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História há só uma?

Goebbels, Hitler e Leni

A frase vinha no Avante! em artigo não assinado: «Que em Portugal existiu uma ditadura fascista é um facto que muitos «historiadores» tentam, hoje, negar. Nas estantes das livrarias, abundam biografias do ditador Salazar e de inspectores da PIDE – sempre «neutras» e observando, sempre, o lado «humano» dos biografados.» Assim se retoma a tónica de deturpação e de má-fé na qual o PCP tem insistido a propósito do tema.

Deturpação porque não é possível conhecer historiador algum – se se excluir uma ou outra figura que possa manter uma posição de proximidade política em relação ao defunto regime – que rejeite liminarmente a existência de um «fascismo português». Aquilo que se pode encontrar, isso sim, são investigadores que sustentam o facto do salazarismo e do Estado Novo, no seu tempo e no seu lugar, pouco terem a ver com a definição filosófica, política, sociológica e orgânica do fascismo italiano e das suas réplicas. E que, por esse motivo, preferem não o qualificar tecnicamente como um fascismo. Mas tal não significa o branqueamento dos delitos do regime ou uma percepção simpática da sua natureza. Se pessoas dessas existem com obra publicada e reconhecida academicamente, então palavra de honra que gostaria muito de saber quem são elas. Apenas por curiosidade.

Existe também má-fé quando se fala de biografias que «abundam» de «inspectores» da PIDE quando se sabe que apenas uma foi editada, a biografia de Fernando Gouveia, da autoria de Irene Flunser Pimentel, e que em momento algum esta procede a uma qualquer lavagem pública do carácter e da intervenção profissional desse indivíduo. Meses após a sua publicação, continuar a afirmar tal coisa não é admissível a não ser com uma intenção pré-definida de denegrir, sem sequer o citar com clareza e propriedade, o trabalho de investigação da autora, uma vez que, entretanto, foi possível ler-se o livro e perceber-se que em momento algum nele se dá uma imagem agradável do pidesco torcionário.

Detecta-se ainda na frase do jornal um pressuposto que se situa algures na fronteira entre o disparate e a ignorância. O processo de construção da história não é «puro» ou «apolítico», mas não é por isso que deve deixar de mostrar os aspectos do passado vivido que tem a possibilidade de documentar, assim desvendando a complexidade do mundo do qual se ocupa e a das pessoas que o fizeram. Calígula como Átila, Torquemada como Robespierre, Goebbels como Beria, não foram monstros alados, ou criaturas verdes com garras e chifres, mas seres, tão humanos quanto nós, que em determinadas circunstâncias puderam cometer actos terríveis, e a complexidade das suas vidas integra muitos momentos nos quais eles não se distinguiram dos outros humanos. Foi aliás através destes, e não por actos de mero desvario, que acederam ao poder. E é a compreensão dessa duplicidade que torna as suas personalidades ainda mais perturbantes. O denso retrato psicológico de Hitler feito por Alan Bullock, ou a exibição do lado folgazão do jovem Estaline que expõe a biografia de Simon Sebag Montefiore, não enunciam a adesão ou a aversão dos autores diante dos biografados: eles são antes esforços de compreensão de perfis e de circunstâncias. O Avante! poderá indicar algum historiador profissional, português ou alienígena, que negue publicamente o valor cultural e científico deste tipo de trabalho? Se sim, gostaria também de o conhecer.

    História, Opinião

    No horizonte

    Horizonte

    Independentemente do apreço que me merece o seu primeiro mentor – no meio de outras boas razões, não esqueço, desculpem lá a pirosice, que ainda ouvi a Voz da Liberdade num rádio de pilhas e cantarolei E alegre se fez triste enquanto seguia de comboio para uma breve clandestinidade – declaro à cabeça que não aprecio particularmente o dialecto «alegrista». Ele conserva parte do reservatório temático do antigo ideário republicano e um «sentimentalismo de esquerda» que assenta mais na declaração mais ou menos nostálgica de princípios vagos do que num programa para a acção. Também me incomoda um pouco um discurso algo moralista que declara, e certas vezes alardeia, uma heráldica de valores cujo sentido a larga maioria dos cidadãos com menos de quarenta anos tem dificuldade em decifrar e, sobretudo, em utilizar. E, no entanto, tendo a olhar com simpatia o eventual aparecimento de uma força que, não oferecendo ao «alegrismo» um lugar central mas incorporando a lógica de anti-aparelhismo e de humanização da governação que lhe permitiu um tão flagrante apoio nas últimas eleições presidenciais, nos possa libertar do círculo vicioso dos símbolos repetidos. E que nos limpe, nem que seja apenas por algum tempo higiénico, da mancha de prepotência, sem desígnio ou vitalidade política, de um «blairismo» de fim-de-festa que o PS de José Sócrates tem continuado a destilar como uma peste. Basta essa vaga expectativa para justificar alguma atenção ao que parece mover-se no horizonte.

