao «sistema» mau, que os remete sem remissão para essa fila do fundo de onde procede a revolta.

                      Existe, claro, um ambiente de injustiça social que empurra aqueles rapazes – quase só rapazes, já repararam? – para a ira desmedida e sem desígnio perceptível. Como existe o problema dos lojistas remediados, dos trabalhadores anónimos, dos imigrantes à procura da sobrevivência, que vêm o seu ganha-pão e os seus pertences volatilizados por pessoas das quais se distinguem apenas pelo facto de possuírem um trabalho, um pequeno negócio, acesso a uma vida sóbria mas digna. Não pode excluir-se, evidentemente, a teoria do sintoma, que nos fala sempre do fumo que nasce do fogo, que insiste em que a revolta resulta do medo de um futuro que não pode ser vislumbrado com esperança. Como também não pode esquecer-se o efeito de imitação, que transforma a violência gratuita em exemplo a copiar. Ocorre aqui, de facto, uma «culpa sistémica», partihada, provocada por políticas que empurram tantos jovens para a falta de perspectivas, a miséria material, o bloqueio moral, o desrespeito do outro.

                      Mas existe também uma outra qualidade de culpa que deve ser imputada aos governos, aos partidos que disputam o poder, ao sistema escolar, até aos sindicatos, que, predominantemente preocupados com quem consome, com quem vota, com quem trabalha ou está em vias de o fazer, com quem paga impostos e por isso «conta», se têm muitas vezes esquecido dos marginados, dos precários, dos imigrantes, dos excluídos, principalmente jovens, que têm crescido sozinhos, à toa, «fechados na rua», como uma erva daninha, sem que ninguém se preocupe muito com ela enquanto não começar a invadir o asfalto. Foi isto, parece, que agora aconteceu. E da pior forma possível.

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                        Ser, não-ser e parecer

                        parecer

                        A resolução do Conselho Académico da Universidade Católica sobre esse dress code mínimo pelo qual, em proveito da sua dignidade corporativa, são responsáveis professores e alunos, encerra contornos inquietantes. Ela visa banir dos espaços e instalações da instituição os «modos de trajes e formas de apresentação próprias de local de lazer e de desporto», sugerindo, como instrumento de controlo, que «todos os responsáveis pela salvaguarda do ambiente e da imagem da universidade nas suas instalações e no espaço do Campus universitário, devem chamar a atenção dos que se apresentarem de maneira imprópria». Ocorre aqui, desde logo, uma dimensão normativa que colide com a liberdade individual. Ela até pode ser aceitável em quartéis ou prisões, mas não em locais públicos frequentados por pessoas que podem entrar e sair dos espaços sob a alçada do código sem qualquer coacção. Não se percebe, além disso, a quem se aplica, dado que os cidadãos atingidos pela medida podem ser até convidados vindos de outras universidades, de outras culturas, ou simples cidadãos em viagem de férias mas interessados numa conferência ou numa exposição. Pode ainda afrontar identidades pessoais ou colectivas, ostracizadas por «impropriedade» daqueles que transportem no corpo os seus sinais «aviltantes».

                        O que mais importa aqui não é, porém, o caso em si, mas sim a tendência que ele sinaliza. A insinuação da cultura antidisciplinar, nascida nos Estado Unidos na década de 1950, e que dominou o ocidente por mais de vinte anos, traduziu-se, entre outros aspectos, na apropriação de estilos de vida, modalidades de gosto, padrões de vestuário, códigos de comportamento, cambiantes gestuais, linguagens, definidos como uma espécie de prolongamento, no que à vida pessoal dizia respeito, das «estradas da libertação» então abertas. De Lisboa a Praga, ela perturbou particularmente os regimes fechados e autoritários, para os quais a emancipação e a diversidade do parecer – da cor da camisa ao corte das calças e do cabelo – constituíam uma marca de intolerável rebeldia. Para os insurrectos, por sua vez, ela era um sinal identitário, um modo de perturbação da ordem cultural, social e ética que visavam contestar. Não será, por isso, por um acaso que, nestes tempos nos quais passou a ser sinal de boa política a correcção da desordem utópica produzida e propagada durante os sixties, o resgate do fato-e-gravata se imponha como aspecto de um «regresso à ordem». Alguns pedagogos do Estado Novo falavam das universidades como lugares de formação de um «escol de mandantes». Este processo de diferenciação social passava então por uma normalização rigorosa da economia do parecer. Felizmente os tempos são outros e estes círculos já deixaram há muito de deter capacidade para imporem o seu modelo de regulação. Mas teimam em cumprir o papel de difusores de uma concepção de elite – do saber e de poder – destinada a demolir a ideia de liberdade e de igualdade que fundamenta a civilidade democrática.

