A China e a síndrome de Estocolmo

O modo como decorreu a visita do presidente chinês Xi Jinping merce um comentário. Não por ter corrido segundo os princípios da diplomacia e da hospitalidade, ainda mais natural quando a China é uma potência mundial de primeira grandeza com forte e antiga relação com Portugal. Esta é hoje ampliada com a atividade de empresas e investidores chineses e com a presença de um número considerável, cerca de 42 milhares e a crescer, de imigrantes originários da China Continental, Hong-Kong, Macau e Taiwan. É também significativo o número de estudantes universitários chineses em Portugal, existindo neste campo importantes acordos e programas de mobilidade entre os dois Estados. Manter uma ligação regular e cordial com Pequim é, pois, do interesse do país. Todavia, algo aconteceu por estes dias que não deveria ter acontecido. ler mais deste artigo

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    Revoltosos e revoltados

    São muitas as razões e inúmeros os estados de espírito que conduzem à revolta coletiva (da individual há muitos anos falou Camus com justo sentido). Dificilmente são racionalizáveis, pois contestam a quente uma ordem considerada injusta ou arbitrária e fazem-no de forma quase intuitiva. É claro que, nessas condições, muitas valem mais pelo que contestam do que por aquilo que propõem. E é verdade também que muitas integram interesses, sensibilidades ou até propostas bastante diferentes. Dos acontecimentos que por estes dias vive Paris contesto, sem qualquer dúvida, o aproveitamento pela extrema-direita, mas sei que muitos dos revoltosos, sobretudo os mais jovens e menos organizados, o fazem porque se sentem revoltados. Aqui reside a legitimidade da sua voz. Muito acima da dos que a manipulam ou da dos que liminarmente a contestam.
    Fotografia: Thibault Camus/AP

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      Dos ativismos cegos

      Os ativismos, de rua ou não, são indispensáveis para a transformação efetiva da realidade concreta e para o avanço das causas. Sem eles pouco muda, porque tudo é diferido. Sem eles, as maiorias fecham-se no comodismo e muitas pessoas apenas nas boas-intenções. Todavia, não são bons «em si». No plano da luta concreta, uma barricada, uma greve, um meeting, um desfile não valem pela forma que tomam, mas por quem envolvem, pelo modo como se organizam, pelos objetivos que definem, pela capacidade que têm para se articular com outras formas de organização e luta dos múltiplos movimentos sociais. Extasiar-se pelo movimento dos «coletes amarelos» em França, como já por aqui vi, só porque este invoca algumas reivindicações aparentemente justas, e ergue barricadas, queima caixotes do lixo, vira automóveis e parte vitrinas – até a Galeria Jeu de Paume, de grande simbolismo histórico e artístico, foi atacada -, esquecendo ao mesmo tempo que em larga medida integram setores de extrema-direita e definem alguns interesses obscuros, é atitude marcada por uma perigosa cegueira.

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        Três anos de Governo em perspetiva

        A propósito do terceiro aniversário do atual governo, chegou-me um desafio. Pretendia uma jornalista que identificasse aquilo que da sua experiência irá «ficar para a História». Dedicando parte do meu trabalho à história do presente – isto é, a pôr em perspetiva temporal temas contemporâneos –, não sou partidário da «história imediata», uma vez que esta exclui um padrão de crítica que só o distanciamento temporal possibilita. Por outro lado, sou incapaz de profetizar o modo como cidadãos do futuro olharão este presente. Não deixei, porém, de aceitar o desafio, adiantando cinco dos tópicos que uma observação posterior poderá ter em conta.

        Em primeiro lugar, esta foi, na nossa II República, a primeira experiência de um governo apoiado por uma maioria parlamentar construída sem o partido ou aliança mais votados, tal como com naturalidade se pratica há décadas em outras democracias (como sabe, por exemplo, quem acompanhou a série televisiva dinamarquesa Borgen). Este mecanismo criou uma nova solução democrática, anteriormente excluída entre nós, que assenta mais em entendimentos legislativos, e no estabelecimento de consensos interpartidários anunciados publicamente, que em meras combinações de gabinete geradas longe dos olhares dos eleitores. Esta nova possibilidade alterou os cenários do jogo político, enriquecendo-o. ler mais deste artigo

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          Uma infeliz tourada

          A posição do PCP sobre as touradas, juntando-se à direita para aprovar a descida do IVA das corridas para 6% terá as suas legítimas razões. O PCP tem sempre as suas legítimas razões, muito bem explicadas a quem delas discorda, fazendo-o quase sempre num tom defensivo e moralista perante a discordância, como se quem não as aceita ou entende, mesmo estando na área da esquerda e do socialismo, seja cego perante a luz da evidência ou cometa o pecado mortal do «anticomunismo». Quando as suas razões não são política ou eticamente explicáveis de um modo fácil, serve-se com frequência da demagogia, da manipulação da informação e, muitas vezes, de um recorrente legalismo, incompreensível num partido que, na essência, se propõe promover por todos os meios, incluindo os mais ousados, uma sociedade melhor e mais justa.