      Atualidade, Opinião

      Direito ao tumulto

      À volta da «questão dos professores» todos os argumentos possíveis têm sido adiantados, tornando-se difícil dizer qualquer coisa que não tenha já sido dita e redita. Aliás [bocejo], isto mesmo já foi por mim aqui publicado e republicado. Associadas a essa repetição, a maioria das posições que encontramos na blogosfera têm tomado partido, de forma quase sempre unívoca e até um tanto agressiva, por uma das partes. Reforma boa contra imobilismo mau, professores malandros versus ministra boazinha, bruxa má contra santos inocentes, e por aí afora. Por isso, talvez valha a pena insistir que nada do que se prende com o assunto é simples e redutível a uma caricatura da intifada.

      Todos sabemos que existem professores, provavelmente muitos e geralmente com a complacência dos sindicatos, que sendo «em princípio a favor de uma avaliação» se recusam a admitir uma que os distinga de facto de acordo com o trabalho executado, a preparação científica e os resultados obtidos. Daí a caricata contraproposta da Fenprof pretendendo colocar no primeiro e decisivo patamar do processo de qualificação dos docentes a auto-avaliação. Mas todos sabemos também que o Ministério, e principalmente alguns dos organismos que o representam no terreno – das direcções regionais a certos conselhos executivos mais fiéis -, têm modelado a sua actuação crispada pela imposição de normas burocráticas que mais têm a ver com a redução de despesas e a apresentação artificial de resultados que saiam bem na fotografia das estatísticas do que com a eficácia e a justiça do sistema de ensino que tutelam.

      O pior serviço que se pode fazer na tentativa de solucionar o impasse em que estamos, promovendo uma verdadeira mudança nos padrões de funcionamento do ensino em Portugal, é pois generalizar discursos sobre a maldade ou a bondade dos professores ou do governo. Como se não existissem professores que pensam pela sua cabeça e têm sentido de justiça. Como se o governo fosse completamente insensível à opinião e à experiência daqueles que governa. Mas mau também, já agora, é divulgar, como acontece num artigo de Fernanda Câncio, a ideia de que só porque eleito e apoiado numa maioria parlamentar, absoluta ou não, este governo, ou qualquer governo, possa avançar toda a sorte de medidas insensatas, apresentadas como «reforma», sem o protesto, tumultuoso se necessário, sonoro sempre, dos cidadãos directamente afectados. A democracia não se esgota nas eleições – embora não as possa ignorar, evidentemente – e eu pensava que esse era um dado adquirido por todos os democratas. Mas, claro, no fogo da luta todos nós fazemos e dizemos coisas insensatas.

        Atualidade, Opinião

        Limonada

        Limonada

        Confiando naquilo que, em The Blithdale Romance, Nathaniel Hawthorne conta de Charles Fourier, este acreditava que o inevitável progresso da humanidade rumo à perfeição faria com que um dia o mar passasse a saber a limão. O fascínio da imaginação utópica assenta em operações e em convicções desta natureza, que auguram um futuro de absolutos, programados e construídos à imagem dos desejos e da determinação de quem os projecta. O problema começa quando os fabricantes de utopias começam a pretender fixar as percentagens do açúcar, do ácido cítrico e do sódio, dando todo o poder ao laboratório que passará a gerir o fabrico, a manutenção e a partilha da água marítima. E, claro, condenando ao degredo o sabor a laranja.

          Apontamentos, Opinião

          Palavras perigosas

          Palavras

          O secretário-geral falou de «dimensão totalitária» ao pronunciar-se contra a lei dos partidos que impõe o voto secreto. Um conhecido militante, bloguista e comentador profissional de blogues, acusa-me algures de defender o totalitarismo ao depreciar não sei onde o significado do congresso comunista. As políticas autoritárias e autistas de Sócrates, essas todos os dias são chamadas de «fascizantes». Parece que no número 3 da Soeiro Pereira Gomes e na sua rede de sucursais ocorre neste momento um problema com as palavras. Ou não?

          No livro sobre Eichman, Hannah Arendt falou de uma «banalização do mal» para se referir à entrada do anti-semitismo no discurso do Estado e na esfera do público, produzindo as condições para uma normalização do Holocausto. O uso inapropriado de palavras que se referem a circunstâncias históricas e a tempos nos quais o humano e o monstruoso conviveram, desvirtuando a clareza do seu significado e atribuindo-lhes sentidos indeterminados e brumosos, pode sempre produzir um efeito análogo, trivializando o sinal de perigo que transportam nas entranhas. Podem ser ditas por ignorância ou má-fé, mas o efeito será o mesmo.