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                          Memória dos tempos que hão-de vir

                          T. Roszak

                          Quem se interesse por perceber o percurso dos velhos sixties, superando a visão nostálgica ou aquela que se lhe opõe, tomando-os como um desperdiçado tempo de desordem e retrocesso, ouviu por certo falar de um livro chamado The Making of a Counter-Culture, subintitulado Reflections on the Technocratic Society and Its Youthful Opposition, e que foi publicado logo em 1969, ainda os sons de Woodstock ressoavam vagamente pelos ares. Nesta obra, como tantas outras mais citada do que lida, o professor californiano Theodore Roszak abordou a origem americana, rapidamente alargada aos ambientes urbanos das sociedades dos países capitalistas avançados, da contracultura como ferramenta da ruptura e da contestação cultural, e como instrumento de rejeição da tirania imposta pelo sistema educativo e pela autoridade familiar produzidos pelo triunfo histórico do capitalismo. (mais…)

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                            Os dados estão lançados

                            BE

                            À hora a que termino estas linhas deve ter acabado já o encontro aberto do Fórum Manifesto destinado a debater o passado recente e o futuro do Bloco de Esquerda. Sou um daqueles seus votantes e/ou simpatizantes – com a presunção de aqui pertencer a uma maioria – que não fora a presença forte desta corrente muito dificilmente se teria conservado nessa qualidade por mais de uma década a fio. O reconhecimento desta proximidade acaba, aliás, de ser confirmado pelo documento que serviu de ponto de partida para o debate de hoje, uma vez que me revejo no essencial da sua análise da actuação recente, das debilidades, das forças e das necessidades imediatas do partido. Discordo de pouca coisa, anotando apenas a falta de uns quantos temas que me parecem decisivos, entendendo essa ausência como motivada pelo desejo de «unir em vez de dividir». Mas como sou daqueles que reconhece também a necessidade de, em alguns momentos, «dividir para unir», ou mesmo «para reinar», aqui fica, embora a destempo, o meu pequeno contributo. (mais…)

                              Atualidade, Olhares, Opinião

                              Euro-eunucos

                              Monsieur Barroso
                              imagem retirada daqui

                              Da crónica de Miguel Sousa Tavares no Expresso deste sábado («O voo dos abutres»):

                              «(…) Por sorte deles [os abutres americanos das agências de notação], encontraram em Bruxelas uma cambada de eunucos, uma colecção de políticos sem nenhuma visão política de futuro, aterrorizados pelas opiniões públicas locais e as suas conjunturas eleitorais, um clube de cobardes sem alma nem grandeza, que irão dar cabo da mais fascinante ideia política desde o pós-guerra, que é a da unidade europeia. Aquele triste ajuntamento de cromos fotográficos não percebeu ainda que está sob ataque concertado e ajoelha-se perante a ofensiva de três agências americanas que estiveram directamente envolvidas no eclodir da crise mundial, ao acompanharem o irresponsável senhor Greenspan, ex-presidente da Reserva Federal americana, e o idiota do ex-Presidente Bush na cobertura do mais inacreditável roubo alguma vez cometido na história da economia — que foi o roubo da economia americana por parte do seu sector financeiro, com consequências que sobraram para o mundo inteiro. Estes tipos que, com o seu aval, permitiram que os Madoffs e os Lehman Brothers roubassem as poupanças e a confiança dos que trabalharam uma vida inteira para terem a sua reforma e a sua casa; que, lá de longe, assinaram a falência de milhares de empresas do mundo inteiro e condenaram dezenas de milhões de trabalhadores ao desemprego, agora exigem que Bruxelas assine por baixo que uma nação com quase nove séculos de história, como Portugal, seja lixo, e uma nação, como a Grécia, que fundou a Europa e que fundou a democracia e a civilização mediterrânica, há dois mil anos, seja tratada ao nível de merceeiro.

                              Em 1945, logo depois do final da guerra, Winston Churchill, que mobilizou a Europa e o mundo livre contra o nazismo, foi à Grécia para mostrar que a Europa livre apoiava a Grécia que resistia a ser encerrada na Cortina de Ferro de Estaline. Quando desembarcou, combatia-se uma guerra civil nas ruas de Atenas e ele nem conseguiu sair do aeroporto, porque nem sequer havia um poder estabelecido para o receber. Mas esteve lá, em nome da Europa e em nome da liberdade. Hoje, um qualquer finlandês ou polaco decide em Bruxelas sobre o futuro da Grécia, numa lógica de castigo e humilhação, e Bruxelas assiste, sem reagir, a que umas agências americanas, sem rosto nem qualificação para tal, decidam em seu nome se a Grécia deve ser reduzida a pó e Portugal a lixo. Para que a economia do planeta fique entregue ao combate final entre os especuladores financeiros da América e os piratas do dumping social asiático. Eis o que o capitalismo fez com a sua vitória histórica sobre o socialismo de Estado! (…)»