          Neste caso, como em casos recentes de declarada concessão a posições conservadoras – ainda há pouco aconteceu, por exemplo, com a rejeição da eutanásia -, parece tudo bastante simples. Trata-se aqui de uma concessão eleitoralista a setores sociais retrógrados que se inserem no seu potencial eleitorado, em particular nos distritos do Alentejo e do Ribatejo, e da influência cultural do seu nacionalismo nuclear, tendente, desde há longos anos, a recuperar certas tradições como fator identitário, «patriótico», do país e dos portugueses. O resto do que possa afirmar sobre o tema – ou do que possam dizer alguns dos seus, procurando justificar o inaceitável enquanto outros preferem discordar em silêncio, já que a expressão pública de divergências permanece tabu – será apenas um exercício de retórica. Fica mais este registo para memória futura. Sou dos que o lamentam, pois não sou anticomunista.

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            Contra a vulgaridade

            A par do avanço da ignorância determinado pelo culto do imediato e da desvalorização do conhecimento acumulado, ao qual é sobreposta a mera capacidade de gestão material, a disseminação da vulgaridade é um dos mais graves perigos que as democracias atualmente enfrentam. Permite que qualquer pessoa, mesmo a menos preparada e fiável, se torne popular e chegue ao poder, desde que seja capaz, a par das alianças de conveniência, de se projetar a nível mediático na pele do cidadão comum, «vulgar», no qual os outros vulgares, que constituem uma porção significativa dos eleitorados, se revêem como a um seu igual. Logo como alguém através do qual, da vulgaridade que com essa figura partilham, se sentem representados. Pode esta perceção conduzir-nos a uma atitude social elitista ou mesmo isolacionista? Pode. Mas está nas mãos de quem de tal tenha consciência lutar contra esta tendência. Participando de um combate político e cultural persistente que integre uma dimensão formativa, que eleve, que emancipe, e não que siga a fácil adequação, muitas vezes de natureza demagógica e eleitoralista, ao menor denominador comum.

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              O triunfo dos brutos e o seu antídoto

               

              Em Homens em Tempos Sombrios, de 1968, Hannah Arendt juntou dez pequenos ensaios sobre europeus de gerações diferentes que viveram um tempo, a primeira metade do século passado, poderosamente marcado por um trágico conjunto de sucessivas «catástrofes políticas e calamidades morais». Algumas apresentam pontos de contacto com a realidade que estamos a viver, onde reaparecem os fatores de desagregação, incompreensão e ódio que naquela época impuseram perseguições políticas e étnicas, legitimaram as piores ditaduras, acentuaram as formas de desigualdade e provocaram as guerras mais brutais. ler mais deste artigo

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                Redes sociais e democracia em risco

                Nos anos noventa, quando a expansão da Internet a fez transitar do mundo restrito dos departamentos de informática das universidades e dos centros de pesquisa para o domínio público, foi grande o entusiasmo entre quem antevia algumas das suas potencialidades fora dos terrenos mais exclusivos da ciência. Comecei a utilizá-la, ainda em terminais Unix, no ano de 1992, e participei em muitas experiências de comunicação por essa via que nessa altura transpiravam otimismo. Este encontrava-se sobretudo associado à perceção de que cada utilizador, em breve cada cidadão, poderia contactar muito mais pessoas, poderia aceder a uma quantidade muito maior de informação, permutando conteúdos de um modo prático, barato e veloz até aí impraticável. ler mais deste artigo

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                  Clamor antifascista

                  A organização de um antifascismo militante, que passe das declarações de princípios e da indignação à intervenção sistemática junto das consciências e aos gestos concretos, é cada vez mais imprescindível e urgente. A extrema-direita mundial tem as suas centrais de organização, a maioria na obscuridade e altamente financiada, servindo-se das democracias apenas para alcançar o poder e as subverter. O antifascismo deve fazer sobretudo o inverso, sem donos, partindo do coletivo e da cidadania. Mas precisa de organização, e para isso os partidos políticos que dele se reclamam podem e devem ser um bom princípio. Não a única via, de modo algum, mas um bom princípio. É que, isolado no seu horror, o cidadão amante da liberdade e da democracia apenas pode lamentar o que está a acontecer. E isso de nada serve.