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            Riso soviético

            Caricatura do Krokodil, 1953

            Contada ao longo de décadas nos países do «socialismo real», a anedota supostamente antisoviética que há dias aqui transcrevi acabou por servir de mote a uma cadeia que tem feito circular pela blogosfera portuguesa historietas de idêntico teor. Em casos isolados, elas activaram também o ressentimento de pessoas inaptas, nos momentos de transmissão do seu credo político vertidos sempre em solenes liturgias, para aceitarem a dimensão do humor e do nonsense como exercícios de ginástica da crítica e até da elevação da sua qualidade de vida. «Com certas coisas não se brinca» é um mote velho, velho de muitos séculos, que sempre exprimiu a primeira etapa da repressão do humor e da dimensão sardónica e crítica do riso. E o esquecimento da afirmação que Beaumarchais deixou n’O Barbeiro de Sevilha: «Faço por rir de tudo e de todos, com medo do dia em que for obrigado a chorar.»

            Essa é também uma das marcas consistentes da ortodoxia marxista-leninista, com raízes históricas que pontuaram igualmente, ainda que com a integração de outros factores, uma parte significativa da ética vivencial que certos movimentos radicais – como os maoístas da linha dura, os adeptos do terrorismo urbano, os nacionalistas irredutíveis ou os fundamentalistas religiosos – recuperaram e desenvolveram. Tal como, aliás, é possível aferir ainda hoje pela análise dos seus padrões de discurso e pelo modelo de propaganda que alguns continuam a exibir. Pode dizer-se, sem grande margem de erro, que parte dessa recusa da dimensão lúdica da sociabilidade humana e da actividade política se radicou numa concepção da luta pelo poder como combate de extremos, em cujo contexto a utilização do riso enquanto instrumento de crítica interna poderia ser interpretada como atitude pusilânime ou de traição.

            No campo comunista, a origem do trajecto pode ser examinada. Logo após a Revolução de Outubro, proliferaram, num ambiente de efervescência revolucionária, novas técnicas de agitação e de propaganda. Elas incluíram o uso instrumental do humor na crítica da velha sociedade mas também na detecção das contradições, erros e possibilidades da nova, que se acreditava estar em vias de ser erguida. Um bom exemplo desse ambiente pode ser dado pela obra de Mikhail Koltsov, comunista de origem judaica, membro o conselho editorial do Pravda e fundador de várias revistas satíricas, como a Krokodil, que se dedicava à sátira política e, entre outros alvos que usava no seu trabalho, escarnecia do oportunismo político de muitos intelectuais e quadros soviéticos. Em 1932, Koltsov abriria a sua intervenção no decurso do I Congresso dos Escritores Soviéticos contando uma anedota sobre os burocratas sindicais. A maioria dos delegados presentes riu-se, mas o gesto teve imediatamente vozes contra. Estas argumentaram que «zombar do Estado proletário por meio dos velhos dispositivos satíricos e, assim sendo, abalar-lhe os alicerces (…) é, no mínimo, uma insensatez e uma desconsideração.» Pouco tempo depois Koltsov partiria para Espanha, onde iria trabalhar como correspondente durante a Guerra Civil. De regresso, foi preso logo em 1938, no âmbito dos Processos de Moscovo, sendo executado dois anos depois.

            Entretanto, o avanço da dogmatização, da colectivização da opinião, da censura e da imposição do pensamento único, iria deixando as suas marcas também neste domínio. A vitória naquele Congresso, instaurador formal dos princípios do Realismo Socialista, fora a dos adversários de Koltsov. Um tal Panteleimon Romanov, levantou-se após a sua intervenção e falou do futuro do riso sob a ditadura do proletariado: «Gostaria de exprimir o desejo de que, quando terminar o Plano Quinquenal, a necessidade de haver sátira tenha desaparecido da União Soviética, deixando apenas lugar para um humor de grande precisão, que é o das gargalhadas de júbilo.» Ao «homem novo» deveria assim corresponder um «humor positivo» que exprimisse «o riso dos vencedores, um riso tão refrescante quanto o exercício matinal, um riso evocado não pela zombaria do herói mas sim pela alegria por ele».

            Um passo importante na construção de uma disjunção entre um «humor» oficial, público, que era essencialmente propaganda, e um humor oficioso, privado, por vezes rebelde, impossível de controlar apesar da censura e do trabalho incansável dos informadores da polícia, que pertencia ao domínio essencial da vida colectiva traduzido no recurso à sátira e mesmo à zombaria. No ambiente maniqueísta vivido sob a extensão da luta de classes a todos os campos do real, o humor informal, expresso através de anedotas do domínio da cultura popular, foi rapidamente empurrado para uma classificação como acto contra-revolucionário, equiparável ao boato. Milhares de pessoas foram presas, exiladas e até mortas por contarem essas anedotas ou por não denunciarem quem o fazia. São os herdeiros, conscientes ou não, do valor excludente desse «humor positivo», sempre sectário, que ainda hoje consideram intolerável a crítica do sistema soviético morto e enterrado ou a dos seus discípulos.