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                                Doença crónica

                                leninismo

                                No debate sobre os caminhos mais próximos da «esquerda à esquerda» será bom reflectir sobre um aspecto, apenas aparentemente menor, que é mais fácil de abordar por quem fala do lado de fora de qualquer organização, sem compromissos com essa noção de unidade – ou de combate de tendências – que constrange sempre a liberdade crítica. O vício e a formação de historiador das ideias levam-me aqui a uma curta viagem até ao passado e a dois livros que cruzaram a história da esquerda, fundando um padrão de combate de ideias que me parece perverso e está na origem de parte considerável de alguns dos piores tiques e sintomas de doença crónica que atravessam a esquerda de matriz marxista. O primeiro foi a Crítica do Programa de Gotha, um dos mais importantes trabalhos de Marx, editado em 1891 mas escrito muito mais cedo, em 1875. O segundo foi A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky, publicado em 1918 por Lenine. Um e outro tiveram como alvo a crítica de «oportunismos», ou «desvios», em ambos os casos tomados como formas inaceitáveis de pactuar com o capitalismo. Um e outro tiveram também como objectivo a defesa de uma «tirania das maiorias» consumada no rosto, mais vago e benévolo em Marx, mais cru e objectivo em Lenine, da «ditadura do proletariado». O que importa aqui não é, porém, debater o conteúdo de cada uma das obras, mas sim observar os termos em que foram escritas. (mais…)

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                                  notas & recados

                                  Correio

                                  #20 – Só agora li este texto de Nuno Serra sobre a crise (que la hay, la hay) do Bloco de Esquerda. O menos que posso dizer é que, não a achando exaustiva, concordo por inteiro com as teses que o seu autor nele coloca a bold. Gostava de imaginar que opiniões como esta são efectivamente tomadas em linha de conta do lado de dentro. Porque nas fímbrias, às quais pertenço, tenho a absoluta certeza de que o são.

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                                    Já vi este filme (o caso Rui Tavares)

                                    Rui Tavares

                                    Aquilo que mais me preocupa no caso da demissão de Rui Tavares do lugar de deputado europeu independente pelo Bloco de Esquerda não é saber quem «tem razão». Ou quem cometeu mais ou menos erros. Ou se as coisas poderiam, por cada uma das partes, ter sido conduzidas de outra forma. Provavelmente poderiam. Como provavelmente todos deram passos em falso, embora aceitando que alguns desses passos em falso foram mais passos em falso do que outros.

                                    Também não é coisa que me perturbe a evidente divergência das posições públicas do Rui Tavares em relação ao que parecia ser a linha oficial do partido. Aliás, foi justamente a sua condição de independente, foi o trabalho dele, e, em regra, foram as suas posições públicas muitas vezes autónomas, que aproximaram muitos eleitores do Bloco ou impediram outros de dele se afastarem. No que me diz respeito, foram pessoas como o Rui, o José Manuel, o Miguel, a Marisa, e tantas outras em quem confio, ou cujo trabalho aprecio mesmo quando não penso exactamente como elas, que, contra ventos e marés – para não atribuir nomes próprios a esses ventos e a tais marés – me fizeram votar uma outra vez, apesar de certas perplexidades, no BE.

                                    O que de facto alarma, e muito, é ver a divergência política tratada com recurso ao processo – historicamente ancorado na tradição da esquerda velha, autoritária e rezingona – da calúnia, da insinuação, da ideia de «traição», da deturpação, avançados com uma violência desproporcionada em relação à que se utiliza para atacar os verdadeiros adversários políticos. E numa altura e que essa divergência deveria servir, justamente, para estimular o debate, que se torna imperativo travar, em torno das escolhas, dos métodos, e sobretudo da orientação política e dos objectivos, complementarmente dos rostos, de um Bloco de Esquerda capaz de recuperar do recente e significativo desaire.

                                    Para quem já passou por isto noutros carnavais – pelo que ouviu, pelo que leu, e sobretudo pelo que viveu – há aqui uma sensação pesada de déjà vu. De voltar atrás no tempo, na história, regressando às mesmas injustiças personalizadas, aos mesmos exageros pautados por uma rígida agressividade, à mesma sensação de tempo perdido. Aquilo de que a esquerda, esta esquerda, precisa, não é de acusar, de diabolizar, de apontar hipotéticos traidores, de empurrar figurantes para fora do tablado, de alimentar uma qualquer caça às bruxas. É, justamente ao contrário, de ouvir, de confrontar, de discutir e de traçar caminhos partilhados, abertos, com base numa pluralidade que se faz das ideias e das escolhas mas também das pessoas.

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