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                    Maledicência e democracia

                    A depreciação gratuita e indiscriminada das pessoas que ocupam cargos políticos apenas por isso, muito comum nas redes sociais, é uma arma do populismo e arrasta consigo o fascismo. É fácil praticá-la, pois são muitos os governantes, deputados ou autarcas que em algum momento – por vezes, de forma sistemática – demonstraram desleixo, incompetência ou completa ausência de qualidades. Para além do envolvimento em situações de corrupção, abuso de poder ou práticas de autoritarismo. Podemos pegar em vinte, cem, duzentos casos, nos quais é fácil reconhecer essa situação, e depois generalizamos, proclamando que «eles», os políticos, «são todos iguais». Pode também usar-se um gesto, uma frase, uma escolha errada ou mais discutível de um deles, e depois aplicá-los a toda a sua atividade ou ao partido a que pertence. É essa a estratégia daqueles que, acima de tudo, procuram denegrir a democracia para melhor a combaterem, defendo como alternativa «salvadores» supostamente impolutos e caídos do céu.

                    Escondem-se desta forma as pessoas realmente convictas, honestas e dedicadas que ao longo dos anos ocupam inúmeros cargos políticos, afirmando-se, quanto muito, que são exceções. Na maioria das vezes, isto é mentira. Estou à vontade para o dizer porque conheço ou conheci pessoalmente centenas de uns e de outros – ministros, deputados, autarcas – e sei que a larga maioria deles merece reconhecimento pelo seu trabalho. Mesmo que saibamos que ao seu lado circulam escroques e oportunistas. Mesmo que de modo algum concordemos com as suas escolhas. Quase sempre assim acontece, aliás, no meu caso de cidadão hipercrítico. A democracia é imperfeita e multiforme, pode e deve melhorar muito, mas o seu completo oposto é apenas a arbitrariedade e a ditadura do mais forte, sem contraditório, sem escrutínio público. Neste tempo que cruzamos é também a afirmação do maior demagogo.

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                      Brasil: coragem e determinação

                      Nunca soube que coisa é sentir-me vencedor de uma eleição democrática. Em Portugal, a partir da votação para a Constituinte de 1975, jamais deixei de votar, mas sempre na qualidade prevista e confirmada de vencido. Nunca votei em partidos ou candidatos vencedores para as legislativas ou para as autárquicas. E mesmo em três eleições presidenciais nas quais em segunda volta dei o meu voto a quem acabou por vencer, tratou-se sempre de uma escolha de conveniência, por um mal menor, não de um gesto de absoluta convicção. Conheço, pois, e muito bem, o sabor da derrota. O pior de todos os amargores, aliás, esse nem ocorreu em ressaca pós-eleitoral: experimentei-o na manhã de 26 de Novembro de 1975, quando compreendi que, por muito tempo, a «festa, pá», da qual falou um dia Chico Buarque, tinha terminado. Já passou, mas ainda o recordo bem, tal foi nessa hora a sensação de desolação e desesperança. ler mais deste artigo

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                        Um arruaceiro no Planalto?

                        A votação que decorre este domingo no Brasil representa um ponto de não retorno. Seja qual for o seu resultado, existe um país amado e admirado a partir de muitos lugares do mundo – de Portugal também – como campo de liberdade e de pluralismo, como paisagem da felicidade possível, como território de humanidade e de futuro, que está a morrer. Que já quase morreu. A maioria dos brasileiros e das brasileiras com suficiente informação e capacidade crítica sabe disso muito bem: a semente do ódio e da desconfiança frutificou e demorará muito tempo até ser possível restaurar laços de confiança na democracia, na governação referendada, e principalmente no outro que mora mesmo ao lado. Aquele que se julgava basicamente igual – mesmo quando colocado em diferente lugar social -, neste momento passou a ser suspeito, ou mesmo culpado, por uma inultrapassável diferença.