            Termino com outra anedota, uma das mais antigas da história da URSS, que talvez possa ter uma receptividade mais unânime. Uma velha camponesa está de visita ao jardim zoológico de Moscovo, onde vê um camelo pela primeira vez na vida. «Oh, meu Deus», diz a velhota, «vejam só o que os bolcheviques fizeram àquele cavalo.»

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              Post-it

              Sem tempo e disposição para mais neste momento, não posso deixar de aplaudir e de chamar a atenção de quem por aqui passe para o excelente post de Luis Rainha que no 5 Dias fala sobre a «política de alianças» – ou melhor, da ausência delas pela incapacidade para se conceberem alianças paritárias e sem uma «vanguarda» dirigente – que o secretário-geral do PCP hoje mesmo expôs durante o congresso partidário a decorrer no Campo Pequeno. Perante uma euforia cega e passageira determinada pelas actuais sondagens, a frase final do texto de LR apenas pode funcionar como prevenção: «Mal a maré da crise recue, palpita-me que o PCP vai dar consigo naufragado e só, continuando a ecoar os mesmos chavões, mas já para ninguém.» A maioria dos seus, naturalmente, conserva como sinal de fé fundado numa qualquer «análise concreta da situação concreta» que tal jamais acontecerá.

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                Lágrimas e disparates

                Teacher

                Estou quase em estado de choque com a forma como pessoas que considero justas e inteligentes qualificam, em alguns dos blogues que frequento ou visito ocasionalmente, não só a actual luta da maioria dos professores mas, e principalmente, os próprios professores. Não falo da dimensão de justeza das queixas que estes têm exposto publicamente – com ou sem a mediação dos sindicatos, nem sempre flores que se cheirem – ou da benignidade dos objectivos do ministério, que no início do processo até considerei globalmente positivos. Falo da perfeita falta de respeito com a qual um dos grupos sociais qualificados que mais duramente trabalha e que na comparação com as responsabilidades que detém pior qualidade de vida possui – refiro-me ao conjunto, não às excepções – é tratado por pessoas que, em nome da defesa do seu argumento, chegam ao ponto de se referirem ironicamente aquilo de que quase todos os envolvidos se queixam amarga e desesperadamente, que é de uma crescente frustração e de um profundo cansaço, colocando ambas as palavras entre aspas. Como se essa «frustração» e esse «cansaço» fossem mera expressão de hipocrisia ou prova de uma inominável casmurrice «anti-qualquer coisa». Só o podem fazer por demagogia ou por ignorância da realidade actual da vida dos professores.

                Como sou professor desde 1981 – embora no superior, onde os problemas são outros mas não são menores, onde o desalento e a frustração são diferentes mas não deixam de se sentir de uma forma análoga, embora, até ver, mais silenciosa – e como convivo todos os dias com professores dos diferentes graus de ensino, sei do que estou a falar e só me posso revoltar com essas atitudes de desdém que roçam muitas das vezes o disparate. Como se revoltam também a M. e a J., duas amigas, que há dias chegaram a casa depois de um dia inteiro de trabalho na sua escola, desesperadas, exasperadas, perdidas de cansaço, com o sentimento de se terem tornado incapazes de praticar a profissão da qual um dia tanto gostaram, trocada por uma hiperactividade burocrática feita de decretos e portarias que, entre «parâmetros» obsoletos e «objectivos» impossíveis, envolvidos agora por um clima de competitividade selvagem que jamais desejaram, as tem devastado até à exaustão. E que, ao ligarem a televisão e ouvirem a ministra a declarar naquele tom monocórdico que os professores «precisam trabalhar mais», simplesmente – com aspas, se quiserem – irromperam em lágrimas.

                Adenda: Admito que algumas das pessoas que generalizam sobre a «boa vida» dos professores o façam a partir de experiências parciais, por vezes deslocadas para um tempo passado, e não muito distante, onde de facto alguns tinham (alguns de nós tínhamos) uma vida bem mais leve. É preciso dizer que as coisas pioraram de uma forma dramática e esmagadora nos últimos cinco ou seis anos. E têm piorado a cada dia que passa. É desta nova realidade que falo.

                Por outro lado, nada do que escrevo invalida a minha crítica de algumas das posições dos sindicatos – dessindicalizei-me há mais de uma década, quando a Fenprof traiu por razões tácticas de natureza partidária a única luta dos docentes do ensino superior que conseguiu mobilizar a quase totalidade da classe –, da intervenção pública daquele quadro de bigode à jovem Iosif Vissarionovitch Djugachvili, ou da atitude de alguns professores que gostariam de continuar a dispôr do regime profissional relativamente suave e protegido que tiveram no passado. Mas não é aqui que está agora o eixo do problema.