                        Até que tudo isto passe, e demorará a passar, o Brasil permanecerá povoado por duas espécies de pessoas, separadas pela sensibilidade, pela raiva, pelo ódio, pela incompreensão, pela desconfiança. Visto de fora – e muitos brasileiros ainda não se terão apercebido disso – caso vença a extrema-direita mais boçal e violenta, sem outro projeto que não o da vingança, e o oportunista ignaro e inútil se torne principal locatário do Palácio do Planalto, como poderá acontecer, será visto no mundo, por muitos anos, como um Estado-pária, sem credibilidade e respeito. Uma «república das bananas» na qual ninguém, salvo parceiros de idêntico calibre, jamais aceitará confiar. O mal está feito, a divisão estabelecida, e demorará bastante a superar. Esperemos que o resultado deste domingo traduza, na vitória da democracia, a esperança de que tal acontecerá com a rapidez possível. Para bem da larga maioria dos brasileiros e das brasileiras, que muito o merecem.

                        [Publicado originalmente no Facebook]

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                          Que falem os mudos

                          Toda a gente conhece o poema, erradamente atribuído a Brecht, que começa com o verso «primeiro levaram os comunistas». Já li versões, também elas assacadas ao «pobre BB», principiando com um «primeiro levaram os negros». Todavia, a versão mais conhecida – «Primeiro levaram os judeus, // mas não falei, por não ser judeu. // Depois, perseguiram os comunistas, // Nada disse então, por não ser comunista. (…)» – foi publicada em 1933 e é da autoria de Martin Niemöller, o pastor luterano alemão antinazi que um dia interpelou pessoalmente Hitler e por isso pagou elevado preço.

                          Existe ainda uma versão do poeta brasileiro Eduardo Alves da Costa, erradamente atribuída a Vladimir Maiakovski: «Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor do nosso jardim. // E não dizemos nada.» Mas não importa a versão, uma vez que se trata, em qualquer dos casos, de um poema de combate, destinado a ser partilhado e a erguer-se contra o silêncio dos que tudo deixam passar porque não é nada com eles, dos que fecham os olhos porque pode ser que passe ao lado, até que um dia, como escreveu o poeta de Niterói, porque não dissemos nada, «já não podemos dizer nada».

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                            A indiferença e a sua companheira cobardia

                            Em O Estrangeiro, Meursault manifesta uma total indiferença em relação àqueles com quem convive e ao mundo que o cerca. Leva uma vida de apatia, em estado de permanente entorpecimento, reagindo apenas, muito espaçadamente, a estímulos imediatos. Liga-se aos outros apenas na medida em que estes lhe agradam ou servem os seus interesses, logo os abandonando quando nessa medida deixam de ser úteis. Para ele, a vida é uma sucessão de episódios sem outro sentido que não seja a de serem o cenário da sua existência sombria. Camus, o autor, foi rigorosamente o oposto, solar, sempre comprometido, atento aos outros e capaz da suprema bravura de contrariar os factos quando estes questionaram a perspetiva ética que foi a sua forma de humanidade.

                            Todos conhecemos pessoas parecidas com o pobre Meursault. Talvez menos extremas na sua indiferença, mas igualmente capazes de se desinteressar por tudo aquilo que não tenha a ver com a pulsão egocêntrica que vão gerindo. Ainda que disfarcem essa insensibilidade com algumas palavras de ocasião. São os (ou as) que lamentam, que discordam, que formalmente tomam esta ou aquela posição em relação aos males da sociedade e do mundo, mas que emudecem logo que tal exija esforço, compromisso e risco. São os (e as) cobardes, que disfarçam a sua cobardia, afinal uma outra forma de indiferença, usando máscaras de cartão ou fazendo-se passar por atentos aos outros apenas na esfera do privado, com palavras inúteis proferidas em surdina.

                            Imagem: Camus espreita em mural de Vhils, Paris.
                            [Publicado originalmente no Facebook]

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                              Não podemos consentir

                              Observando tudo o que está a acontecer no Brasil, nos Estados Unidos e em outros lugares onde tal foi ou é consentido e estimulado por quem julga poder ganhar com a situação, cada vez percebemos melhor como a disseminação do boato e da mentira serve de ninho, sobretudo junto da massa de cidadãos menos esclarecidos, para o fascismo e para a tomada do poder por toda a sorte de desclassificados. Sempre foi assim, é verdade – há muitos anos que os exércitos previnem os seus quadros sobre o papel do boato como arma do inimigo -, mas atualmente é-o muito mais, considerando o lugar explosivo das redes sociais na disseminação seja do que for, e também a escandalosa desqualificação de boa parte da comunicação social, que tudo amplia, muitas vezes sem critério.