                  Atualidade, Opinião

                  Pomada lusitana

                  Georgia

                  Talvez por causa da sua condição de alienígena, o Lutz Brückelmann diz com maior à-vontade aquilo que qualquer português das berças que mantenha um sentimento de amor-próprio e de justiça murmura um pouco encavacado e entre dentes enquanto escuta um fado canalha. A frase de pomada com a qual José Sócrates brindou a figura sinistra de mini-czar que responde pelo nome de Dmitri Medvedev – «a Geórgia é uma página virada» – é mesmo para procurar aparecer, como o fez Durão Barroso na infame Cimeira dos Açores de Março de 2003 com Bush, Blair e Aznar, em bicos de pés «ao lado dos grandes». Um exemplo de ausência de princípios, de desumanidade e de falta de vergonha.

                    Atualidade, Opinião

                    Uma lição de João (adenda)

                    João Martins Pereira

                    Originalmente em Caminhos da Memória

                    O texto que escrevi ontem sobre o desaparecimento de João Martins Pereira não era uma evocação nem pretendia servir de obituário. Correspondeu apenas a uma reacção a quente perante a notícia da morte de uma pessoa que não conheci pessoalmente mas me habituei a acompanhar. Na minha biblioteca, em lugar acessível, os seus livros estão encostados aos de António José Saraiva e de Eduardo Lourenço, e julgo que tal poderá dizer alguma coisa a alguém. Ou di-lo a mim, pelo menos. Não falei portanto de algumas das suas intervenções e das ausências me falaram mails que recebi entre ontem e hoje. Não lembrei, por exemplo, a sua proximidade dos processos de fundação do MES e, muitos anos mais tarde, do Bloco de Esquerda. Ou a sua actividade como professor, engenheiro e cronista.

                    Mas uma ausência me parece de facto injusta. Num testemunho conciso e comovente saído hoje no Público, Eduarda Dionísio anota o esquecimento de um jornal absolutamente único, publicado a partir de 1975, do qual João Martins Pereira foi director, colaborador e acima de tudo grande entusiasta. Tratava-se da Gazeta da Semana, anos depois reduzida por dificuldades várias a Gazeta do Mês, e do qual até tinha a colecção completa, desaparecida algures junto com um caixote que levou descaminho numa qualquer mudança. Sobraram-me apenas alguns exemplares dispersos, e é de um deles que me sirvo para ajudar a preencher a falha.

                    Junho de 1980, artigo «Resistir ou Re-existir» na Gazeta do Mês número 2: «A condição feminina é-me exterior, como o é, num outro plano, a condição operária, a mim, intelectual de extracção burguesa. Libertar-me do complexo de “não ser operário” não é distanciar-me do problema da exploração. É justamente escolher colocar-me, em relação a ele, na única posição que, de boa-fé, me é possível assumir: a da apreensão intelectual, a da “teoria”, a de uma prática solidária, que não a de uma prática vivida (impossível) ou a de uma prática imitada (falsa). Levantemos de uma vez certas ambiguidades persistentes: não posso fazer minha a luta pela emancipação feminina, como não posso fazer minha a luta proletária. Estou com elas. E ao estar com elas, isso determina-me nas lutas que me pertence, a mim, travar.» Parágrafos destes, num tempo dominado agora pelos exageros do politicamente correcto e pelo receio da exposição pública, não existem muitos.

                    [Entretanto o Centro de Documentação 25 de Abril disponibilizou online a colecção da Gazeta da Semana]

                      Apontamentos, Memória, Opinião

                      Uma lição de João

                      Fotografia: Dulce Fernandes e Público

                      Originalmente em Caminhos da Memória

                      Morreu ontem João Martins Pereira. Na Primavera de 1971 comprei um livro seu, Pensar Portugal hoje – publicado pela Dom Quixote em plena «abertura marcelista» -, no qual, entre outros temas urgentes, se abordava já, pela primeira vez de forma explícita e de um ponto de vista reflexivo, o carácter subversivo da mudança de costumes que Portugal se encontrava então aceleradamente a viver. Essa mesma que ainda hoje permanece algo subavaliada por alguns historiadores, em detrimento da ênfase dada a uma mudança política efectiva mas mais lenta e epidérmica. Recorro a um sublinhado meu datado daquele ano:

                      «A passagem da rigidez quase total à flexibilidade quase total (…), eis mais uma aprendizagem em que se inicia a classe dominante entre nós. Foi já duro o caminho que a levou dos tempos (não tão recuados) em que nas nossas praias não se podia ver um tronco masculino ao léu (…) até àqueles mais próximos em que os pacatos burgueses saborearam sem pestanejar a fustigação das costas de Romy no filme A Piscina. Aliás (…) no campo dos “costumes” terá tido uma influência decisiva a intensificação dos movimentos de pessoas nos dois sentidos: o turismo estrangeiro em Portugal e as deslocações cada vez mais frequentes de portugueses ao estrangeiro (bolsas, turismo universitário, turismo tout court, a própria emigração). Os portadores da “moral tradicional” viram-se totalmente ultrapassados, e terão talvez ficado surpreendidos que não tenham sido plateias uivantes e babando-se de lascívia as que assistiram aos primeiros nus nos nossos ecrãs. Nada disso: o melhor da nossa burguesia (e não só a intelectual) já estava muito mais «avançada» do que supunham – mesmo a que saía do Blow Up para se encafuar na missa das 7 mais próxima.»

                      João Martins Pereira viria anos depois a ser secretário de Estado da Indústria do 4º Governo provisório, acompanhando o ministro João Cravinho e colaborando na complexa gestão das nacionalizações. Viria a demitir-se em divergência com a política do governo e a incapacidade deste para responder a uma crise económica cujos resultados, nessa altura de grandes esperanças mas de vacas bem magras, a maioria dos portugueses sentia na pele.

                      Publicou também O socialismo, a transição e o caso português (ensaio sobre o capitalismo em Portugal), Indústria, ideologia e quotidiano, Para a História da indústria em Portugal, ou, em co-autoria, À esquerda do possível. Um tanto esquecido, por razões que não será demasiado difícil compreender, um outro título que constitui uma das mais corajosas, mas também mais solitárias, reflexões políticas a contracorrente produzidas nesses anos de chumbo que iriam desembocar no espectro messiânico do primeiro cavaquismo. Refiro-me a No reino dos falsos avestruzes (um olhar sobre a política), editado em 1983, um livro onde se procuram desmontar alguns mitos que estavam na época em pleno processo de fabrico: o da sacrossanta «iniciativa privada», o do diabólico «gonçalvismo», o da salvífica CEE ou o do «desejado» Ramalho Eanes. E onde se procurava também repensar o papel da esquerda no meio de tal selva pós-revolucionária. Volto a destacar um sublinhado já gasto pelo tempo mas que ainda poderá iluminar certas consciências desamparadas:

                      «A banalização do adjectivo “utópico” num sentido pejorativo não deveria impressionar nem complexar a Esquerda; foi a Direita que, ao pretender-se realista e pragmática, lhe lançou essa armadilha. (…) A Esquerda será sempre um “campo de tensão”, a tensão do inventor antes da invenção, do descobridor antes da descoberta, do poeta antes do poema – enfim, do criador antes da criação. É esse “antes” que necessariamente gera a tensão: a Esquerda sabe que nunca chegará à sociedade perfeita, um pouco como Zenão no paradoxo da tartaruga.»

                      Poucas pessoas terão produzido tantos, tão originais e tão anti-dogmáticos contributos para uma reflexão da esquerda portuguesa sobre o mundo e sobre si própria. A partir de Sartre, ponto de partida de tantos dos da sua geração, João Martins Pereira laborou, como lembra Francisco Louçã no combate.info, num «marxismo heterodoxo, culto, informado de toda a dissidência e da radicalidade revolucionária do pensamento socialista». Terá até, mais recentemente, ido bem para além deste. Foi ainda, como é de calcular, uma pessoa de causas, ainda que mal aclimatado a militâncias redutoras da liberdade do indivíduo e da capacidade para pensar sempre o impossível desejável. Quem o conheceu diz que era também um homem decente.

                      Um radical e um utopista, sem dúvida. Ouçamo-lo ainda no Reino: «Todos nós sonhámos com a bela noite em que partiríamos com a trupe do circo ambulante. On the road… Miúdos, vivíamos na pele dos pequenos acrobatas nos seus maillots luzidios. Adolescentes, imaginávamos a louca aventura com a bela trapezista (…). O circo deu-nos a primeira ideia de liberdade sem limites e por isso mesmo os ajuizados regressos a a casa em cada noite de circo terão sido das nossas primeiras sensações de derrota (…). O circo colocou-nos o primeiro desafio à ordem estabelecida». Defendendo, a partir daqui, uma dimensão criadora da marginalidade que não é recusa ou exclusão, mas atracção pelo lado lúdico da existência e de crítica ao sistema que a todo o instante procura cerceá-lo, concluirá que «os marginais são apenas uma minoria dos oprimidos – e só em conjunto todos se libertarão».

                      Viver pensando e aceitando esta magnífica possibilidade parece ser uma bela forma de ser-se solidário com os outros e de viver a própria vida. Uma lição de João.

                      [uma adenda aqui]

                        Apontamentos, Memória, Opinião

                        Professores

                        Aula

                        É abusiva a atitude dos partidos, dos sindicatos e de outras entidades colectivas quando declaram falar em nome «da classe operária», «dos trabalhadores», «dos portugueses», «das mulheres», «dos jovens» ou «dos magarefes». A diferença de interesses e de atitudes, tão imprescindível quanto inevitável nas sociedades democráticas e complexas, condiciona a dificuldade de falar em nome de um todo que é necessariamente múltiplo e contraditório. Mas aqueles que exprimiram publicamente os objectivos comuns da grande manifestação dos professores que decorreu este sábado têm alguma legitimidade para o fazerem, uma vez que a dimensão do movimento tornou inequívoca a convergência da esmagadora maioria numa oposição bem clara às linhas centrais da política educativa do governo. Por isso a posição arrogante e autista da direcção do PS se torna ainda mais chocante e incompreensível. Por isso se pode dizer que os professores, quase todos os professores do ensino básico e secundário – os do superior, e contra mim falo também, permanecem incompreensivelmente passivos –, estão em luta e querem que alguma coisa mude. Ou pelo menos que a sua experiência e os seus pontos de vista não sejam ignorados.