                              No caso de Portugal, onde o processo também já teve início, embora ainda de forma na aparência menos esmagadora, é preciso lembrar que somos uma democracia – com defeitos, mas uma democracia – com a liberdade que lhe é inerente conquistada a pulso por décadas de resistência, uma revolução e uma constituição. Por isso temos responsabilidades especiais: 1) podemos e devemos denunciar publicamente os casos em que tal ocorra, bem como os seus responsáveis; 2) temos de reivindicar do Ministério Público e do Governo medidas rápidas e exemplares contra estes criminosos; 3) precisamos exigir da nossa comunicação social que em vez de fazer eco da mentira, esclareça com empenho a verdade. Isto é lutar contra o fascismo. É preciso e urgente, antes que seja tarde.

                              [Publicado originalmente no Facebook]

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                                Brasil: «ame-o ou deixe-o»?

                                Durante a ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985, a propaganda do regime criou uma frase criminosa: «Brasil: ame-o ou deixe-o». Significava ela que apenas existia um país «bom», o «oficial», o da ditadura, o dos militares, o do povo ordeiro e obediente – aquele, desigual mas que «a mão de Deus abençoou», percetível na cançoneta nacionalista «Eu te amo, meu Brasil», composta em 1970 –, e que o outro, o da oposição que lhe resistia, o que se opunha à censura e à tortura, aquele que desejava uma vida melhor, direitos para todos e democracia, era «mau», melhor sendo que se calasse ou emigrasse de vez.

                                Face à polarização política extrema que vive hoje a sociedade brasileira, é inevitável que essa desgraçada frase da ditadura regresse ao pensamento de quem conheceu aqueles negros anos e se assuste com aquilo que está a acontecer nas urnas e nas ruas. Tem vindo de novo a emergir uma tendência, nos setores ultranacionalistas e em parte significativa da opinião pública, para diabolizar todos aqueles que não pensam em conformidade com o candidato da ultradireita. De paupérrimo e nulo programa, sem propostas positivas, mas ultrademagógico e ameaçador, como se o futuro do Brasil pudesse ser determinado pela ameaça do dedo no gatilho. Um «pensamento único» sem pensamento, mas gritaria e coação sobre a liberdade e a democracia. ler mais deste artigo

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                                  O Brasil entre democracia e barbárie

                                  Um dos aspetos mais chocantes, e também mais perigosos para a sobrevivência da democracia, que nos mostra uma observação externa da situação política brasileira e das eleições presidenciais a decorrer, prende-se com a extrema polarização do sistema político do país, traduzida num grau de cegueira, de intolerância e de ódio que, do ponto de vista histórico, apenas conhecemos em momentos raros e críticos, nos quais, noutros lugares, o sistema político, a vida social e o Estado de direito estiveram à beira do colapso. Não se trata já do confronto entre projetos diferentes ou contraditórios de política e de sociedade apostados na mobilização ou no convencimento do eleitorado, como acontece naturalmente nas democracias de tipo representativo, mas de uma luta sem quartel, na qual um dos lados tem como objetivo central, tanto quanto governar a qualquer preço, o esmagamento do seu opositor, das suas ideias e até do seu estilo de vida. ler mais deste artigo

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                                    Enfrentar o fanatismo

                                    Proponho um pequeno e valioso livro do escritor e intelectual israelita Amos Oz há pouco editado pela Dom Quixote. Caros Fanáticos reúne três artigos onde se procura compreender o flagelo contemporâneo do fanatismo, fazendo a apologia da moderação e do conhecimento como seu antídoto. Oz, convém recordar, é uma personalidade com um posicionamento particular em Israel: adepto de um pensamento laico e democrático, é de há muito uma das vozes mais relevantes entre aquelas que defendem para o longo conflito israelo-palestiniano uma solução de dois Estados pacíficos e pluralistas, em condições de colaborar entre si.

                                    O autor destaca a antiguidade do fanatismo, que recorda ser «mais velho do que o Islão, do que o Cristianismo, do que o Judaísmo», declarando que a sua própria infância em Jerusalém, cidade de encontros e de conflitos, o havia convertido numa espécie de «especialista em fanatismo comparado». É a experiência desta «especialização» que procura transmitir ao longo destas páginas, esforçando-se por explicar o ódio instalado e sobretudo por mostrar a sua inutilidade. ler mais deste artigo

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