                          Atualidade, Opinião

                          Um herói demasiado humano

                          B.O.

                          Cada época, cada desígnio colectivo, espera sempre pelos seus heróis, que dão um rosto a identidades, a ideias, a projectos. Ou então procura no passado heróis cuja representação os legitime. Eles são os pioneiros, os combatentes, os guias, devotados a causas que parecem transcender a sua própria humanidade. São seres extraordinários, sim, mas são também necessariamente humanos, e por isso deuses e monstros não podem ser heróis. Têm apenas algumas coisas a mais que os seus semelhantes: mais coragem, maior resistência, uma tenacidade fora do comum, talvez um sangue-frio acima da média. Mesmo quando essas qualidades não são consensualmente reconhecidas. Afinal, mesmo o anti-herói é apenas um herói deslocado no tempo, fora do lugar adequado, que age a contracorrente. Têm também qualquer coisa de sábios e de santos. E apesar de se afirmarem por vezes com alguma exuberância, são essencialmente solitários, uma vez que a sua missão singular exige um lugar à parte. Herói algum leva uma vida análoga à do comum dos mortais, misturando-se com eles, pois é o isolamento que enfatiza a sua dimensão exemplar.

                          Bem sei que Demóstenes já se queixava de algo de parecido a propósito dos «homens honrados» – apesar de ter acabado por se deixar corromper por um ministro de Alexandre –, mas na época em que vivemos é raro encontrar heróis vivos. Existe até uma tendência, em parte estimulada pelo enorme poder dos média, para a banalização do heroísmo, transformando-se seres por vezes medíocres, ou com uma vida banal, em modelos a copiar. Por isso, e também porque está na nossa matriz a tendência para esperar alguém que fale por nós mas melhor que nós, que melhore o mundo como jamais o conseguiríamos fazer, que pareça infalível como nós nunca seremos, se torna tão fácil vislumbrar no primeiro vulto heróico que apareça o sinal de uma nova redenção. É aquilo que parece ocorrer com o ser aparentemente perfeito que responde pelo nome de Barack Obama. O problema é que é suposto, no combate que trava por um supremo bem, o herói jamais defraudar expectativas, e isso o próximo presidente dos Estados Unidos da América não conseguirá deixar de fazer. A primeira prova de fogo para a preservação do seu estatuto heróico acontecerá, pois, quando desfeito o sortilégio ele se tornar demasiado humano e revelar as imperfeições. O que acontecerá em breve.

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                            Dê lá por onde der

                            Foice e Martelo

                            Perturbados com um acontecimento cujo sentido e complexidade escapam aos seus esquemas mentais elementares, os fiéis seguidores da esquerda mais imobilista e ortodoxa andam já a fazer o que podem para desconsiderarem, junto de quem ainda os escuta, o movimento de esperança construído em redor da vitória eleitoral de Barack Obama. Sem vislumbrarem nele ponta de valor ou de interesse. Sem perceberem os combates de décadas que o precederam e aquilo que dentro dos seus limites ele poderá trazer de novo. Olhando-o apenas como poeira mediática atirada para os olhos «da classe operária e do povo». Para tais mentes, bloqueadas perante as inesperadas reviravoltas da história, o Grande Satã precisa continuar a ser o Grande Satã. Seja como for, dê lá por onde der. Sem qualquer remissão possível. E quanto pior ele se mostrar, melhor será para «a luta» que travam cada vez mais sozinhos. De outra forma, sem capacidade para proporem um modelo de sociedade alternativo ao do capitalismo que não seja o já testado nas experiências defuntas ou moribundas do «socialismo real», contra que inimigo continuariam a avançar, em passo cadenciado, transportando os velhos símbolos da sua antiga fé?

                            Adenda: Afinal havia outros?

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                              Que tropa!

                              Um responsável militar qualquer – já esqueci o nome do senhor, admito – afirmou ontem publicamente, a propósito das reivindicações salariais castrenses, que «os militares não são uns quaisquer funcionários públicos». Eu estava convencido que eram, devo confessar. Não sabia que tínhamos regressado ao tempo das guerras privadas. Ou desses mercenários de quem dizia Maquiavel não terem «outro amor nem outra razão que as mantenha em campo a não ser um pouco de soldo». Será que estas pessoas empoleiradas nos seus little tanks não perceberam que estão atrás dos bombeiros, da polícia, da protecção civil e dos nadadores-salvadores em termos de relevância social? E que deveriam tratar da vidinha dando o menos nas vistas possível, em vez de se porem em bicos de pés exigindo um tratamento especial e a preservação de privilégios?

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                                Delação (2)

                                Ainda sobre aquilo a que chama «o episódio Kundera», F. Guerra contesta, em O Vermelho e o Negro, as posições de alguns bloggers. Uma delas a minha. No essencial, parece começar por defender uma bússola moral absoluta, relativa a traços do carácter individual, que seria inerente à condição do escritor, ou do artista, e deveria orientá-lo em todas as situações. O essencial do seu argumento centra-se, porém, na tentativa de aproximar aquilo que, sinceramente, não me parece aproximável se não forçarmos um pouco a nota. Para o efeito confronta o caso Kundera com o vivido por Elia Kazan, procurando mostrar como o pulha de um delator o é sob quaisquer circunstâncias, e como nos Estados Unidos da pior fase da Guerra Fria não ocorreram, «em nome da América», canalhices menores e menos justificáveis que sob os ambientes de denúncia «ao serviço da classe operária e de todo o povo» presentes no universo do socialismo real.

                                Não posso deixar de ver com algumas reservas esta comparação. Claro que o ambiente da «caça às bruxas» em Hollywood foi terrível, opressivo, levando inúmeras pessoas a delatar o nome de colegas, conduzindo outras à ruína ou ao suicídio. Provavelmente fizeram-no pensando que tal lhes favoreceria (ou pelo menos não lhes prejudicaria) a carreira, o que por vezes aconteceu. É sobre isto The Front (O Testa de Ferro), o filme-documento de Woody Allen estreado em 1976. Mas também deram a cara, na mesma altura, figuras com a maior visibilidade pública como Humphrey Bogart, Lauren Bacall, Danny Kaye ou John Huston, que foram capazes de empenhar o seu nome e a sua segurança para limparem a América da paranóia mccarthista, dando um exemplo de coragem e rectidão. Além de que não falamos, neste caso, de um sistema repressivo construído como tal, mas sim de uma situação de coerção psíquica e económica, que já então se mostrava, aos olhos de muitas pessoas honestas, como uma arbitrariedade.

                                No caso checo, como em outros casos do «socialismo real», ou mesmo dos diferentes fascismos, falamos da crença generalizada num destino histórico, concebido como salvífico e imortal, apresentado como capaz de revelar definitivamente aquilo que separa o bem do mal. E este destino conheceu, na época de afirmação dos sistemas de coacção totalitária, uma fase de simpatia que mobilizou muitíssimas pessoas. A Kundera também? Talvez. Dizem que sim, parece que sim. Provavelmente mais uma folha para a história universal de ignomínia.

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                                  Vergonha e desonra

                                  A atitude indigna e pusilânime dos deputados do Partido Socialista que hoje votaram na Assembleia da República contra a sua consciência – somados àqueles, parceiros de bancada, que habitualmente apenas se limitam a votar no que as direcções do grupo e do partido desejam que seja votado, e que têm a consciência apontada noutras direcções – acabará por voltar-se contra o partido e contra eles próprios. Contra o partido, porque ela pacifica a parte homofóbica e mais despolitizada do eleitorado ao rejeitar a lei sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo mas implica uma perda de respeito da parte de alguns dos sectores mais democráticos, empenhados e modernos da sociedade que governa. Contra eles próprios, porque assim, com atitudes deste jaez, vão perdendo de vez a já limitada estima que ainda poderiam colher junto dos cidadãos que prezam, nas pessoas públicas, o rasgo, a coragem e a rectidão de princípios. Quem os avisa…

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                                    Fim da História a la Bernstein

                                    Num post aparecido no novo O País Relativo, o Tiago Barbosa Ribeiro considera que é «o tempo da ofensiva ideológica» dos socialistas europeus em prol de um modelo social de gestão do capitalismo. Obrigatório, uma vez que o anticapitalismo «é um anacronismo sem regresso» e a direita liberal «inviabiliza o alargamento da regulação económica no seio de uma economia de mercado». Propõe assim, como ponto de partida para um rejuvenescimento da capacidade de afirmação do «socialismo democrático», como que um regresso ortodoxo a Eduard Bernstein (1850-1932). Isto como ponto de partida para se perceber de uma vez por todas em que capitalismo «devem os agentes desenvolver a sua actividade económica e qual a sua relação de forças com o Estado numa sociedade liberal». Partindo de premissas sobre a irreversibilidade do capitalismo como sistema dominante e etapa definitiva da História que foram fixadas pelo teórico social-democrata alemão há mais de cem anos atrás. Com toda a sinceridade, esperava um pouco mais de imaginação e de capacidade de antecipação – até de um ponto de vista semântico – a propósito dos futuros possíveis que nos devem preocupar. Principalmente quando se sugere a necessidade, real sem dúvida, de pensar com ousadia o socialismo de hoje. O socialismo, repito.

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